Entrevista: Lício + Gustavo Macacko

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O mês de junho chegou e trouxe dois nomes interessantes para o palco do Centro de Referência da Música Carioca, nesta quarta-feira, dia 4. De um lado, o cantor Lício, trazendo sua música repleta de ternura, e do outro, Gustavo Macacko, um cantor que pesca ideias e as faz em formatos.

O Festival Brasil no Rio aconteceu toda quarta-feira, desde o dia 7 de maio, no Centro de Referência (Tijuca), e contou com nomes importantes da cena independente brasileira como, Mahmundi, César Lacerda, Emerson Leal, Ventre, Posada e o Clã e Brunno Monteiro, Fernando Temporão e Michele Leal.

Poucos dias depois do show, o Música Pavê conversou um pouco com Gustavo e com Lício, e o resultado você pode ver abaixo.

Música Pavê: Como vocês avaliam as diversas cenas de música brasileira atualmente? 

Lício: Acho que é um momento interessante para a música brasileira. Pelo Brasil inteiro, nichos distintos estão nascendo e se sustentado, mas, para que haja uma “cena”, é fundamental que haja o expectador e, no caso da música autoral/ independente/contemporânea (ao menos no Rio de Janeiro), isso ainda é muito frágil. Mesmo os compositores independentes, que tem algum público, padecem dessa falta – a falta do expectador (aqui no Rio de Janeiro). E eu não culpo os artistas e produtores. As pessoas pagam 10 reais numa cerveja na Lapa, mas te ligam pedindo para entrar de graça no teu show. Saca? – Ao mesmo tempo, tudo isso faz parte de um processo, faz parte de uma conjuntura social/política. Precisamos entender que estamos inseridos na construção de algo que só vai se dar na frente.

Gustavo Macacko: O Brasil é um país muito plural. É dividido em culturas, sotaques e crenças. As cenas estão espalhadas pelos seus quatro cantos e buscam sua forma de existência e subsistência. Por um lado, percebo um alto grau de dependência do poder público, por outro o eterno “game” em busca do holofote perdido. Grupos se formam naturalmente convergindo valores e interesses. Venho do ES, mas sinto que divido as mesmas questões com o Acre, Ceará, MG, Brasília, o Sul ou Pernambuco. As cenas locais estão à procura de saídas. Rio e SP nunca deixaram de assumir o papel de eixos exportadores. Moro há três anos no Rio e agora estou lançando meu trabalho. Me sinto uma antena do mundo mergulhado na cidade das ilusões. A Internet entra no contexto do nosso mapa cortando ele de fora a fora e nos colocando para dialogar com o mundo. É um salve-se quem puder misturado com a possibilidade de se pular atravessadores. Na minha perspectiva, estamos em meio a um processo de mudança constante que o filtro dos artistas de conteúdo e com personalidade, tendem a fazer a diferença. E eles se reconhecem. Eles dividem angústias e medos. Eles tem força. Acredito neles.

MP: O mundo se tornou ágil, veloz e intenso. Surgiram plataformas de vídeos (YouTube, Vimeo), redes sociais, likes, compartilhar e até o Hangout. Tudo foi ficando muito mais acessível e ao mesmo tempo cômodo. O que os festivais representam no meio de tanta tecnologia?

Lício: As redes sociais são – pra mim – uma maneira de divulgar o meu trabalho. A Web é a rede, saca? É além da teia. É a rede que lançamos para trazer o nosso peixe. O show é outro lance. É o trabalho propriamente dito. E o festival é uma oportunidade de dividir o palco, de conhecer artistas novos, de estar junto das pessoas que curtem o seu som, de trocar ideia, de olhar no olho. Isso se o expectador sair de casa… se ele não sair, vai ficar tudo no plano da distância, da teia – aquém da rede.

Gustavo Macacko: Acredito que os festivais atuais estão muito conectados com essas tecnologias todas. Da curadoria à divulgação, essas ferramentas passaram a representar uma fonte de pesquisa inesgotável. A pergunta é: quem está a serviço de quem? Os números indicam um simulacro do Ibope, mas ainda são virtuais demais às vezes. Não representam factualmente um público atuante. E, no meio disso, os likes “fakes” e as timelines disfarçadas de realidade. Existe uma confusão que misturou os fatos com o vício do “parecer que é”. É uma missão formatar um festival com propriedade. Teríamos que inclusive discutir valores. Artistas, na sua maioria, querem mesmo é tocar. Os festivais precisam buscar seu conceito e sua forma singular de auto gestão. Entendo que eles são essenciais para catalisar e impulsionar quem produz. E tenho sentido que estamos num momento mais aberto ao novo. Isso eu realmente acho fantástico. Mesmo que ainda engatinhando, estamos mais pacientes com que outrora poderia soar diferente demais. Essa é a maior conquista da nossa geração. Os festivais acompanham esse pensamento e aglutinam realidades artísticas distintas, que juntas carregam uma síntese intensa de opiniões e conhecimentos. Se bem coordenados, vão alcançando legitimidade e fomentando um conceito mais plural e democrático de cultura. E eles também são um desdobramento dos ideais e interesses de quem está à frente e por de trás deles! No meio de tanta tecnologia, os festivais representam o lado humano dessa perspectiva digital.

MP: Como isso pode ajudar na disseminação do seu trabalho?

Lício: Quando o cara que curte o som do Macacko – e sai de casa para assistir o som do Macacko – assiste ao meu show antes, essa é a melhor maneira de divulgar a minha proposta. Acho que essa é a verdadeira intenção de qualquer festival. Não?

Gustavo Macacko: Os festivais nos colocam para dialogar. Conhecemos a realidade de outros artistas e trocamos experiências. Isso é fundamental pro nosso estudo, amadurecimento e entendimento que escolhemos um tipo de atividade que não tem fórmula. A riqueza de detalhes que cada um pode absorver observando o outro é nosso maior trunfo. Seja divulgando, ouvindo novos discos ou assistindo shows, estamos ali nos posicionando perante o outro. Dividindo, vamos aprendendo a multiplicar. A questão da disseminação do trabalho de cada um vira uma consequência desse pensamento. Vamos nos tornando uma junção daquilo que somos capazes de absorver no outro. Artisticamente, psicologicamente, mercadologicamente, emocionalmente, espiritualmente.

MP: O que o público do Festival BRio e o público de outros estados podem esperar de vocês em um futuro próximo?

Lício: Vou continuar tocando o Fregata Magnificens até o fim do ano. Quero ver a resposta do público, quero entender pra onde o som está indo e como ele está chegando antes de fazer o meu próximo disco. Estou propondo um show um pouco além da introspecção do Fregata. Algo como uma instalação artística – movida pelo improviso e pela união dos sentidos. Quero me aprofundar nisso.

Gustavo Macacko: A questão das expectativas prefiro deixar com o próprio público. No mais, acredito mesmo é na evolução que a realização de cada um vai ser capaz de emanar. O grupo ganha com isso. Lançamentos, novas parcerias, velhas ideias. Oxigênio!

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