Ousar, Protagonizar e Transbordar: A Fase Solo de Raquel

Raquel é referência e sabe como fazer o papel de protagonista. A cantora é arte e, especialmente, independente; transborda sua identidade original nas canções, propostas visuais e discursos. Ela faz história. “Minha vontade é ser, sobretudo, popular”, revela a artista em entrevista ao Música Pavê

“A arte pode salvar o mundo porque pode criar novos horizontes. Quando tudo parece perdido, a arte mostra que sempre há caminhos. A arte LGBTQIAP é primordial para mostrar nossa divindade e pavimentar novos caminhos”, reflete a cantora trans, ex-integrante do grupo As Baías, antes conhecido como As Bahias e a Cozinha Mineira.

Formado em 2011 na Universidade de São Paulo por Raquel Virgínia, Assucena Assucena e Rafael Acerbi, o trio foi se desenvolvendo gradualmente, começando com apresentações em festas universitárias. Com autenticidade, iniciaram os trabalhos autorais e trouxeram uma proposta deslumbrante ao cenário musical brasileiro independente. 

Ao longo dos anos de carreira, lançaram projetos memoráveis, com direito a duas indicações ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa; a primeira aconteceu pelo disco Tarântula em 2019 e, posteriormente, o EP Enquanto Estamos Distantes foi nomeado em 2020.

De fato, As Baías marcou a cena. A fundadora relembra dos momentos inesquecíveis com o trio, desde o “nascimento na USP até cantar com Elza Soares no Rock In Rio e o Grammy Latino com duas indicações em dois anos seguidos”: “Amo nossa história como artistas”, a cantora não deixa de pontuar. Em setembro de 2021, o grupo anunciou o encerramento das atividades. Mas está longe de ser o fim para os integrantes.

Aos 33 anos, Raquel tem uma carreira musical categórica e se reinventa a cada trabalho. Os significados artísticos, que sempre foram intensos, continuam parte dessa história: “Agora sinto que estou colocando em cena uma artista cheia de contradições e mais provocativa. Mais ácida”, declara sobre a nova fase.

Para a compositora, os reflexos pós-pandêmicos também permitiram transformações – musical e pessoalmente. Esse período potencializou a ousadia orgânica de Raquel, reverberada em seus trabalhos artísticos e, consequentemente, no início promissor do momento solo como cantora. 

“Penso que a pandemia me fez querer ser mais ousada – no sentido da vida pedir ousadias. Artisticamente, quero cada vez mais conseguir imprimir para o público minha identidade. A pandemia acelerou em mim a vontade de encontrar a identidade que me preenche. Tenho muito a dizer e quero criar arte para dizer”, conta.

Ela acrescenta: “Me sinto uma batalhadora e não costumo aceitar o que querem me dar. Costumo sempre querer mais e lutar por mais protagonismo. Talvez isso soe como um empoderamento e, se for isso, excelente”.

Compositora formidável, Raquel assina canções carregadas de significados como Mix, Universo e Carne Dos Meus Versos, que fazem parte da discografia d’As Baías. Essa fórmula autoral sincera deve continuar na fase solo da artista.   

Sobre os processos criativos, descreve: “Tenho momentos de colheitas. Fases de plantação. Plantação é viver. Ler livro. Ir a museu. Viajar. Conversar. Pesquisar. Namorar. Isso tudo é insumo. Até que um incômodo e vontade se instalam em mim. Viram paixão e transfiro isso artisticamente. Daí vem a colheita”.

A aguardada estreia solo aconteceu em 15 de outubro com o lançamento da releitura de Las Muchachas de Copacabana, composição de Chico Buarque que integra o disco Malandro (1985). Em parceria com a MC Dellacroix, Raquel traz vivacidade à canção; e as duas cantoras transbordam encantos a partir da lírica. Para marcar o início da fase solo, a versão ganhou um clipe repleto de sensualidade, luzes neon e looks icônicos. 

“Sempre adorei essa música. Gosto da ironia que existe nela. Uma ironia fina. Sempre me confundem com puta. Não que me incomode. Tanto não incomoda que virei puta no clipe. A Dellacroix é uma genia e trouxe o apelo mais direto à música e menos metafórico. Achei que essa mescla trouxe a potência que eu precisava para a música”, explica Raquel sobre a estreia e escolha da faixa.

Nessa terça, 16 de novembro, a segunda música da carreira solo, Câmera Lenta, chegou às plataformas digitais, integrando o repertório de Disco De Quintal, criado pela marca Lagunitas Brasil. Embalada por uma sonoridade pop bem-construída e sensual, a canção inédita reforça a sagacidade da cantora. 

Câmera Lenta é uma música sobre o sexo invertido. Chupar o outro de cabeça para baixo, sentindo vibrações e perspectivas lentas em meio ao turbilhão”, declara sobre a lírica da faixa. 

A artista comenta a iniciativa da Lagunitas em apresentar um EP que traz atenção ao cenário independente da música brasileira: “Esse movimento de criar um projeto onde o protagonismo está na música já é incrível. E não é mais do mesmo. Temos uma curadoria que realmente surpreende. Gosto de surpresa quando temos curadorias tão repetitivas. Isso oxigena”.

Além de cantora, Raquel estabelece um protagonismo importantíssimo como empresária. Em 2019, fundou a Nhaí!, uma startup que busca inovar a partir de projetos de comunicação e entretenimento com visão ampla. O foco é fundamentado em três pilares: diversidade, tecnologia e criatividade.

“Sobre ser empresária, é meu anseio em ter mais pessoas e projetos que ainda não vejo na indústria da comunicação e entretenimento. Ou se vejo, é ainda de uma maneira que não concordo – mas ao invés de criticar, decidi tentar fazer”, diz.  

Raquel trilha um caminho brilhante, que será cada vez mais desbravado. Com a carreira, a cantora ressoa uma autenticidade espetacular para o cenário musical brasileiro e para o gênero pop; sendo uma referência identitária, protagonista e inspiração artística – Las Muchachas de Copacabana e Câmera Lenta apenas iniciam essa nova (e magnífica) fase. 

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