Gabriel Ventura Experimenta com o Comum
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(*Colaboraram na entrevista: Roberto Soares Neves e Gabriela Pavão)
Já se passaram quase três anos desde que Gabriel Ventura entregou ao mundo seu primeiro álbum solo, Tarde (2022), e mais de uma década desde que conhecemos sua guitarra e poesia na banda Ventre. Nesta semana, ele deu ao mundo a primeira prévia de um novo disco, Pra Me Lembrar de Insistir, com lados seus que todo esse tempo ainda não havia revelado.
Fogos tem o violão em primeiro plano, em uma ambientação acústica de poucos elementos (incluindo harpa) que se encontram com uma delicadeza distante do som explosivo de outrora. Não teria como sua entrevista com o Música Pavê começar por outro assunto a não ser esse.
Ele citou o processo de produção da obra, ao lado de Patrick Laplan, e deu alguns detalhes do álbum que será lançado em abril pelo selo Balaclava Records.
Música Pavê: Do lado de cá, Fogos parece apresentar um Gabriel diferente daquele que conhecemos tocando guitarra, é o Gabriel do violão. E para você, “do lado de dentro”, existe essa mesma impressão?
Gabriel Ventura: Para mim, é maravilhosa essa percepção. Para mim, Gabriel, assim como o cara da guitarra, toca violão desde moleque, sempre escutou MPB, é amante de Gonzaguinha, filho de pai sambista… Não levei a guitarra para várias músicas desse disco porque elas pediam o violão. Tinha também a vontade de explorar mais esse instrumento que é tão importante na música brasileira. E todo mundo tem um avô ou um tio que toca, já participou de uma rodinha de violão que tocava Legião Urbana… queria prestar uma homenagem a esse grande senhor das nossas vidas.
MP: Me chamou atenção quando o release de imprensa diz que “esse trabalho é menos experimental” que os anteriores, porque penso que explorar esses lugares mais sutis é também uma atitude muito experimental.
Gabriel: Ou cansada (risos). Acho que a experimentação te leva a outros lugares, em todo tipo de criação. Se você está fazendo comida, experimenta colocar mais ou menos sal, açúcar ou pimenta e fez algo que nunca fez antes – por mais que coma sal, açúcar e pimenta em tantas outras coisas. É um novo sem ser novo. O que é diferente é a dosagem, ou a mistura das coisas. Acho que experimentei algo novo ao ser comum.
MP: Para além da instrumentação, Fogos mostra também um novo clima, talvez uma leveza. Isso foi intencional?
Gabriel: Toda pessoa tem uma visão de si, e recebe o que os outros acham que essa pessoa é. Por muito tempo, escutei “Gabriel só faz música triste”, sendo que, para mim, muitas das minhas músicas são felizes. Talvez isso vem do jeito que eu estava vestindo aquelas músicas. Se tem uma coisa que me preocupo muito na escrita é em contar uma história que ela não se repita – talvez, por isso que as músicas têm partes A, B, C, D, E, meio libres -, sempre me esforço para terminar com uma mensagem positiva, mesmo e começar meio soturno. Comecei a pensar que talvez a roupa não estivesse tão condizente com o que eu estava querendo dizer. Mas também tem vários outros motivos, fase de vida… Este novo disco pode ser o mais romântico que eu já fiz, Fogos é uma música de amor. É essa vontade de tornar mais aparente o jeito que eu acho que as coisas são.
MP: A harpa também chama atenção como um elemento bastante diferente em Fogos. De onde veio a ideia de inseri-la na música?
Gabriel: Faz parte da vontade de soar diferente, o que eu acho que é natural de todo mundo que apresenta uma coisa nova – o tempo passa, o que eu escuto muda. Queria fazer coisas diferentes, como trazer participações no disco, que é algo que eu nunca tive (fora alguns músicos amigos e os produtores). Conheci Aricia [Ferigato] em um show que fiz no Tranquilo, em BH, e ela me mostrou seu trabalho. No processo de compor e gravar o disco, pensei que Fogos poderia ser uma boa para ter harpa. Assim como em todas as participações do disco, eu mandei a música e disse “faça o que você quiser”. Fiz muita questão que, se fosse para ter participação, não deveria ser uma pessoa tocando o que eu quero só porque eu não sei tocar harpa. Tenho essa experiência de gravar para os outros e sei como é você não se reconhecer ao escutar a música final, então não quis cometer esses mesmos erros.
MP: Como você escolheu as pessoas que estariam contigo nesse trabalho, de Patrick Laplan na produção às participações?
Gabriel: Patrick e eu nos demos muito bem desde quando trabalhamos em Tarde, sou fã dele em todos os aspectos e sabemos dialogar muito bem, então fez muito sentido virar para ele e falar “vamos nessa de novo?”. Os outros vieram conforme as músicas foram ficando prontas e pensamos o que faltava nelas, como a harpa. Yuri [Pimentel] é meu amigo há anos, e pensei nele quando queria um baixo acústico no disco – ele tocou em quatro faixas.
MP: Quanto a voltar ao estúdio para gravar um segundo álbum solo, hoje mais experiente. Como foi?
Gabriel: Isso tem a ver um pouco com o processo do nome do disco, Pra Me Lembrar de Insistir. Sendo muito sincero, não é o meu trabalho autoral que paga as minhas contas, é o que faço como roadie, direção de palco. Era muito cômodo para mim só levar a minha vida assim. Esse disco veio para me lembrar de insistir mesmo, foi um processo de pensar por que eu faço isso. Falamos muito de processo, como estamos fazendo agora, mas o motivo importa muito mais: Por que estou fazendo essa porra depois de tanto tempo? Refletindo sobre isso, entendi que é o que eu gosto de fazer. E é aí que entra a experiência, colocar em prática a sabedoria que acumulei nos anos de trabalho para responder essas questões.
MP: Como foi saber sobre o que cantar no álbum? Você mencionou que é um trabalho romântico, né?
Gabriel: É, eu acho (risos). Na minha maneira de fazer música, nunca parei para pensar o que vou escrever. Pego o instrumento e começo a compor, os temas surgem naturalmente pelo que estou vivendo, o que ouvi, o que meu amigo está passando, vou falando sobre isso. O único esforço que fiz foi o de enfiar essa frase, “pra me lembrar de insistir”, em uma letra, que era uma maneira de firmar isso não só para mim, mas também para os outros – “galera, vamos pensar na insistência”, passar essa mensagem.
MP: Sobre o clipe, como foi trabalhar com outras pessoas para transmitir uma mensagem que surgiu a partir de uma jornada pessoal sua, lidar com a interpretação dos outros?
Gabriel: Acho que é o mesmo pensamento de fazer música. Até esse momento da minha vida, não consigo imaginar chamar alguém para trabalhar e não querer a pessoa de fato, e só que ela só faça o que eu não sei fazer. Isadora [Boschiroli] escreveu o roteiro, dirigiu, montou, eu vi o final, adorei e é isso. Não tenho crédito nenhum a levar sobre isso, é trabalho exclusivo da equipe. Eles chegaram aqui em casa com várias ideias, só fui ajudando a realizar suas ideias.
MP: Como foi, então, ter seu momento de espectador vendo o clipe pronto?
Gabriel: Chorei à beça, foi ótimo (risos). Acaba sendo um clipe muito pessoal. Eu tenho um problema com rede social, aparecer, esse tipo de coisa. Gosto que o trabalho fale por si. Então, Isadora foi muito respeitosa com isso, e muito sensível com os detalhes. Foi um trabalho íntimo, porque foi na minha casa, tem eu, minha companheira. Toda vez que vejo, quero chorar.
MP: Sobre Pra Me Lembrar de Insistir, o quanto escutar Fogos nos revela do álbum?
Gabriel: Acho que você conhece um lado do disco, que vem da instrumentação. Ele tem bastante violão, participações variadas, esse lado da sutileza, com menos distorções e guitarras – não que não tenha, tem, mas bem menos.
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