Geminin Cria Paisagem Sonora em EP “Choronzon”, que Fecha Trilogia

foto por youknowmyface

“Eu acredito que é a trilha sonora para entrar no seu carro, dirigir até o trabalho, olhar na cara do seu chefe e pedir demissão do emprego horrível que você não aguenta mais” – É assim que Geminin descreve a cena que imagina como ideal para que os 19 minutos de Choronzon, seu novo EP, sejam usados como pano de fundo. O som instrumental é um construído por sintetizadores e beats eletrônicos com uma estética que encaixaria como uma luva tanto para um videogame arcade, quanto para uma série de ficção científica sobre alienígenas.

O projeto é idealizado por Lucas Furtado (Lukão), famoso por seu trabalho comandando o baixo do grupo Scalene. “Geminin é a monobanda mais monobanda de todas”, descreveu o artista em entrevista ao Música Pavê. É ele quem compõe, produz, grava, faz a mixagem e masterização no estúdio em sua casa, assim como também prepara todo o material de divulgação, capas e sobe as músicas para as plataformas.

Choronzon é o quinto EP lançado no projeto, e ele foi pensado para ser o fechamento de uma trilogia que conta com Abismo e Véu, ambos lançados também em 2022. Todos os trabalhos de Geminin são carregados com um simbolismo muito forte, mas para entender melhor a proposta, vale a pena um passo atrás e analisar a influência do ocultismo em suas músicas.

A Árvore da Vida e o Mergulho no Abismo

O universo da trilogia segue uma linha narrativa baseada na Cabala Hermética, que é uma forma de organizar o mundo que vem do judaísmo e depois foi revisitada por pensadores do ocultismo. Um deles é Aleister Crowley, cuja influência na música vai de nomes como Led Zeppelin a Raul Seixas. Dentro dos ensinamentos da Cabala, existe a Árvore da Vida, uma espécie de diagrama usado para representar a forma como é organizado o universo para além daquilo que é possível observar fisicamente.

A Árvore da Vida representa uma espécie de jornada que começa no plano material (este que vivemos) e vai passando por etapas até chegar a uma esfera superior de consciência. Uma das partes dessa jornada é o abismo, que é guardado por uma figura demoníaca chamada Choronzon. Essa figura representa o próprio ego e para seguir na jornada é preciso derrotar esse demônio, que pode ser interpretado alcançar um desprendimento do seu ego.  

É nesse contexto que se encaixa o novo EP de Geminin, ambientado no momento de cruzar o abismo. Segundo Lukão, apesar de não ter sido a intenção no início, esse cenário também representa seu momento de vida atual: “se puder colocar em termos pessoais, eu penso que estou agora na portinha do abismo encarando o Choronzon olho no olho. Eu tô passando por momentos de muitas mudanças e tendo que lidar com isso. Mudar coisas em mim, mudar a forma como enxergo o mundo”, revelou.

Leia abaixo um pouco do que está por trás das inúmeras camadas de sintetizadores e beats eletrônicos segundo os comentários do próprio autor.

Portão

“Eu tinha um esqueleto dessa música na época que estava produzindo de Véu e Abismo, mas não vinha para mim algo que emocionasse. Queria algo instigante que fosse você chegando num lugar que literalmente tem um portão para atravessar. Eu tava com dificuldade de achar sonoridade e melodia para isso, até que assisti a última temporada de Stranger Things. Foi aí eu falei ‘tá, eu já sei exatamente o que eu tenho que fazer’. Os caras que compõem a trilha sonora da série são uma grande influência para mim. Eles tem uma banda chamada Survive e é muito boa. São quatro caras tocando sintetizadores e é tudo ao vivo, não tem quase nada de midi pré-programado. Então eu pensei que em vez de tocar com loops, o caminho era tocar a música ao vivo mesmo. Aí fui criando as melodias, adicionei várias camadas de efeito sonoro e encaixou”

Choronzon

“Esse é o momento onde você enfrenta o demônio. Eu pensei ‘eu preciso de um tema de vilão’. Aí eu já tinha uns sons que eu queria usar na minha cabeça que eram muito baseados em um sintetizador chamado OBX, que é um sintetizador clássico de qualquer trilha sonora anos 80 e 90. Eu comprei um simulador dele muito fiel e comecei a futricar o som até que eu cheguei ao tema e falei ‘beleza, é aqui que tá o segredo’. Eu segui uma abordagem meio Pedro e o Lobo (o desenho tem uma versão onde cada personagem é um instrumento musical). O Choronzon é esse sintetizador grave e todas as outras coisas que eu fui botando em volta são como se fosse o ambiente sonoro onde ele está inserido. No meio tem uns rugidos, barulhos, risada demoníaca e tudo isso eu fui criando com base nesse personagem que eu criava na minha cabeça. Tem um arpeggiator que vai de um lado até o outro, como se ele tivesse andando de um lado até o outro te procurando”

Inocência

“Foi a primeira que eu fiz para esse EP e ela era muito diferente. Ela tinha uma cara muito techno desde o início. Ela tinha uma bateria forte ao longo dela, era bem mais pista de dança. Só que aí eu senti que pra esse EP podia ter uma coisa um pouco mais leve, então eu fui pelo caminho contrário. Eu desconstruí o que eu tinha pensado para ela, mas mantive os samples, pois passei muito tempo trabalhando neles. Eu fui reconstruindo a parte rítmica de uma maneira meio bobinha. O nome dela é inocência porque ela foi feita com muito olhar de inocência. Era como se fosse brincar com esse lego de elementos que eu tenho”

Eu Preciso Sair Daqui

“Dentro da narrativa, essa música representa muito a vontade de se libertar do momento merda. É uma coisa meio claustrofóbica. Você tá preso em um lugar e fala ‘eu preciso sair daqui’. Então essa é a música que foi feita mais focada na questão emocional. É com vontade de vazar mesmo. Eu compus essa música como se ela fosse uma fuga de filme. Roubou um banco, tá no carro e agora é como se fosse uma perseguição de polícia e ladrão. É uma bateria de música agitada, de música para movimento. A forma como ela acaba para mim é muito satisfatória, pois ela acaba em um acorde que não leva a lugar nenhum. Não dá um alívio, mas é como se você tivesse visto a saída. Você só vai sentir o alívio quando você passar pela porta de saída, mas você não passou ainda, você viu e pensou ‘tô quase'”

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