Entrevista: Bazar Pamplona
Bazar Pamplona é um nome que reside no imaginário de quem viveu o que a música independente de São Paulo produzia há cerca de dez anos, em cenários como o finado Studio SP e o famigerado Baixo Augusta. Seis anos após seu último lançamento, o grupo retornou com Banda Vende Tudo, disco viabilizado por financiamento coletivo que reinsere seu estilo cancioneiro, com letras honestas de pegada cronista, no cenário atual da cidade e do país.
Em uma conversa por Skype, Rodrigo Caldas (bateria), João Victor dos Santos (guitarra) e Rafael Capanema (baixo e teclado) contaram ao Música Pavê sobre a volta da banda. De brinde, Bazar Pamplona compartilha uma playlist feita na época da produção do álbum, com referências – às vezes muito específicas, como eles explicam – para as novas faixas.
Música Pavê: O título Banda Vende Tudo me pareceu muito pertinente à realidade da música independente no Brasil, com aquele quê de “decadência” que conhecemos tão bem. Contem um pouco mais sobre o nome?
João Victor dos Santos: Queríamos passar a ideia de “largar tudo” e, do jeito que der, a gente recomeçar.
Rafael Capanema: Acho que Bazar tem uma história de autodepreciação, tem uma música que diz “quem eles pensam que são? Tocam na bandinha mais sem graça da cidade” (Quem Eles Pensam que São, de Todo Futuro É Fabuloso, 2012), a gente se identifica muito com isso (risos).
MP: Essa característica de um bom humor que beira a melancolia está muito presente na música independente de São Paulo, com gente como Rafael Castro, Tatá Aeroplano e outros nomes mais recentes também. Ninguém esconde isso de “tá fácil pra ninguém”.
João Victor: Cara, se tá difícil pra quem está no mainstream, o esforço é ainda mais presente para quem está no independente. Por exemplo, essa ligação aqui. Tá cada um no seu trabalho dando uma dribladinha pra poder falar sobre o álbum, que é uma coisa muito importante nas nossas vidas, mas que está sempre entre outras coisas que são a fonte de grana.
Rodrigo Caldas: Pra história da banda, isso é fundamental. Ao longo de todos os discos que a gente gravou, a gente teve que fazer esse equilíbrio da banda com nossa vida profissional. Os dois primeiros foram equilíbrio entre a grana que a gente tinha e o que dava para gravar, já nesse, houve o financiamento coletivo – que é mais um link que dá para fazer com o nome do disco, da gente pedir ajuda para conseguir entregar algo.
João Victor: Talvez essa visão esteja parecendo muito pessimista, mas eu não acho que é por aí. Tem uma coisa de “recomeço” que é legal, aquele “ou vai ou racha, mas acho que dá pra ir”, sabe?
Rafael: Como a própria letra de Banda Vende Tudo diz, né? “Tá de mudança para onde a esperança é imensa”.
MP: Por falar nas letras, eu vejo Bazar Pamplona seguir uma tradição da música brasileira de trazer a poesia sempre pra perto do cotidiano. Como vocês enxergam a lírica que fazem?
João Victor: O cara mais legal para falar isso seria o Estevão (Bertoni, vocalista e letrista da banda). Ele sempre escreveu muito bem, ele é jornalista, muito descritivo, ele é um bom contador de histórias.
Rodrigo: Ele tem essa característica de pegar assuntos simples e desenvolver histórias. Tem também uma pegada metalinguística, uma banda que faz referências de si mesma. E todo mundo [da banda] acaba levando isso pra frente, isso de ser autocrítico, de ser contador de história.
MP: Contem um pouco sobre como foi decidir o que Banda Vende Tudo seria ou não seria, até mesmo na hora de escolher as referências para o som. O que vocês queriam com o disco?
João Victor: Dos três discos, esse foi o que a gente mais teve tempo e esse cuidado de usar referências para contar nossa história. A primeira decisão para entender o que ele seria foi uma nova maneira de gravar. A gente mudou completamente o processo do que foram os outros dois, a gente queria ter um cuidado estético e, para ser bem sincero, essa estética do disco foi construída aos poucos, a gente foi entendendo o que ele era durante o processo. As músicas foram criadas dentro do estúdio. A gente até fez uma playlist, que, sempre que alguém ouvia alguma coisa, tipo “putz, olha que legal a vibe dessa guitarra”, colocava lá. Virou um grande aglutinado de referências. Elas podem não aparecer tanto no disco, mas foram importantes para construir a estética como um todo desse disco.
Rodrigo: O que estava bem claro para a gente é que a gente queria um processo bem diferente para esse disco. Nos anteriores, as composições surgiam durante shows, durante ensaios. A gente fechava os arranjos, ensaiava bastante, depois ia para o estúdio. Nesse, a gente compôs todas as músicas já em estúdio.
Rafael: As músicas eram uma demo do Estevão e a gente foi construindo em cima disso. Eu tô morando em Madri e tenho ido duas vezes por ano ao Brasil e consegui participar das sessões. Foi muito doido, eu conhecia uma música na hora e João Victor falava “faz uma linha de baixo para essa música aqui”. Eu fiquei um pouco ressabiado no começo, mas foi um processo muito bom.
João Victor: Respondendo mais diretamente o que a gente queria com o disco, todo mundo no Bazar gosta muito de pop. A gente queria que fosse um disco pop, mas com sonoridades não tão óbvias. Então, a gente teve um cuidado com os timbres, que eles se encaixasse bem no formato de canção pop.
MP: Ainda nesse assunto, existiu alguma conversa entre vocês sobre um cuidado especial com Banda Vende Tudo não só por ser o primeiro disco depois de tanto tempo, mas por ele ser lançado nessa loucura que a gente vive hoje?
João Victor: O que rolou foi “qual o sentido de gravar depois de tanto tempo para fazer a mesma coisa que a gente já fazia antes?”. A gente queria mesmo mudar um pouco a sonoridade para fazer sentido nesse tempo que a gente vive hoje, mas também com uma preocupação de não perder a essência. Acho que esse era o desafio, soar diferente sem perder a essência.
MP: Imagino que, assim como vocês, o público de antes também amadureceu nesses anos todos – estamos diferentes, mas nossas essências são as mesmas -, o que favorece uma abertura das pessoas a algo novo também.
João Victor: Exatamente. Dos amigos que ouviram, um deles fez um elogio que, putz, me fez pensar que tudo valeu a pena. Curto e grosso, ele falou: “Sofisticou, mas não perdeu a raíz” (risos). Nossa vontade era essa mesmo.
Rodrigo: Acho que a gente tinha essa vontade de mudar, mas não tão intencionalmente, “nós temos que mostrar o quanto somos maduro musicalmente”. Não, cada um de nós amadureceu naturalmente, muitas bandas que gostávamos há sete ou oito anos também mudaram. No grupo, isso fez uma diferença nos arranjos, até mesmo nos detalhes, fizemos coisas que nunca teríamos feito no Todo Futuro É Fabuloso. Mas não foi nada forçado.
MP: Ainda sobre lançar algo em 2019, a maneira com que consumimos música hoje é muito diferente de 2012, por exemplo. Nesses dez dias desde que ele saiu, vocês sentiram alguma diferença na forma como as pessoas o receberam?
Rafael: Quase todo mundo da banda é nerd, aí agora a gente tem o dashboard do Spotify, que mostra quantas pessoas estão ouvindo em tempo real, tem gráficos para comparar quantos ouvintes no passado e no lançamento, a gente fica monitorando no Twitter o que as pessoas estão falando… Isso é bastante intenso, gera até um pouco de ansiedade, mas é muito curioso. Tem também aquela coisa já velha de que “ninguém ouve álbum hoje em dia”, só singles, então a gente está tentando se adaptar a essa realidade, tentando atingir todo mundo – quem quer ouvir o álbum inteiro e quem quer ouvir as músicas separadas. Gera uma ansiedade, mas é muito legal poder acompanhar esse momento.
João Victor: Outra coisa bem legal do streaming é que, no mesmo dia, o disco estava disponível para quase 200 países ao mesmo tempo. De certa maneira, o algoritmo acaba ajudando a música a chegar em pessoas em que não chegaria há, sei lá, dez anos. Antes, a gente tinha que ficar empurrando pras pessoas (risos), só as pessoas por perto acabavam ouvindo, dependia de um contato corpo a corpo. Hoje, os serviços de streaming acabam aglutinando pessoas que gostam de bandas parecidas, isso com certeza é uma facilidade.
Rodrigo: Um dos grandes motivadores de gravarmos este terceiro disco foi uma música do último disco ter entrado como trilha sonora de um filme alemão (Axolotl Overkill, 2017). A diretora, também autora do livro, ouviu uma música nossa por streaming em uma rádio online. Quando o filme foi lançado,a gente viu nas estatísticas do Spotify que o segundo país e a segunda cidade que mais ouviam Bazar Pamplona era Alemanha e Berlim. Isso nos motivou bastante a pensar em fazer um terceiro disco.
MP: Mas e vocês e seus hábitos de consumo? Vocês notam como a maneira com que ouvem música hoje influenciou decisões para o álbum?
Rafael: Eu tenho um primo que sabe muito bem que tipo de música que eu gosto. Se ele descobre uma banda que ele acha que vou gostar, ele me manda e é sempre muito certeiro. Ele é minha maior fonte de música, ao mesmo tempo em que a gente usa toda essa tecnologia. As recomendações do Descobertas da Semana sempre são muito boas. A última que eu ouvi foi Maria Beraldo, que apareceu com base no que eu gosto de ouvir. É muito doido, né? Tem uma coisa humana, de um cara que me conhece desde que nasci e me manda músicas, e também tem um computador que também é muito eficiente (risos).
João Victor: O algoritmo me ajuda bastante também. Sou meio de fases, às vezes sou muito garimpador, às vezes escuto coisas que me agradam desde sempre (risos).
Rodrigo: No meu caso, eu sempre comprei muito CD, tenho essa veia do colecionismo. Também baixava muita coisa, ficava pesquisando no Myspace a banda que era amiga de outra banda, ia atrás dos CDs. Hoje em dia, o Spotify é o que mais funciona. Os próprios meninos do Bazar me indicam uma banda, fico lendo sites e blogs que recomendam música.
MP: Vocês mencionaram uma playlist de referências no Spotify. Como foi usar esse recurso como ferramenta para o disco?
Rodrigo: Quando a gente estava formatando uma música, cada um vinha com “eu quero esse tipo de guitarra, esse timbre, esse efeito”. Às vezes era só um detalhe de uma faixa que a gente colocou na playlist. Tem de tudo um pouco lá, até umas coisas meio vergonhosas (risos).
João Victor: A regra era, se tem algum elemento na música, seja ele qual for, que seria legal pro disco, bota aí e a gente vê o que faz.
Rodrigo: Às vezes era só, por exemplo, um timbre do bumbo de uma música, mesmo se ela não tivesse nada a ver com Bazar, mas aí ela entrava na playlist.
(Com o nome de Referências do Seu Bigode, a playlist pode ser ouvida abaixo)
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