Entrevista: Juçara Marçal + Kiko Dinucci

foto por luan cardoso

Parceiros em diversos projetos ao longo das últimas décadas, como Metá Metá e Padê, Juçara Marçal e Kiko Dinucci, coincidentemente ou não, têm trabalhos solos como últimos lançamentos em disco: Delta Estácio Blues, de 2021, e Rastilho, de 2020, respectivamente. Mas, mesmo com tantos anos e projetos e parcerias, ambos terão uma experiência nova neste janeiro de 2021: tocarão hoje (19) no mesmo palco, no Circo Voador (Rio de Janeiro), mas com projetos diferentes.

Juçara Marçal, uma das artistas de 2021 de acordo com Música Pavê, e Kiko Dinucci, falaram por email um pouco sobre o assunto com o site, e, é claro, também sobre seus trabalhos mais recentes, além de desejos e planos para o futuro.

Música Pavê: Vocês já tiveram essa experiência antes de um abrir o show do outro com projetos diferentes?

Juçara Marçal: Não, será a primeira vez.

Kiko Dinucci: Os nossos trabalhos sempre têm um espírito de cooperação entre amigos e artistas. Um toca nos trabalhos solos dos outros. É natural um colaborar com outro. Às vezes acho que é tudo um negócio só, mas com vários formatos.

MP: Ambos os discos foram lançados na pandemia, mas no caso de Rastilho, em um momento em que nem se vislumbrava as reaberturas de casas de show. Você já teve a oportunidade de apresentar esse disco em um show com platéia?

Kiko Dinucci: Rastilho foi feito e lançado antes da Pandemia. Lancei em janeiro de 2020 e fiz o único show no Brasil em São Paulo, em fevereiro. Enquanto fazia o disco, nunca imaginei que uma pandemia pararia o mundo. Já o Delta começou em 2017 em brechas de shows do Metá Metá e da peça teatral Gota D’água Preta, na qual Juçara atuava, mas o grosso mesmo foi feito durante a pandemia. A gente perdeu aquela noção longínqua de futuro, marcamos um show hoje e não sabemos se vai realmente acontecer no mês seguinte. Eu e Juçara fizemos uma turnê internacional do Rastilho com 30 concertos, foi muito louco voltar a tocar. Agora, estamos vivenciando essa volta no Brasil, mesmo no meio de tanta incerteza quanto ao futuro.

MP: Rastilho foi um dos discos mais citados como um dos melhores de 2020, assim como Delta Estácio Blues em 2021. Ambos têm sonoridades extremamente diferentes, mas uma coisa em comum, ao menos sob meu ponto de vista: São discos muito visuais, parecem feitos como trilha sonora. Eles foram pensados dessa forma enquanto criados?

Juçara Marçal: Não propriamente, mas tenho um apreço grande por letras que apresentam narrativas, personagens fictícios ou não, ou que remetem a lugares, cenas cotidianas. Assim, na hora de escolher, definir repertório, inevitavelmente esse será um elemento que sobressairá. Além disso, do ponto de vista da sonoridade, também há o gosto pelas ambiências, pelos timbres diferentes, pelas várias camadas… Talvez isso também ocasione um efeito imagético importante.

Kiko Dinucci: Creio que os dois discos falam muito do tempo em que estamos hoje. Algumas imagens parecem apocalípticas porque estamos em um momento apocalíptico, temos um presidente que é a besta do Apocalipse, da devastação, da destruição total e da morte. Esse clima tenso, mesmo que em formatos diferentes, refletem o esse tempo maluco nos nossos trabalhos.

MP: Falando de Delta Estácio Blues e suas parcerias nas composições: colaborações com pessoas como Tulipa Ruiz, Siba e Negro Leo, para citar apenas três, foram convites ou presentes?

Juçara Marçal: A música da Tulipa foi um presente. Ela me mandou no início do processo do disco. A do Siba também foi presente. A gente chegou a mandar uma base pra ele, mas ele não usou. Quando já estávamos para fechar o disco, ele mandou essa canção. E Negro Leo, a gente convidou para fazer a letra. Nós já havíamos feito base e melodia. A estrutura da música mudou um pouco, e trabalhamos alguns trechos da letra juntos.

Kiko Dinucci: Eu e Juçara fomos fazendo as bases e pensando em canções a partir dessas colagens que fazíamos com os samplers. Conforme a coisa ia ganhando forma a gente começou a pensar nas parcerias. Foi um processo novo pra gente compor em cima de bases. Sem se preocupar com cadência harmônica, a gente fazia como o Chico Science dizia no Monólogo Ao Pé do Ouvido: “Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos”. Pensamos mais em timbres e sonoridade do que em formas cancionistas. As parcerias foram pintando de forma natural.

MP: Ainda sobre o álbum, mas focando agora na produção, uma pergunta meio ovo ou galinha: as bases foram construídas e os poemas e melodias iam se encaixando nelas, o inverso, ou cada caso é um caso?

Juçara Marçal: A ideia inicial foi sempre partir das bases. Melodias e letras viriam depois. Durante o processo, algumas rolaram de outro jeito. Ladra, Vi de Relance a Coroa, La Femme à Barbe, Oi, Cat, são exemplos da exceção à essa regra geral.

MP: Sobre o Delta, mas voltado mais pro Kiko: depois de um disco totalmente orgânico como Rastilho, basicamente feito com voz e violão, como veio a ideia de produzir um disco tão experimental, elétrico e eletrônico como esse?

Kiko Dinucci: Estou nesse movimento de descobrir sons em outros instrumentos além da guitarra e violão desde 2016, quando comecei a comprar sintetizadores e samplers. Gosto da ideia de trabalhar com novos sons. Mesmo no Rastilho, com um instrumento que já me era tão familiar, fiquei procurando novos sons para aquele instrumento. Amanhã posso buscar outro instrumento, aprender do zero, não tenho paixão por guitarra, violão ou por música, gosto de criar, pode ser qualquer coisa, desenho, mas o que predomina é a música, mas sempre digo que não sou músico, não tenho nenhum compromisso religioso com essa linguagem. Acho que essas trocas de instrumentos e formatos refletem um pouco esse sentimento.

MP: A ideia pra esse ano é ficar nas turnês dos respectivos projetos solos, ou podemos esperar coisa nova dessa duplinha afiada?

Kiko Dinucci: Estamos conversando sobre um disco novo do Metá Metá. Queremos fazer bastante show do DEB e do Rastilho, reencontrar o público e ganhar dinheiro com isso também, porque investimos muito nessa bagaça e esses anos de pandemia foram cruéis aos profissionais da cultura. Então não espero nada menos que saúde, alegria, amor e dinheiro, axé, axé, axé.

Ingressos para o show no Circo Voador podem ser adquiridos neste link.

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