Entrevista: Di Ferrero

fotos por música pavê

“Tô na pegada, mas é assim que eu gosto” contou Di Ferrero ao Música Pavê às vésperas do lançamento da primeira parte de Sinais, álbum que estreia sua discografia solo, dividido em dois EPs. “Sou bem workaholic“, continua ele, “nossa geração tem essa coisa de se provar para nós mesmos. Acaba sendo bom, é melhor do que não ter atitude”.

Dá para notar, por trás do seu bom humor e simpatia, a inquietação de quem vive um novo ciclo. Na mesma semana, seu nome foi notícia (e trending topic no Twitter) com a vitória do quadro Show dos Famosos, do Domingão do Faustão, o que só torna esses dias ainda mais agitados para o músico.

“O lado ruim é quando você trabalha tanto que isso se vira contra você”, comenta Di, “essa semana foi assim, de não conseguir dormir direito”. Com o lançamento de Sinais – Parte 1 hoje (19), fica a dúvida se ele conseguirá descansar ou se ganhará um pique extra para realizar ainda mais. Pelo que ele conta, vale a pena apostar na segunda hipótese.

Música Pavê: Ouvi certa vez de um músico que ele relutou em lançar um disco solo porque, diferente do trabalho com a banda, as pessoas que não curtissem o som diriam “eu não gosto dele”. Então, ele precisou passar por todo um processo psicológico antes de apresentar ao mundo o trabalho com seu próprio nome. Como isso é para você?

Di Ferrero: Eu entendo ele. Eu tive que me encontrar primeiro para ter certeza que era isso que eu deveria fazer. Até mesmo o meu nome, eu tive que repensar se Di Ferrero era meu nome mesmo. Na entressafra, rolou até um alter ego, José (que é meu nome do meio), cheguei a gravar com Paulo Miklos, Emicida, Mahmundi, Rael… Foram dez músicas como José, gravei clipe no Japão e o caramba. Daí, desencanei. Mas José foi importante, porque comecei a me encontrar no som que fazia com pessoas diferentes – porque antes eu fazia só com as mesmas pessoas, do Nx Zero – e fiquei mais seguro. Lancei um primeiro single, Sentença, que repercutiu super bem. Eu esperava que as pessoas falassem “ah, isso aqui tá muito pop”, “não é o Nx”, mas não ouvi isso. Agora… eu vou falar uma coisa muito louca: Pra lançar esse EP, que é o álbum dividido em duas partes, eu estava super ansioso e essa vitória do Show dos Famosos me deu ainda mais confiança. Então, estou num momento de estar feliz com as minhas coisas, com as minhas realizações. Estou lançando por uma grande gravadora depois de um ano e meio com um turbilhão de coisas na cabeça, ter ficado maluco e ter pensado em parar, em ir viajar e estudar inglês, o que eu nunca fiz, e consegui pegar tudo isso e transformar em música.

MP: Que interessante essa história do José. Me lembra aquelas narrativas de herói, em que o personagem rejeita sua identidade, passa por várias coisas e, no fim, entende quem ele é.

Di: Sim, mas é bem isso. E o José, para mim, é como se fosse o bufão, aquele palhaço que não é feliz, tipo um Krust. Era tudo o que eu queria ser, porque não me identificava mais com o que estava fazendo antes. É muito louco, me ajudou a fazer essas músicas, que são todas pra frente. Antes, eu precisava estar muito mal, ou estar passando por algum momento interno pesado para conseguir compor. Nos momentos bons, quando eu estava em outra vibe, eu acabava fazendo outras coisas, e agora eu fiz músicas também. Essa fase nova tem esse lado.

MP: É perigoso quando percebemos o quanto o estar mal é produtivo para criatividade, porque somos capazes de nos sabotar e nos levar a um lugar mais pra baixo só para seguirmos com essa dinâmica. 

Di: Com certeza, a gente vai até onde a gente consegue ir, lá no fundo, até falar “tá bom, já chega”. A gente mesmo se joga para ter um combustível e uma história que a gente mesmo cria pra ter o que falar, para virar experiência.

MP: Voltando ao que falamos antes, penso que “recomeçar” uma carreira, agora em fase solo, é também uma oportunidade de ter um maior controle sobre sua identidade e sobre essa narativa. Até porque eu penso que o nome Di Ferrero atravessa vários imaginários, desde quem te segue há dez anos até quem acabou de te conhecer. Existe a intenção de querer esclarecer quem você é hoje?

Di: Com certeza. É uma responsabilidade que eu me impus, as decisões, tanto as boas quanto as ruins, foram só minhas. Antes, eu dividia isso. Mas eu tô gostando, está sendo um crescimento para mim. Eu decidi colocar a minha cara e, pra isso, tive que me perguntar: Qual é a minha cara? O que que eu quero? Eu nunca estive nessa posição sozinho, e isso é muito legal. Tudo é do meu jeito, todos os detalhes da identidade visual, todo o palco e todo o disco tem esse lance de energia, universo, de ter um ponto de luz, como se estivesse em um vácuo, mas tendo cores. Essa é a parada que eu gosto, que eu leio e que eu escrevo, então é o que eu sou. E isso é muito diferente quando você não está sozinho. Demorava horas, eram várias discussões. E, por respeito, eu ficava o tempo todo pensando o que falar e o que não falar até em entrevistas, porque um ou outro não gostava de alguma coisa e eu, sabendo disso, filtrava as palavras. Agora, não tenho mais isso: Sou eu, sou só eu.

MP: Então Sinaisé Di Ferrero, e Sinais é também muita coisa acontecendo dentro de seis faixas, com vários estilos dividindo espaço dentro do EP. Imagino, então, que isso comunique que você tem muita coisa acontecendo aí dentro.

Di: Sim. Eu tenho a minha essência ali em todas as músicas, fiz questão de participar até da mixagem das músicas, e eu quis compor também cada uma com um produtor diferente, e a única relação entre eles é que todos eles já tiveram banda antes. Era importante que eles sacassem também essa estética, que entendessem que eu gosto de começar as músicas no violão para só depois colocar algumas coisas eletrônicas junto das orgânicas que eu gosto de ter no som. Toda essa galera entende de onde eu vim, e esse diálogo foi muito legal. 

MP: Dá mesmo para sentir que essas músicas foram compostas no violão, elas compartilham um mesmo DNA ali, por mais diferentes que elas tenham ficado no produto final. Como foi decidir como cada uma delas tinha que ser?

Di: Eu já tinha um caminho para cada uma. Podia ser um riff mesmo, bem das antigas (risos), um refrão, ou um esqueleto, aí eu levava para alguém que eu sabia que entenderia como fazer algo legal. Outra Dose, por exemplo, que ao vivo tem peso de banda, ficou mais jamaicana, mas sem ficar presa ao reggaeton. Para compor com alguém, tem que ter o elo, tem que estar junto. 

MP: E isso que você disse, de todos os produtores já terem experiência com banda, imagino que facilite o processo de vocês saberem comunicar uns para os outros quais as visões que vocês têm.

Di: Total. Eu acho que me fiz entender melhor, não precisava explicar tanto, só falava “vamos fazer tipo aquela banda assim” e pronto. Se eu falasse “vamos fazer tipo da época do hardcore”, o cara já sabia o que eu queria dizer. Isso foi muito legal, foi o nosso elo. Se não fosse assim, eu acho que eu precisaria de muito mais tempo, ou iria para outro mundo. Mas eu já tinha entendido o que eu quero, como Di Ferrero, como pessoa, como som.

MP: E esse Di Ferrero de agora está pronto para mostrar também pro público que ele não só canta, mas também compõe e produz.

Di: Com certeza. Estou me permitindo fazer muitas coisas além de cantar. Se você parar para pensar… É que eu estou muito viciado em Bon Jovi (risos), tive que estudar muito o cara. E ele falou uma vez que, se você parar para pensar, ele não é só um músico, ele é como um CEO da empresa Bon Jovi. Sem perder a arte, sem perder a essência de que o que eu faço é música, eu sou um empresário. Eu vou estar junto em todos os processos, da arte, dos shows, de marketing dos lançamentos, tudo tem que partir do que eu quero passar, do conceito. E tem sim mixagem, produção… Eu fiz umas 30 músicas para chegar nessas, e eu penso que aquela que eu não vou usar pode ir para tal pessoa, então eu vou abrir a minha editora para fazer isso. Você falou que é workaholic igual eu, então você sabe que isso é prazeroso, não consigo parar. E eu já apresentei programa, falando em uma linguagem de TV que eu tive que entender. Mas nunca posso perder a minha arte. É muito mais do que ser só um cantor, mas é tudo em função disso. Eu estava fazendo o Show dos Famosos para eu ser melhor como cantor. E foi um grande aprendizado, já estou com mais ideias para o show. Mas é isso, o meu negócio é música.

MP: E você já consegue hoje perceber o quanto aprendeu fazendo Sinais?

Di: Já. Estou aprendendo a gerir e a gerar melhor esses lançamentos. Pessoalmente, aprendi a ter calma para não me desesperar – tipo, eu tô sozinho, mas tem muita gente que está esperando eu lançar o disco. Minha confiança aumentou, porque eu tenho certeza que sou eu nessas músicas. Não estou pensando em sucesso, estou pensando em ser eu. Aprendi a não ter pressa, por mais pressão que tenha das pessoas falarem “você tem que lançar só singles”, e eu, acreditando que eu sou um artista de álbum, bater o pé. Isso tudo veio com Sinais. E o lance de vomitar mesmo nas letras as coisas que eu consigo viver. Estou focado fazendo só isso. O que eu quero falar para os fãs é isso: Que eu não me importo mais com essas pressões que a gente sente, eu estou feliz comigo.

MP: Você tem muito tempo de vida documentado – foto, vídeo, clipe, registro de shows. Tenho aprendido que, aos 34 anos, é um momento em que a gente olha naturalmente para trás e tenta se enxergar em diferentes fases. No seu caso, você tem documentos que mostram toda essa passagem de tempo. Como é sua experiência de revisitar sua história e ver tudo o que já passou para chegar até aqui?

Di: É muito incrível. Nessa idade, a gente começa a lembrar de coisas que, nossa, já aconteceram há dez, quinze anos… “Caramba, como passa”. A gente pensa nessas coisas da vida e decide não perder mais tempo, não procrastinar mais – para mim, pelo menos, serve para isso. Por isso que eu quero meter a mão na massa. Eu penso que já passei por tudo isso, mas ainda tem tanta coisa que eu quero realizar. E é incrível poder ter esse tempo todo registrado para eu entender a minha evolução. Eu tenho coisa desde muito antes do Nx Zero. Eu comecei cantando em igreja. Meu primeiro show foi quando eu tinha oito anos, no Maracanãzinho, em um congresso, o estádio lotado. Vomitei antes de entrar no palco, nervoso pra caralho (risos). Tem muitos vídeos dessa época, vivi sucesso até os 12, quando eu saí da igreja. Eu vivi muita coisa boa ali e, de repente, não tinha mais banda, não tinha mais nada. Aí, eu já tinha certeza absoluta que era isso que eu ia fazer da vida. Comecei a procurar aquilo que eu mais me identificava – no caso, a galera que frequentava o Hangar e… o resto é história. Mas eu já vivi esse alto e esse baixo, e eu tenho muita coisa documentada desde antes disso. É irado olhar mais pra trás ainda, é muito louco.

MP: Para acabar, pensando em âmbito de “faz de conta”: Se Nx Zero voltasse hoje para entrar no estúdio e gravar algo novo, o que você acha que, depois de ter feito SINAIS, você levaria de novo para a banda?

Di: Nossa, é difícil pensar, porque eu estou tão empolgado com isso tudo, tão dentro da minha parada. Mesmo no “faz de conta”, eu falo “não, espera, tem muita coisa para eu fazer ainda” (risos), eu quero lançar isso, quero escrever aquilo… Não estaria na hora certa, e eu vou saber quando for para isso acontecer de novo. Os SINAIS, do nome do disco, vêm disso, da ideia de intuição. 

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