Entrevista: Letrux
Se o antônimo de amor não é o ódio, mas a indiferença, nós que choramos estamos bem. Em meio ao caos no mundo inteiro, Letícia Novaes vai contra a apatia e declara, com seu projeto Letrux, que está Aos Prantos. Que bom.
Dez meses após um papo rápido sobre seu Noite de Climão – que gerou um caprichado ao vivo no YouTube -, Leticia retorna ao Música Pavê para contar um pouco sobre o momento em que nos entrega seu segundo e recém-lançado álbum.
Música Pavê: Letícia, quando saiu Noite de Climão, penso que existia ali um certo “peso de estreia” – mesmo você sendo alguém com experiência, era um trabalho inédito que inaugurava uma fase que desconhecíamos. Dito isso, te pergunto: Como é lançar Aos Prantos?
Leticia: Lançar Aos Prantos no meio dessa epidemia tem sido curioso de alguma maneira, pois sou uma pessoa que respeita o tempo. Já poderia ter lançado um single, poderia ter fechado o Climão antes ou ter permanecido. Enfim, eram muitas opções, mas meu respeito ao tempo me guiou até aqui. Me guiou em tudo. É triste e frustrante ver seu cronograma entrar num dominó sem fim, mas todes estamos passando por isso, juntes. E isso é impressionante. Isolados, mas unidos. Lancei o Climão com 35 anos, agora estou com 38. Estou me tornando quem eu realmente sou. Fazer análise ajuda nesse aspecto também. Quando mais nova, ainda tinha máscaras sociais, proteções, medos, aos poucos a vida vai se tornando mais rara e única e vamos baixando a guarda. Esse disco é de uma pessoa em guarda baixa. Sou protegida, mas estou aberta com esse disco. O que vier, vai ser. E está sendo isso. Lancei o disco e o mundo fechou. Triste, porém as pessoas estão me ouvindo de suas casas, mandando mensagens sobre minha voz ser uma boa companhia. Isso me emociona.
MP: O que a resposta das pessoas ao seu disco anterior te ensinou sobre Letrux? E como isso influenciou o novo disco?
Leticia: Aprendi a confiar mais em mim e seguir cada vez mais minha intuição. Deixar fluir às vezes é difícil, mas quando você entende o poder disso, é uma maravilha. No novo disco fui menos autocrítica ainda. Fui jorrando, deixando o curso dos rios passar e desembocar. Sem rédeas ou freios.
MP: Ouvindo as novas músicas, logo reconhecemos o jeito Letrux de compor e cantar. Como você explica, ou analisa, seu estilo?
Leticia: Fico feliz quando me marcam em algum filme, livro, artista que eu admiro verdadeiramente e dizem “isso é muito o jeito da Letrux”. Essa coisa do jeito, não sei ainda explicar ou analisar meu estilo, talvez um dia consiga, mas acho que sou uma pessoa preocupada com sensibilidade, detalhes, honestidade. Não tenho preocupações muito estetas, rimas, refrões pra empolgar, viradas, nada disso. Na verdade nem penso nisso na hora de compor. Só deixo vir algo que estou matutando há dias, meses ou deixo vir o raio que vier na hora e me disponibilizo pra música naquele instante. Eu amo muito compor. Sinto barato real.
MP: Há uma variedade sonora bastante interessante dentro do disco, as composições transitam entre terrenos bastante diversos e cada faixa parece ser um pequeno universo em si mesma. Como você entende o que cada composição precisa, em termos de estética?
Leticia: Acho que me cerco de uma banda e produção musical geniais. Sou grata a todas as pessoas envolvidas nisso. Que compram meu barato e realizam meus sonhos musicais. Eu componho muito na cabeça. Chego pro Arthur e começo a cantarolar e ele vai achando os acordes. Às vezes, eu sentia na hora que era aquilo, às vezes não batia tanto com a minha cabeça, então tínhamos que buscar mais, até achar. Mas essa busca pelo que tem aqui dentro, é muito gostosa de se fazer. Criar músicas, arranjos, camadas sonoras. Um prazer. E confio muito nessa banda, um prazer tocar com gente que ama tocar, descobrir, brincar.
MP: Marina Lima estava em Noite de Climão, Lovefoxx e Liniker estão em Aos Prantos. Como você escolhe quem vai trazer para os discos contigo?
Leticia: Marina participou do Climão porque ela é minha musa, minha madrinha (musical e romântica)(risos), não tinha como não tê-la, uma honra ela ter gravado comigo. Liniker é uma força da natureza que eu me choco sempre que ela abre a boca. Um assombro. Fazemos o projeto Acorda, Amor juntas e ficamos mais próximas. Fiquei muito feliz quando ela aceitou porque esse blues precisava da voz dela rasgando tudo assim. Maravilhosa. Lovefoxxx faz parte da minha formação humana e artística, sou vidrada nela. A gente se conheceu e foi amor à primeira vista. Bateu legal, sabe? Vi a volta delas (CSS) no Popload e pirei muito, e fiz um convite assim “vai que cola”, e lá foi ela, dois dias depois do Popload, gravar Fora da Foda com a gente. Essa música é a cara dela. Amo muito a Luísa, uma artista e ser humano fora de qualquer curva.
MP: Além dessas três, você gravou nesses últimos anos com muita gente – de Julia Branco a Biltre, passando pelo Acorda Amor. Penso que em épocas de “ninguém solta a mão de ninguém”, é sempre importante estarmos bem acompanhados. Como tem sido poder dividir palco e estúdio com outros músicos?
Leticia: O Acorda Amor é um projeto pérola. Desenvolvido lindamente pelo Décio 7 e Roberta Martinelli, pessoas que amo e profissionais maravilhosos. É um encontro muito potente, marcante. Sempre que nos vemos, eu fico reabastecida. A Julia Branco é uma cantora e compositora mineira que admiro muito. Ela traz muita poesia e verdade para os seus shows. Julia é corajosa, gosta de arriscar, adoro! Biltre é uma banda carioca que eu simplesmente amo, sou apaixonada, são meninos excelentes, cativantes, talentosos, preocupados com humor de uma maneira real, cômica, verdadeira. Eu gosto muito de bom humor em música. Apesar do disco chamar Aos Prantos, tentei trazer minhas observações engraçadas da vida pra ele. Sem deboche, com graça mesmo. Acho que a Biltre faz isso muito bem: observa a vida com graça, bom humor, leveza, tesão, curiosidade. Amo muito.
MP: E o que Letrux tem te ensinado sobre a Leticia?
Leticia: Que a vida é cheia de imprevistos, complexidades, subjetividades, curvas, ondas, marés. Já sabia, mas toda hora ela joga na minha cara (risos)!
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