O Verdadeiro Cisne Negro

O compositor Clint Mansell, parceiro do diretor Darren Aronofsky nos cinco filmes de sua carreira, tinha uma tarefa complicada pela frente ao assumir a trilha sonora de Cisne Negro: contar a mesma história duas vezes em um mesmo filme, partindo de uma única obra clássica.

Enquanto o próprio roteiro se transforma em um discurso metalinguístico da história narrada no balé de Tchaikovsky, Mansell tem que dosar e intercalar as criações do compositor entre a história em primeiro plano e os momentos em que são mostradas a montagem do espetáculo em si.

Para tanto, o músico “suja” a obra original, inserindo intervenções ao longo da trajetória de Nina (Natalie Portman). Mansell faz as vezes do Cisne Negro da trilha, um reflexo distorcido e que incomoda com sua onipresença invisível. Ele acompanha a história desde o começo em segundo plano, enquanto espera na coxia sua vez de entrar.

É assim, por exemplo, que ele aparece como um comentário musical discrepante na cena em que Nina repele o beijo do diretor da companhia (Vincent Casell); quando desafia o autoritarismo de sua mãe (Barbara Hershey) pela primeira vez, e continua crescendo cada vez que o reflexo antagonista de Nina resolve colocar suas asinhas para fora (perdoem o trocadilho). Além de inserções originais, Mansell corta temas para criar motivos e grifar emoções, progredindo enquanto costura a música de ambas as histórias.

Optando pela desconstrução, o compositor mostra passagens do balé em versão minimalista, com piano ou violino durante os ensaios da montagem. Já a abertura – as notas mais famosas de Lago dos Cisnes que viraram até ringtone (como Aronofsky graceja ao nos lembrar) – é amplamente usada como leitmotiv.

O suspense de estruturas musicais curtas criado pelo diretor logo remete a Bernard Herrmann – braço direito de Hitchcock quando o assunto era trilha sonora – como por exemplo em Um Corpo que Cai (Vertigo).

Com obras originais ou adaptadas, que mostrem a decadência da carreira de um lutador de luta-livre profissional ou os percalços no caminho de uma bailarina em busca da perfeição, o certo é que quem mais pode se beneficiar com a parceria entre Darren Aronofsky e Clint Mansell, é o espectador.

*Leandro Reis é paulista, radialista e estuda teatro. Gosta de Led Zeppelin, quadrinhos e luta para se tornar um roteirista de cinema. Essa foi sua primeira colaboração no Música Pavê. Conheça mais sobre ele no blog Maiúscula.

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