Kikito: “Estamos vivendo um período de revolução musical incrível”

Tem horas em que catalogamos a música geograficamente – o funk carioca, o rap paulistano, o rock gaúcho etc. – e tem outras quando é necessário que o tempo, não um lugar, seja o fator que ajude a entendermos um som. No caso de Kikito, se sua obra não reflete o que o imaginário brasileiro entende como algo referencial de Belém, é fácil compreendermos sua música autoral de cunho pop e eletrônico quando percebemos como ela se insere no panorama de 2018.

No dia em que lança seu primeiro disco, também chamado Kikito, o músico paraense falou ao Música Pavê sobre esse momento em que vivemos – tanto na produção musical contemporânea, quanto no momento político às vésperas de uma eleição, no mínimo, emblemática – ele mandou, inclusive, um desenho dentro do movimento #elenão, que você pode ver logo abaixo em meio à entrevista.

MP: Vamos começar falando o inevitável: Teu disco sai em um momento ultra-crítico na história Brasileira, em um fim de semana que, independente dos resultados, será conturbadíssimo. Qual o papel que um artista – ou um disco – tem, ao seu ver, nesse momento?

Kikito: Acredito que faz parte de ser artista e músico levantar a bandeira e defender a resistência contra governos corruptos e resistir muito mais à possibilidade de um governo fascista, que não apoia nem um pouco a cultura. Temos que nos posicionar e lutar forte contra políticos e pessoas que apresentam discursos homofóbicos, racistas, machistas e preconceituosos. Não pode dar espaço, não pode ser normal, isso é muito perigoso. É uma pena que esse tipo de discurso não seja motivo de nojo para todo mundo, e é extremamente entristecedor e preocupante saber que ao contrário de ter nojo, muitos apoiam e se identificam. A evolução não existe quando se baseia na exclusão de muitos, isso já devia ser óbvio. Eu queria muito tá lançando um disco cheio de críticas e falando de política nesse momento. Mas como minha produção é independente e a gente faz o que dá com o que tem, tô lançando um disco que fala de sentimentos nesse momento, pois foi o período que consegui lançar. Me posicionarei do jeito que dá, fazendo desenhos críticos, tentando trazer luz nas ideias dos que estão próximos de mim, e é isso. Desejo sorte e muita luz para todo nós, nesse período super sombrio.

MP: Por outro lado, vivemos um momento muito especial para a música de cunho mais eletrônico no Brasil hoje. Como você tem visto a produção e como dialoga com ela através do seu trabalho (ou deseja dialogar)?

Kikito: Eu enxergo a tecnologia e a música eletrônica como a evolução de tudo que rolou na música até chegarmos aqui. Sou extremamente feliz de poder estar vivendo esse momento, no qual uma pessoa pode produzir um álbum no iPad e concorrer ao Grammy. Se pararmos para pensar, estamos vivendo um período de revolução musical incrível, tudo mudou. A internet deu espaço para todos, só precisa querer, se dedicar e saber usar. Desde o meu primeiro EP, usamos a tecnologia muito a favor da nossa produção. Beats eletrônicos e sintetizadores são elementos indispensáveis no nosso som, só pretendo me aprofundar cada vez mais nisso. Me sinto super privilegiado de viver num momento onde tenho os anos 60, 70, 80, 90 e 2000 para pegar de referencia e poder misturar da forma que eu quiser com o que rola hoje em dia. Eu amo isso e é basicamente isso que eu faço.

MP: Quado Felicidade saiu, o papo era de que aquela música dava o tom do álbum inteiro. Conta um pouco sobre a ironia do título para uma vibe tão carregada, assim como a escolha de tê-la como faixa de trabalho e também de abertura no disco?

Kikito: Essas músicas surgiram daquele período que geralmente vem com o fim da adolescência, onde a gente começa a ficar calejado da vida, das relações sociais, sentimentais e pessoais. Essa letra é mais uma reflexão que veio dessa época. É como uma mensagem que eu precisava passar para mim mesmo e que achei muito válida de compartilhar com o público. Passei a vida sendo uma pessoa muito pra cima, muito satisfeita com a minha própria companhia. Nessa época, foi a primeira vez que minha mente começou a me questionar em relação a tudo isso. Hoje em dia, eu já sei que é necessário aprender a ignorar a nossa mente algumas vezes. A música foi a primeira a ser composta pra esse álbum, foi a primeira a ser gravada também e sempre foi a primeira do show, então foi meio que inevitável ela ser a primeira a ser lançada.

MP: Tenho a impressão que o formato de álbum de oito faixas vem para amparar tanto a ideia de que poucos querem um disco inteiro hoje, quanto aqueles que não se contentam com um EP. Como foi montar esse repertório e chegar a esse formato?

Kikito: O repertório veio de forma bem natural, todas as músicas foram compostas num período de três meses. Eu senti que todas elas foram se completando e seguindo um mesmo rumo, tanto nos temas, quanto no clima e sentimento que traziam. Não teve uma música que eu tive que bater cabeça para compor, parece que elas vieram prontas pra mim. Quando chegou em Consenso, que é a última música do disco e que foi a última a ser composta, senti claramente que aquele era o momento de conclusão daquelas reflexões, não tive nem dúvida. Já compus e até gravei outras músicas depois dessas, mas se tratam de uma outra realidade, outra atmosfera.

MP: O que você tem ouvido ultimamente?

Kikito: Em um dia comum, eu posso começar escutando Tim Maia, passar pra um Blink 182 na fase emo, depois ouvir Criolo, depois algum negócio tipo Homeshake e parar no Jorge Ben. Eu escuto o máximo de música que der pra escutar, não me prendo a nenhum gênero ou artista. Claro que tem uns dias que fico viciado numa coisa só, mas, na maior parte do tempo, eu piro em quase tudo. Tô sempre procurando algum detalhe foda que dê pra misturar com outro detalhe foda, em gêneros totalmente diferentes.

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