Entrevista: PJ Morton

foto por laiken joy

Qualquer descrição fria e calculista de quem é PJ Morton já traz consigo a grandeza de sua obra e carreira. Cantor, compositor, produtor e instrumentista (ele é tecladista na banda Maroon 5), o estadunidense venceu quatro prêmios Grammy consecutivos, incluindo o de Álbum do Ano pelo trabalho em We Are, de Jon Batiste. Seu mais recente lançamento, Watch the Sun, traz parcerias com Stevie Wonder, Nas e Jill Scott – só para citar alguns.

Se seu currículo e portfólio são intimidadores, sua pessoa é de um afeto palpável, principalmente ao falar de música, do tipo que deixa qualquer entrevistador igualmente à vontade. Foi o caso na conversa dele com o Música Pavê, poucas semanas após o lançamento do disco.

Essa identidade é a mesma que percebemos ao longo de Watch the Sun, um álbum cujas gravações foram feitas em um estúdio no interior dos EUA, onde PJ e banda se desconectaram do mundo ao redor para produzir músicas sobre o período da pandemia, no qual o mundo inteiro fez exatamente isso.

Música Pavê: Watch the Sun é o seu oitavo álbum. Como é saber o que cantar em uma obra a esse ponto na carreira?

PJ Morton: Pois é, já fiz muita música (risos). Mas, para mim, essa resposta vem com o viver. Se eu tiver novas experiências na vida, se eu continuar aprendendo e crescendo, sempre terei algo para minhas composições, desde que eu tenha o desejo de ir sempre mais a fundo e de compartilhar esses sentimentos. Esse álbum foi sobre isso para mim, tive que ir mais fundo que a superfície, ser mais vulnerável. Para mim, é isso o que faz as melhores músicas.

MP: Sei que você viajou com a banda para trabalhar nesse disco. Mas e as composições? Você é do tipo que está sempre escrevendo ou precisa parar tudo para compor para um álbum?

PJ: Sempre estou escrevendo algo. Componho pedaços de músicas, rascunhos, gravo no celular algumas melodias com a voz ou com o piano e escrevo também um verso solto aqui e ali. Mas nem sempre estou ativamente compondo. Preciso de um tempo isolado para processar as coisas e estar presente na minha composição. Porque quando você para de trabalhar assim, você para de ter coisas para escrever – voltando à sua primeira pergunta.

MP: Bem, essa não foi sua primeira experiência finalizando um álbum durante a pandemia (risos), mas foi sua primeira vez que entrou em estúdio durante o isolamento para produzir um disco…

PJ: É, foi uma experiência muito diferente. The Piano Album foi lançado em fevereiro, logo antes de tudo fechar. Já Gospel According to PJ já estava inicializado, com músicas que já estavam compostas, então foi mais uma questão de produzir o que já existia. Já em Watch the Sun, eu comecei tudo durante a pandemia mesmo e tive que entender o que cantar, como eu queria produzir essas músicas, e acabamos viajando para gravá-lo. Foi um processo muito particular, mas foi maravilhoso e muito recompensador.

MP: Então você tem um disco de piano, um gospel e este, agora, é um “álbum de pandemia”?

PJ: (Risos) eu ia falar isso, que ele poderia ser chamado de “álbum da pandemia”. Nada dele existia antes da quarentena, eu nem planejava fazer um disco assim. Mas ele nasceu da sensação de estar em isolamento, a experiência de não saber o que vem pela frente e de estar aberto às mudanças.

MP: Conta mais sobre como a pandemia afetou a temática dessas músicas?

PJ: Eu queria oferecer alguma esperança. Sinto que estávamos em uma época de grande escuridão. Pela primeira vez, todas as pessoas em todos os lugares estavam vivendo a mesma situação, e foi uma época muito difícil. Eu queria trazer inspiração, oferecer esperança pra quando as coisas estivessem pesadas demais, aconselhar não a lutar contra os sentimentos ruins, mas para navegar por eles. Acho que metade do disco é sobre amor e a outra metade, sobre a vida. No lado do amor, eu pude dissertar sobre coisas que eu precisava para meu próprio relacionamento. A quarentena ajudou, porque nos forçou a estarmos juntos. Eu estava sempre viajando em alguma turnê e nem sempre tinha tempo para lidar com alguns dos nossos problemas. Pude, então, expressar de maneira vulnerável e honesta os desafios de amar e de estar em uma relação.

MP: É muito poético pensar que amor e vida são dois lados de uma mesma obra, ou de uma mesma moeda.

PJ: (Risos) obrigado! Eu não planejei que fosse assim, mas, depois que notei que o disco estava assim, adorei.

MP: Quando li que você trouxe para este disco Stevie Wonder, Nas e Jill Scott, eu já fiquei impressionado, aí fui ver e tinha ainda mais gente contigo no álbum. Como é, para você, poder trabalhar com pessoas tão lendárias?

PJ: Isso me faz mais humilde. Eu tenho tanta honra… Por exemplo, quando Steve Wonder estava gravando o vocal, eu estava na minha, sem falar muito, porque sei que ele manja mais do que eu. Mas aí ele chegou em mim e disse: “Cara, eu preciso que você me produza aqui” (risos), “você quer que eu repita o que eu fiz? Você precisa me dizer o que fazer”. Isso me mostra o respeito que esses caras têm, nesse ponto da carreira, ao dizer “sim” [para um convite]. Isso diz muito sobre como eles me veem, o que me deixa ainda mais humilde. Estou falando com um dos meus heróis, sabe? E ele escolhe estar comigo nessa. Isso também reafirma o meu trabalho, porque ouvi por muitos anos que eu o que eu queria fazer não é maistream o suficiente, que não era isso ou aquilo, e, no fim das contas, o que eu mais queria com a música era respeito. Se tenho Stevie, Nas e Jill, quer dizer que eu já entrei pra esse clube também. É incrível.

MP: E o que você acha que fazer esse disco te ensinou sobre quem você é?

PJ: Uau. Acho que volto ao assunto: Eu posso ter grandes ambições, como um dueto com Stevie Wonder, e realizar meus sonhos. Posso convidar Nas, porque era a única voz que eu conseguia ouvir nessa música. “E daí que essa era a voz que você queria? Você não vai conseguir Nas pro disco” – mas consegui sim. Todo esse pessoal que está comigo no álbum me ensinou que eu posso estar à vontade no lugar que eu criei para mim com a música. Estou à vontade com meu lado r&b, com meu lado espiritual, posso abraçar todas as mensagens ao mesmo tempo no que eu faço, sem precisar separar uma da outra. E o disco me mostrou crescimento também. Eu poder, na minha opinião, compor e produzir melhor do que já fiz antes… Cresci bastante. Me desafiei muito também. Sei que já faço isso há um bom tempo e, teoricamente, seria mais fácil agora. Mas, não, quero que cada palavra esteja ali por um motivo, que cada coisinha tenha seu significado. E aprendi que também posso continuar crescendo.

MP: Minha próxima pergunta pode parecer grosseira, mas sei que você vai entender (risos): Quando ouço sua música, percebo que você não está tão preocupado em ser original, mas se concentra mais em um bom diálogo com uma linhagem musical da qual faz parte. Você se sente parte desse legado musical com o qual conversa?

PJ: Sim, com certeza. Acho que isso é importante, sou um dos poucos que restaram que ainda sabem produzir alguns desses sons autenticamente, porque eu já experimentei todos eles – eu não vivi muitas dessas épocas, só me caiu a ficha depois que eu sou um cara nascido nos anos 1980 (risos), mas eu escutei tanto que parece que eu vivi naquela época -, e posso então produzir esse som. Entendo o que você diz, acho que originalidade vem com a evolução, e a inovação vem após copiar muito alguma coisa, até você dizer “ok, agora essa aqui é a minha versão”. Stevie Wonder pôde ser Stevie Wonder porque sabia exatamente o que tinha escutado. Eu posso ser Stevie, posso ser Prince, posso ser Outkast, porque já experimentei muito tudo isso, mas também tem ali The Beatles, de alguma forma, porque aquelas melodias me afetaram. E acho que a pessoa que vem depois de mim, que se inspirar o meu trabalho, poderá ser eu e poderá ser Stevie, e todo mundo que já me influenciou. Hip Hop também me influenciou tanto quanto tudo isso, então minha percussão acaba sendo mais forte por conta disso. Então é isso, a originalidade vem dessa evolução toda.

MP: Eu já perguntei no passado se ganhar um Grammy mudou alguma coisa na vida de um artista. No seu caso, a pergunta é: O que acontece com o indivíduo quando ele ganha quatro Grammies consecutivos?

PJ: (Risos) Cara, nem sei. Como eu disse, tudo isso me deixa mais humilde. Me sinto muito abençoado por tudo isso me acontecer, especialmente porque nada aconteceu por muitos anos. O que isso muda para mim? Depois que eu ganhei um Grammy, eu logo pensei “o que vier daqui para frente é lucro” (risos), “eu já estou satisfeito”. Como você disse, ganhei quatro vezes seguidas. Que loucura. Só me faz querer continuar sendo eu mesmo, porque eu literalmente não precisei ser nada além de mim mesmo para que isso acontecesse. Só reafirma para mim: Seja você mesmo e as coisas vão rolar. Pode não ser quando você acha que elas deveriam acontecer, mas continue aí sendo você mesmo.

MP: E o quanto estar no palco com outros artistas, seja Erykah Badu ou mesmo Maroon 5, como isso te inspira no trabalho solo?

PJ: Acho que, por eu ser uma pessoa sempre muito aberta, sempre recebo alguma inspiração nova. Não sei se, a esse ponto, tem algo específico que eu possa mencionar. Sempre amei música pop, os refrões, as pessoas cantando todas juntas – acho que isso vem da minha experiência em igreja e com coral. Maroon 5, então, me ensinou muito sobre esse formato. Mas sempre estou aprendendo algo novo. Eu estou literalmente sempre ligado no que pode me inspirar como compositor. E como ser humano mesmo, estou sempre escutando novos artistas e aprendendo algo com eles.

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