Pietá é “muito fiel à vontade de fazer um recorte do que a gente está vivendo”

foto por elisa mendes

Toda interpretação depende do contexto em que ela é feita. Parece óbvio, mas fica ainda mais claro ao ouvirmos Santo Sossego e versos como “esse mundo ainda vai me endoidecer” (em Doidecê) serem decodificados como comentários ao estado de loucura que o Brasil vive hoje em dia. Curiosamente, no entanto, a frase em questão foi escrita há muitos anos e encontra nova relevância no presente.

Foi o que Pietá contou ao Música Pavê durante entrevista. Juliana, Rafael e Frederico gravaram, sob a produção de Jr Tolstói, um disco sem intenção de fazer um comentário sócio-político, mas dotado de uma poesia cuja interpretação nunca está livre do agora. 

O papel do fazer artístico passa muito por um lugar da sua forma de dialogar com as coisas“, conta Juliana, “tenho a impressão que fazer arte sempre passa pelo lugar político. Acho difícil não se colocar à disposição do que tá acontecendo com as suas impressões“. Para Rafael, “a música autoral é uma das formas da gente se posicionar, no sentido de criar textos na poesia, na forma que a gente se coloca. A gente está em um momento muito complicado, mas não é a primeira vez e não será a última”.

Frederico, ainda no assunto, comenta que o fazer autoral “é um trabalho de resistência e sobrevivência. A gente fala do Brasil, com uma lupa no Rio de Janeiro, onde tem pouquíssimos espaços que abrem uma possibilidade de sobrevivência para a música autoral. É preciso que seja sua condição de vida mesmo”.

É por esse contexto da música independente que conhecemos tão bem que a interpretação de suas músicas por um viés político, mesmo que não seja a intenção, mais acontece. “A gente propõe um universo poético em que as músicas não são tão concisas”, diz Frederico, “a gente dá espaço pra elas, elas demoram, a gente não tem medo de usar palavras que não seriam comuns no dia a dia, a gente aposta na poesia. Dentro desse universo, com muita palavra e muito som, essas frases entram no nosso inconsciente de alguma maneira”. “Acho que as pessoas que estão ao nosso redor, os amigos músicos que vêm em casa, estão gerando uma energia parecida, então as pessoas logo identificam”, adiciona Rafael.

Santo Sossego tem a ver com essas trocas com quem está ao redor da banda – “a gente tem sorte de ter saído do teatro, que é esse lugar que agrega muita gente”, comenta Juliana. Ela conta que o álbum tem a ver com a trajetória do trio até hoje: “Quando Pietá começou, a gente não tinha pretensão nenhuma. A gente fez um primeiro disco com a intenção de registrar o momento musical nosso, que era muito forte, com canções que já existiam antes da banda. Agora, Pietá chegou a um lugar de escolha, sabendo que é uma banda com a pretensão de chegar aonde a gente quer sem negar de onde a gente veio. Tem a ver com ter tocado em festival, ter tocado na rua, com o diálogo, com as pessoas consumindo a música e com entender o lugar político”.

Tem uns amigos que falam umas coisas que eu acho engraçado, como se a gente fizesse umas músicas que não estão nem aqui nem ali, que fazem um monte de coisa ao mesmo tempo, que poderiam não dar certo, mas dá”, comenta ela. Frederico adiciona que o que Pietá faz “não é uma tentativa de ser inédito, mas de como fazer uma canção do jeito que a gente gosta, que chegue nas pessoas”, e Rafael comenta que a banda “é muito fiel à vontade de fazer um recorte do que a gente está vivendo. A gente não consegue abrir mão disso”.

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