“NÓS”: Bad Luv Transforma Feridas e Novos Encontros em um Recomeço

foto por césar ovalle

Todo recomeço carrega a memória de um fim. É como um nó que, ao ser desfeito, abre espaço para que novos fios se entrelacem. Na música, esses encontros são ainda mais intensos: cada cicatriz vira melodia e cada lembrança encontra um acorde para se sustentar.

Com Bad Luv, esse caminho não foi tão diferente. Quando parecia que o silêncio tomaria conta, os caminhos de João Bonafé (baixo), Murilo Amancio (guitarra), Vitor Peracetta (bateria), Gee Rocha (guitarra) e Caio Weber (vocal) se cruzaram novamente, não como um acaso, mas como quem encontra novos pontos de costura dentro de uma mesma trama. NÓS, o primeiro álbum de estúdio da banda, nasce justamente desse entrelaço: da soma de vivências, da vontade de continuar e da força coletiva que transformou feridas em canções.

Em conversa ao Música Pavê, o quinteto reforçou que o resultado desse disco é a celebração do encontro entre eles e o reencontro com a música. 

O recomeço

Desde a formação, Bad Luv passou por alguns altos e baixos e não só esteve a segundos de encerrar a própria trajetória, como encerrou – pelo menos por 15 minutos. No último ano, Murilo, João e Vitor, fundadores da banda, haviam cogitado colocar um ponto final no projeto, após tantas tentativas que pareciam não avançar. Mas o que soava como despedida se transformou em recomeço quando uma nova peça se encaixou no quebra-cabeça: Caio, recém-saído da banda Cefa, à qual se dedicou por mais de uma década.

Naquele setembro de 2024, ao anunciar o fim de seu antigo grupo, Caio acreditava que era hora de respirar longe da música. O que ele não esperava era a persistência de Peracetta, que enxergava na sua chegada a fagulha capaz de reacender Bad Luv. “No dia que anunciei o fim da Cefa, queria ficar tranquilo. Não estava falando com ninguém, mas Pera foi muito insistente e me ligou diversas vezes até eu atender. Ele falou comigo sobre a banda e me mandou algumas demos. Antes mesmo de eu escutar, já tinha as letras em mente”, relembra Caio.

O vocalista não demorou a transformar essa intuição em ação. Assim que recebeu as demos do que viriam a ser os singles Reaprender e Cicatrizes, correu para o estúdio para trabalhar nelas. Os meninos receberam o retorno de Caio durante a reunião que estavam para finalizar a banda. “Assim que Pera trouxe a ideia do Caio, João sugeriu de testarmos para ver como seria e não quis ser cabeça fechada. Saímos da reunião, Pera enviou as demos e, rapidamente, ele devolveu já com voz e letra feitas na hora, com uma qualidade muito boa. Fiquei sem acreditar na rapidez com que ele retornou e em como estava bom”, comenta Murilo.

O convite não foi apenas um sopro de energia para Bad Luv, mas também um ponto de virada para Caio. Ele reconhece que, mais do que uma oportunidade, foi quase uma dívida com ele mesmo e que por isso mudou rapidamente de ideia sobre continuar na música. “Foi como se eu tivesse esperado esse momento a minha vida toda, como se eu tivesse me preparado a minha vida toda para esse momento. Eu devia isso a mim mesmo. Mas, confesso que, se o convite tivesse acontecido há uns cinco anos, não sei se seria capaz [de aceitar], porque não é fácil estar numa banda com esses caras. É como estar em um time jogando só com jogador caro (risos)”.

Essa resposta rápida deixou claro que algo especial estava prestes a nascer. O que antes era uma banda prestes a acabar, virou um quinteto em plena ebulição. “Estávamos um pouco frustrados porque, por questões pessoais e individuais, sempre acabávamos deixando Bad Luv em segundo plano e isso nos machucava muito. Eu vim morar em Los Angeles, os meninos também estavam com outros projetos, então não conseguíamos colocar a banda em primeiro lugar”, conta Gee. “Quando Caio entrou e trouxe a força que ele é, com as letras e composições, começamos ver que estava nascendo uma coisa muito legal. Em janeiro, trocamos muitas composições e começamos a pensar no disco. Foi um processo de cinco meses, mas com uma profundidade muito bacana. Sentimos que tudo estava ornando e indo para um caminho muito respeitoso, vendo que Bad Luv estava se tornando nossa prioridade”, acrescenta.

Processo de criação

Se NÓS nasceu de um reencontro, sua construção também refletiu esse espírito: intensa, orgânica e documental. Por se conhecerem há muito tempo e já terem tocado juntos em outros momentos, a harmonia entre os cinco fluiu muito naturalmente. Em apenas cinco meses, Bad Luv registrou o álbum em estúdio, deixando que a identidade das faixas se revelasse no próprio processo. Não havia uma cartilha ou planejamento fixo, e justamente essa abertura deu espaço para a espontaneidade.

João lembra que quase nenhuma música ficou de fora: “Todo mundo gostou de tudo que foi apresentado. Tiveram vários núcleos de composição, mas ninguém nunca foi contra uma ideia, trabalhamos juntos em todas as canções. Por mais diferenças que temos entre nós, o nosso ponto de amarração é muito próximo, por isso deu essa energia tão boa”. 

O clima no estúdio foi intenso, mas também carregado de leveza e cumplicidade. A verdade é que eles não sentaram para discutir influências ou pensar em um conceito fechado, tudo nasceu do que cada um trazia no momento, de anos ouvindo e tocando em diferentes projetos. No fim, a própria Bad Luv se tornou sua maior referência. “NÓS não foi um álbum pensado. Ele aconteceu, foi sentido. Quando vimos, estávamos todos juntos gravando e foi tudo tão rápido que não percebemos isso. Fomos pensar na ideia e no conceito muito depois”, resume Caio.

O que inicialmente seria um EP logo se transformou em um disco cheio, com oito faixas. Para Gee, mais do que influências externas, foi a energia coletiva que deu forma às canções. “Nos olhamos e nos entendemos como deveríamos tocar e qual o momento. É uma atenção que trouxemos para o álbum e que queremos trazer para os shows dessa turnê”.

E é justamente nessa liberdade que surgiram também as experimentações de gênero. NÓS não se limita ao rock alternativo: transita pelo pop, pelo pop rock e até pelo trap, com a faixa Na Noite Passada Eu Não Dormi, parceria com Luccas Carlos. Gee conta que a canção já tinha uma história. “Tinha essa música guardada há um tempo e já tinha tentado passar para Di [Ferrero], mas não funcionou. Decidi guardar e, quando estávamos perto de terminar o álbum, trouxe para o grupo com um toque da Bad Luv mesmo e todo mundo curtiu”. 

A letra, curiosamente, nasceu de um momento de tensão entre eles: a primeira briga da banda, que deixou Caio um pouco afetado, sem saber se prejudicaria o relacionamento deles. Em uma noite de insônia, após remoer a situação, colocou para fora. “A letra fala sobre esse meu medo, de que esse sonho da Bad Luv chegasse ao fim. Essa letra é minha declaração de amor para a banda”, contou em um vídeo publicado no perfil do grupo.

O encontro entre universos tão distintos poderia soar improvável, mas resultou em uma das músicas mais redondas do disco. A parceria com Luccas aconteceu muito naturalmente. Por já se conhecerem e se admirarem mutuamente, a sugestão do rapper para a parceria foi o primeiro pensamento de todos. “A vontade de fazer essa colaboração era mútua, e como já tínhamos um relacionamento pessoal, acabou fluindo sem esforço”, conta Peracetta. “Caio escreveu a letra até o refrão e quando ele trouxe, achei muito boa”, lembra Gee. “Mandamos no grupo e todos gostaram, então pensamos em fazer uma participação nessa música. Foi unânime o pensamento de chamar Luccas, e não deu outra. Ficou demais!”.

Das referências ao impacto

A estética Bad Luv nasce de muitas camadas. No primeiro disco, a identidade da banda aparece com força no embalo do rock alternativo urbano, mas sem se limitar a um único rótulo. É um trabalho plural, moderno e cheio de influências acumuladas ao longo da trajetória de cada integrante. Ainda que não se considerem uma banda emo, pode ser natural que essa leitura aconteça. As letras intensas e a sonoridade densa remetem ao gênero. Os músicos reconhecem essa herança com orgulho, mas preferem usá-la como ponto de partida para algo novo.

“Não nos enquadramos definitivamente no emo. Claro, temos orgulho do nosso passado e de tudo o que fizemos, então, por que não trazer isso para Bad Luv? Não é copiando o que fizemos, mas, como conversei com Gee recentemente, a nostalgia é legal, mas o que vamos fazer com isso daqui pra frente?”, reflete João.

Essa postura não ignora a importância do gênero, mas busca reposicioná-lo no presente. Para Gee, o que acontece hoje mostra que o estilo ainda pulsa, embora precise de renovação: “Acho que o emo também se tornou uma marca muito popular. Acho que as pessoas precisam de um lugar para colocar as coisas e colocam no emo, mas, de uma forma ou outra, eu estou gostando muito o que está acontecendo agora. Se falaram que o momento não estava bom para o hardcore, hoje a gente vê festivais como Warped Tour, I Wanna Be Tour, When We Were Young indo contra essa ideia. Foi muito bom o que aconteceu lá atrás, mas precisamos visar o futuro”.

Essa noção de futuro se conecta diretamente com o impacto de NÓS. As letras, cruas e pessoais, se transformaram em pontos de encontro com quem escuta. Desde os primeiros singles do álbum, a banda traz letras que exploram dores, alegrias e experiências que cria um elo natural de identificação. Para quem está no estúdio, nem sempre é possível medir o impacto que essas palavras terão. E talvez seja justamente essa vulnerabilidade que aprofunda ainda mais a proximidade entre a banda e quem a escuta. “A música Autorretrato é uma das mais pessoais que já escrevi na vida e o tanto de gente que chegou para mim falando que se identifica e se vê ali. Isso é algo muito bonito que a arte é capaz de fazer, sabe?”, reflete Caio.

Até mesmo músicas que quase ficaram de fora acabaram ganhando importância inesperada. “Cicatrizes foi uma música que quase não entrou no álbum, mas acabou que ganhou muito espaço para mim mesmo”, conta Caio. Ele acrescenta que esse impacto é difícil de medir dentro do estúdio: “só percebemos de verdade no lançamento”.

E a expectativa agora é ver como tudo isso vai reverberar ao vivo. “É muito bom ver e ouvir as pessoas comentando, mas vivenciar tudo isso em um show, pela primeira vez, é muito impactante. Então, estou muito ansioso para esse momento. Toda a correria que fizemos foi para esse momento: de subir no palco, nós cinco, como banda”, diz João.

O quinteto inicia em setembro a turnê que passará por São Paulo, Sorocaba, Rio de Janeiro, Curitiba, Campinas e Florianópolis. Os ensaios já estão acontecendo a todo vapor e, mesmo à distância, a direção dos shows já mostrou resultado. “O show já está pronto. Eu e Caio fizemos a direção de longe e todos curtiram. Fico pensando que, se de longe já estão saindo coisas boas, imagina de perto”, reflete Gee.

O sentimento é de celebração e de gratidão. Com o apoio do selo Rockambole, a banda assume essa nova fase sem perder a essência. “Estamos muito felizes com tudo isso e tomamos como lição que quando nos dedicamos dessa forma, algo muito especial acontece. Esse disco é muito especial para nós, assim como a reação das pessoas que têm curtido muito. Vamos tocá-lo agora, juntos, e, com certeza, essa vai ser parte mais legal”.

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