Baleia: Sobre “Coração Fantasma”, Shows e Cena

foto por felipe abrahão

Quando Eu Estou Aqui saiu em setembro, entendemos melhor o que Baleia vinha dizendo sobre esta sua nova fase, com formação de quarteto (não mais sexteto). Optando por um formato de canção popular mais convencional, a banda seguiu com sua identidade exploratória (para evitar um “experimental” cacofônico e deslocado aqui) no que vem a ser também uma maneira diferente de produzir um disco após dois lançamentos tão celebrados – Atlas (2016) e Quebra Azul (2013).

Assim como Papisa tem feito, o processo de produção de Coração Fantasma tem levado suas composições primeiramente aos shows. No desenvolvimento natural que as músicas passam quando são apresentadas ao vivo repetidas vezes, elas vão ganhando forma até chegarem na versão que conhecemos no disco. Como contou o baterista e vocalista Gabriel Vaz ao Música Pavê, Baleia “está aproveitando todas essas questões de reunir o útil ao agradável do mercado ter mudado e a gente não precisar lançar um disco, ao mesmo tempo em que há uma coisa artística de aproveitar essa fragmentação do lançamento e a vulnerabilização desse processo todo, ao mesmo tempo em que a gente consiga fazer tudo com mais calma, entendendo com o passar do tempo e com a resposta [do público] o que estamos fazendo e o que queremos fazer. Dá tempo da música maturar e entendermos o lugar onde ela quer habitar para além da gente, deixar que a ela fale mais sozinha”.

É interessante notar como essa dinâmica tem gerado uma outra cumplicidade com seu público. Por exemplo, uma das músicas ainda não lançadas, que estará no próximo “capítulo” do disco, tem se mostrado a favorita de todos nos shows. Quando a banda foi gravá-la, colocou nos Stories do Instagram que estava produzindo “aquela música”, e o público já sabia qual era. “A gente quer tentar aumentar isso mais”, conta Gabriel, “investir mais em uma abertura nas mídias, um trabalho retroativo de pegar o primeiro capítulo, mostrar como ele foi feito, e mostrar em tempo real este que está sendo produzido agora”.

A gente está ainda no começo desse processo e percebo que algumas novas músicas estão indo a lugares que a gente nunca frequentou tanto”, comenta ele, “a identidade da banda estará sempre lá, mas a saída de dois integrantes gera uma crise – e eu falo isso não de uma maneira pesada – que gera possibilidades. E a gente quis trabalhar algo que a gente gosta muito, do pop mais direto, sem muitas reviravoltas como eram nos outros discos. A gente tá explorando também esse lado, já vi que tem músicas vindo aí que serão bem diferentes também”.

Essa assimilação de mudanças estéticas que não ferem a natureza de uma banda pode ser um reflexo da familiaridade com que o público que acompanha mais de perto o cenário musical brasileiro percebe no quesito “autoralidade”. Ao contrário daquele estereótipo datado de “banda contratada pela gravadora para fazer X discos de tal estilo”, os músicos hoje, principalmente no meio independente, trabalham dentro de um espectro de grande liberdade criativa, o que acaba refletindo em obras diversas amparadas por plateias também variadas.

Nesse ano, eu tenho tido uma sensação muito boa – eu já sentia, mas agora tem uma solidez – que o cenário musical brasileiro independente, alternativo ou o nome que tenha, ganhou uma estrutura, um reconhecimento. E o mais incrível é que existe uma pluralidade muito forte de estilos e representatividades. Acho que isso tem sido muito forte no Brasil, seja por exemplo na questão da mulher, na questão do gênero, tem artistas muito expressivos, muito emblemáticos, ocupando todos esses lugares com grande aceitação do público. Eu me sinto muito honrado de estar nesse cenário tão plural”, conta Gabriel. “Acho que a gente passou algumas décadas aí sem a sensação de um cenário, de uma cultura, de algo que se renova, e agora eu tô conseguindo sentir isso. Por mais plural que seja, sendo difícil explicar em poucas palavras, essa nova cena existe – e talvez seja melhor ainda que seja difícil de defini-la, porque ela é genuína”, conclui.

É enorme o trânsito de ideias e palcos que a banda tem vivido, trocando experiências em festivais com nomes do Brasil e do mundo – nesta semana, por exemplo, Baleia estará em dois momentos da SIM São Paulo, com show gratuito às 17h do dia 07 no CCSP e, no dia seguinte (08) no Festival Mucho, ao lado de Tuyo e outros nomes da América Latina. Gabriel conta que é “inevitável” se deixar contagiar por tanta inspiração experimentada nas apresentações dos outros, “e é muito diferente escutar um disco e estar em um show com uma plateia. Essa troca de energia faz você compreender a música de uma maneira muito maior. Aí eu me sinto muito mais inspirado, entendo mais os outros artistas”.

Dona de um capricho para além da música, a banda já se encontra no meio do desafio de levar Coração Fantasma em uma versão em CD que dê conta do espírito fragmentado do lançamento. “Estamos pensando em trazer para a dimensão física uma coisa parecida com a própria ideia do lançamento do disco, das pessoas irem adquirindo Coração Fantasma aos poucos com objetos que você vai colecionando e, no fim, terá algo concreto”, mas Gabriel ainda não tem muitos detalhes, a não ser possibilidades, para contar. Independente do que isso irá resultar, quem conhece Baleia sabe que teremos uma obra final robusta em qualidade e em conteúdo, digna do diálogo com o cenário rico do qual a banda faz parte e do título de uma das melhores desta geração que ostenta merecidamente. Como dizem por aí, e aqui cai como uma luva, “vamos acompanhar”.

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