Entrevista: Os Paralamas do Sucesso

Os Paralamas do Sucesso deixou de ser uma mera banda e virou uma verdadeira instituição cultural do Brasil já faz um tempo. Como costumo brincar, existem dois tipos de auge na música brasileira: o famigerado “tocar na novela” e outro maior ainda que é “todo mundo cantar no Videokê” – como falei para Bi Ribeiro em um bate papo por telefone, e ele caiu na risada. O trio, como bem sabemos, já se estabeleceu há muito tempo nesses dois “pilares” e, se houver um terceiro, muito provavelmente se encontra por lá também.

Na promoção de seu recém-lançado Sinais do Sim, o baixista falou ao Música Pavê sobre passado e presente, com o mesmo sorriso com que aparece na foto acima (dava para notar a cada frase e brincadeira). Contei a ele que meu favorito era Nove Luas (1996), ele concordou que é um disco especial, após um papo bastante agradável e cheio de conteúdo, como você pode ver abaixo.

E se você não conhece a fundo a discografia de Paralamas do Sucesso, preparamos uma playlist especial no Spotify não necessariamente com seus maiores hits, mas com aquelas músicas que, conhecendo o leitor do site, mostrarão o que a banda tem de melhor aos nossos ouvidos. Antes, porém, aproveite o novo disco, Sinais do Sim.

Música Pavê: Com tantas bandas surgindo toda semana, é muito improvável que alguém chegue no lugar aonde Paralamas do Sucesso chegou. Como você reflete sobre o passar do tempo e a história da banda?

Bi RibeiroVocê deve imaginar, mas a gente nunca pensou que estaria aqui 35 anos depois. O nosso processo sempre foi muito do “próximo passo” – “vamos fazer o quê?”, “semana que vem tem show em Manaus”, “tá, agora o próximo passo é o quê?”, “acabou o show, vamos gravar um disco? Tem umas músicas aqui” (risos) -, tudo sempre muito a curto prazo. Acho que a gente teve no começo muita sorte, o que conta muito nas histórias. A gente fazia música, mas não imaginou que ia gravar um disco. Quando viu, a gente estava naquela onda de 1982, que tinha a Rádio Fluminense, e o Circo Voador começando, daí a gravadora ligou pra gente. Foi pura sorte, não precisamos correr atrás de nada (risos). Dentro de tantas bandinhas que tinham ali, a nossa música Vital e Sua Moto, em uma versão ainda bem rústica, caiu na graça do público. O pessoal começou a gostar e só isso aí já desperta um mínimo interesse, então alguém já quer ouvir a próxima coisa que você quer fazer, tem uma curiosidade. Então você começa a colocar a cabeça pra fora (risos).

MP: Você fala de sorte, mas isso não desmerece a qualidade do som de vocês.

BiPois é, depois que você colocou a cabeça pra fora, você precisa ficar ali. E isso é o que é o difícil.

MP: Com isso, eu percebo que vocês três se tornaram verdadeiros ícones, como instrumentistas, para quem quer começar a tocar.

Bi: É, acaba que viramos “seres históricos” (risos), referência para quem quer tocar e ser bem sucedido, e isso no sentido de ainda estar aqui fazendo a mesma coisa, se propondo coisas novas, mas ainda na mesma função tanto tempo depois. A única coisa que a gente pode creditar é nosso próprio bom senso e ser muito sincero, muito honesto com a gente mesmo. Tudo o que a gente falou, tocou, lançou e propôs é muito verdadeiro. Isso acaba conquistando as pessoas, você sabe quando a coisa está sendo sincera. Tem quem não ligue pra isso, mas acaba atingindo muita gente quando você fala de você mesmo, porque aquilo que você sentiu, outra pessoa sentiu também.

MP: Penso que Paralamas foi uma banda que sempre enfrentou muitos “nãos”, porque era uma época de bandas com muitos integrantes, como Titãs, e vocês “não” poderiam ser só um trio, depois com o flerte com a música latina, cantando em espanhol, e isso “não se faz no Brasil”.

Bi: (risos) Pois é. Mesmo no começo, quando Paralamas tinha ali uma estética musical mais new wave, mais post-punk, as outras bandas que tocavam no Circo Voador tinham um som mais setentista, não tinha nada a ver com a gente.

MP: A gente sabe que existe uma nostalgia muito grande na música brasileira, a rádio toca mais música de ontem do que de hoje, e vocês nem “precisariam” fazer um disco novo, visto que podem seguir tocando as antigas. Insistir em gravar algo novo agora, depois de oito anos sem inéditas, é uma forma de se “impor” como banda, como força ativa?

Bi: Existe uma necessidade de se manter vivo artisticamente. É algo nosso, mesmo que ninguém compre esse disco, a gente precisa vomitar essas músicas para se sentir artisticamente participante, se achar vivo. É uma necessidade vital. Oito anos é bastante tempo mesmo, mas a gente não se colocou um prazo, já fazia um tempo que a gente queria colocar alguma coisa nova para fora. E o Herbert escreve muito, sempre que a gente para pra tocar sai alguma coisa. É isso o que você falou mesmo, se impor como banda. Em 2009, a gente lançou o Brasil Afora e, quando a gente viu, chegou nos 30 anos, a gente falou “não vamos perder essa data não, porque pode não ter outra assim” (risos). A gente se dedicou a fazer o show de 30 anos, que ficou muito legal, reuniu clipes, fotografias e coisas antigas, músicas de todos os tempos da banda, foi o show “perfeito”, tocada todas as músicas que todo mundo queria ouvir e tal. Não deu pra parar, a gente tirou o nome “30 anos” e continuou fazendo mais ou menos a mesma coisa (risos), o trem estava embalado, sabe? E a gente conseguia pouco tempo para se encontrar aqui, onde o negócio nasce mesmo. E nos últimos dois anos, a gente começou a forçar a se encontrar duas vezes por semana e ir juntando as coisas, compondo, mexendo, trazendo coisas de fora.

MP: Essa necessidade vital de fazer música que você comentou, você acha que ela mudou ao longo dos anos ou é a mesma hoje do que há três décadas?

BiAcho que agora é mais urgente, mais necessário. Sempre foi divertido e sempre foi prazeroso tocar, os três nunca pensaram em outra coisa, e, apesar dessa necessidade de lançar coisa nova, nosso objetivo é chegar lá em cima do palco e tocar junto. Mas, pra isso, a gente tem que se motivar, se sentir vivo artisticamente. Eu acho que hoje eu sinto mais essa necessidade mesmo.

MP: Sobre essa questão da nostalgia do brasileiro, vocês precisam lidar com uma expectativa do público de vocês trabalharem mais o passado do que o presente?

Bi: Sim, mas é uma coisa que a gente encara como natural. Por exemplo, a gente está agora pensando em um show novo, depois do de 30 anos, que tinha os maiores hits e não sei o quê. A gente quer tirar, cortas na carne mesmo, algumas que o povo espera, mas a gente não pode deixar de tocar Alagados, Meu Erro, Óculos, tem que tocar essas músicas, porque muita gente que vai assistir ao show não quer nem saber do disco novo, e a gente entende isso, porque é a mesma coisa quando a gente vai ver Rolling Stones. Você sabe que vai ter coisa nova, algumas você pode nem gostar, mas sabe que vai ouvir aquelas músicas que você lembra daquele tempo e não sei o quê. Já teve até momentos em que a gente, aqui dentro, questionou isso, um ou outro não queria mais tocar Óculos, isso há uns vinte anos, “chega de tocar Óculos” (risos), “tem que tocar essa música, que saco”, mas hoje em dia não acontece mais isso, é sempre bom tocar qualquer uma delas, a gente valoriza cada minuto que a gente tá ali fazendo isso, e cada música é tocada como se fosse a última vez. Não tem nenhum perrengue de tocar de novo Meu Erro, pelo contrário, que bom que vamos tocar mais uma vez (risos).

MP: Antes de falar com você, eu estava pensando como seria explicar em palavras o som que Paralamas do Sucesso faz e pensei em dois conceitos: “rock de canções” e “pop brasileiro com peso”. Como você explicaria sua estética?

Bi: Realmente é difícil, ainda mais daqui de dentro, mas a gente se vê como uma banda de rock, a gente começou a tocar por causa disso. A gente gosta de guitarra, de som alto, de porrada. Mas é claro que a gente tem um compositor que faz canções, e a gente tenta da melhor forma interpretá-las, ao mesmo tempo que, sei lá porque motivo, talvez eu seja um dos responsáveis, a gente é muito aberto a qualquer tipo de música, do bolero até o Slipknot, a gente gosta de muita música, a gente passa a dar mais valor ao longo do tempo às coisas étnicas. Eu tô ouvindo muito Bombino, do Níger, que é tido como o “Jimi Hendrix do Saara” (risos). A gente foi ouvindo cada vez mais reggae, foi abrindo o leque. Mas a gente se considera uma banda de rock. Quando sentam os três para tocar… o bicho pega.

MP: Sobre Sinais do Sim, ele me pareceu um disco essencialmente Paralamas, sabe?

Bi: Eu acho engraçado, já me falaram isso antes, mas ele é tão diferente dos outros pra mim. Mas põe a mesma voz, o mesmo baterista, tudo do mesmo (risos), eu acho que tem um sotaque próprio.

MP: Para mim, é como se o conjunto do que a banda faz fosse um só timbre, uma só voz, e o disco tem essa identidade.

BiÉ, exatamente, não tem muito como fugir disso. Inclusive, a gente chamou o Mario Caldato [Jr.], um produtor com quem a gente nunca tinha trabalhado, porque a gente queria um sopro diferente. Como a gente não pode mudar nós três aqui (risos), tem que chamar um cara de fora. Mas é difícil, acho que o sotaque tá impresso mesmo.

MP: Pode ter a ver também com a experiência de vocês, de saberem investir em suas melhores características.

Bi: É, tem a ver com aquela sinceridade que eu te falei, é nisso que a gente acredita mesmo. Eu vendo o disco dentro da discografia, eu acho ele um pouco mais “setentista”, ele remete mais às nossas influências que nos levaram a tocar música – Eric Clapton, Jimi Hendrix, Led Zeppelin -, o que nunca esteve muito explícito em nossos trabalhos. Acho que ele vem mais carregado de um rock antigo.

MP: Na minha leitura, tem a ver com o tratamento dado ao disco, até em mixagem e masterização, com timbres nítidos em uma ambientação bastante grave, algo que muitas bandas contemporâneas que referenciam esse som dos anos 1970 fazem também.

Bi: Sim, tem muitas bandas estrangeiras que trabalham assim hoje. E a gente sempre tentou, muito por causa do reggae, que tem um baixo muito grave, a gente sempre correu atrás disso. A gente ia aos estúdios e falava “ouve esse disco, olha como é grave. Como é que um cara na Jamaica fez isso e a gente não vai fazer agora?” (risos), mas sempre tinha uma explicação técnica, “quando for cortar o disco, a agulha não vai não sei o quê”, um monte de desculpa. Tem diferença quando um cara com visão internacional vai mixar o disco, porque ele admite esse gravão que aqui no Brasil o cara nem percebe, não põe porque está fora da cultura.

MP: Sobre o videoclipe Sinais do Sim, ele me parece uma obra que quer muito honrar a música, quase como uma homenagem à banda. Como você o vê?

Bi: O Ennio [Torresan Jr., diretor] tem uma coisa com a gente, ele fala exatamente isso, que “é uma honra fazer clipe com Paralamas”, e a gente também o admira pra caramba, é um baita profissional do desenho. Ele tem essa devoção que você sentiu, é um barato.

MP: A banda em si é um grande referencial para o videoclipe no Brasil, com um grande legado, não é?

Bi: A gente pegou em cheio a MTV ali no auge, acho que a gente é até hoje o campeão do VMB, que nem existe mais, foram 13. Recentemente também, algum site fez uma votação do melhor clipe já feito no Brasil e ganhou Ela Disse Adeus.

MP: E qual a sua relação com o formato videoclipe?

Bi: Eu gosto de conhecer uma música assistindo a um clipe, acho que ajuda bem a sacar tudo. Fazer vídeo é às vezes uma coisa meio chata (risos), mas acho que a gente tem que fazer sim, é um setor cultural muito interessante. É um caminho muito bom pra música, uma forma muito interessante de levar a música. Ainda mais esse aí (o novo), quando é muito verdadeiro, o cara ouviu a música, sentiu aquelas coisas e tal.

MP: Para terminar, o que você acha que a música brasileira de hoje tem de melhor?

Bi: Fora Palamas? (risos) Pô, não sei, acho que a diversidade. Continua tendo muita gente surgindo com muito tipo de música. Isso é muito forte, acontece da forma que pode no meio de uma hegemonia que ora é do axé, ora é da lambada, ou mesmo do rock, como já aconteceu. Acho isso muito interessante.

E para que você conhecer mais de Paralamas do Sucesso, ouça a playlist Passado a Limpo:

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