Zudizilla no Encontro das Águas do Rap do Brasil

“Já me disseram que o meu som é tipo uma conversa” – não é difícil reconhecer o diálogo como base do que Zudizilla faz com seus versos e arranjos. O rapper gaúcho, em entrevista ao Música Pavê, comentou como as intenções por trás da sua música conseguem ser evidentes a quem se presta a conhecer seu trabalho – como no recém-lançado clipe Sem Distração.

Gaúcho de Pelotas, Zudizilla tem um estilo muito próprio dentro da cena de rap brasileira atual, o que ele explica ser uma herança direta de sua origem geográfica. “O Rio Grande do Sul tem características sonoras de uma relação bem mais lenta, ou de lidar com a tristeza como ponto de partida para a música daqui, como é a milonga”, contou ele ao site, “a gente acaba criando algo baseado muito mais em grave. Na letra, tem uma poesia relacionada a partir do narrador para que atingir as pessoas que se identificam com a mesma ideia. A gente tenta achar nossa menor célula enquanto indivíduo porque sabe que esse é o ponto em comum com o que todos os pretos aqui passam”.

Meu discurso como rapper, como MC, vem dessa relação de ser de um estado extremamente racista e majoritariamente branco”, comenta ele, “então, a partir desse ponto, já tem todo um discurso diferente da galera que está de um estado com uma incidência muito grande de pretos. Vejo as pessoas assustadas com o que a gente está vivendo no país hoje, mas eu já sou um pouco calejado quanto a isso. Essas opressões fazem parte da cultura do brasileiro, eu já lido com protótipos de Bolsonaro há muito tempo”.

Zudizilla enxerga que o processo pelo qual o rap passa hoje no Brasil vai além de uma apropriação do mercado, mas também como uma tentativa de controle da narrativa da minoria preta. “Quando unificam o rap a partir de um estereótipo X, fica mais fácil de nos podar. É como se a gente só pudesse pertencer a um só espaço, a um só nicho”, explica o artista, que comenta também sobre o esvaziamento da mensagem quando uma música de protesto ou sobrevivência é tida como mero entretenimento em uma balada, por exemplo: “Existe um cuidado, um trabalho para que a gente não perca o que o rap tem de mais potente, que é o discurso. Quando a gente desloca o discurso para outros ambientes, ele ganha essa característica de diversão, o que é secundário. Primeiro, ele precisa lidar com as relações e correlações que fizeram com que ele se expandisse dos Estados Unidos e fosse pra todos os outros lugares. Questões políticas, de autoestima e de empoderamento do povo preto e periférico”.

Foi esse deslocamento que fez com que o rap, em diversos momentos, “perdesse a rédea enquanto estilo musical, perdesse a tônica”, como conta Zudizilla, “ele se tornou muito mais democrático [na pluralidade de assuntos], mas parece que perdeu também a potência, perdeu o intuito, perdeu o porquê. E, neste ano, saíram coisas lindas de uma galera que entendeu o quão democrático o rap pode ser, mas o quão potente ele tem que ser. Aliaram essas duas vertentes, a de um rap político e a de um rap musical, e estão saindo coisas que vão ser importantes para sempre na música nacional”.

Essa dinâmica resultou em seu álbum Zulu, Vol.1: De Onde Eu Possa Alcançar o Céu Sem Deixar o Chão, com produção executiva de alguém presente no centro dessas relações: DJ Nyack, conhecido, entre tantos trabalhos, como parceiro de Emicida. “A gente tem uma ideia muito parecida sobre o rap. Ele quer entender o meio termo entre ser o cara da quebrada e poder ganhar dinheiro, poder pautar o rap como um estilo musical para aquém do protesto, da autoestima e do mercado, como arte”, conta Zudizilla, “a gente se pauta muito nisso como amigos que amam o rap, o que a gente chama de ‘encontro das águas’ – onde toda essa experiência periférica encontra o ineditismo de um refinamento da música preta. Tipo um filho do Mano Brown com Djavan (risos)”.

E esse objetivo ganha na música de Zudizilla a camada sempre presente de ser um trabalho ligado à sua terra – ou, como ele explica, “na tentativa de redesenhar as poéticas do homem preto do RS. Pra isso, eu preciso fazer diferente do que tá acontecendo no Brasil inteiro, senão eu acabo destinando a minha obra a uma prática paulista, carioca ou baiana. E eu sou do RS, a gente precisa ter um caráter em que a gente possa se enxergar e ver uma luz no fim do túnel. Quero ser característico, ser peculiar, ter uma individualidade, muito pouco por uma relação de ego e muito mais por ser de um estado onde o negro não tem identidade, ele só ‘se parece’ com outro. Isso elimina toda uma história de luta que existe aqui, te faz ou parecer um preto que não é daqui, ou simplesmente tentar se tornar ser humano – e, como nos ensinam, o ser humano é branco. Então ou você imita uma existência branca, ou uma existência preta que não é daqui”.

Ainda assim, o rapper não perde a visão de estar dentro de uma cena que compreende o Brasil inteiro – “nosso momento político não nos ameaça mais ideologicamente, ele tá ameaçando nosso corpo como indivíduo”, como ele mesmo diz. Pelas diferenças entre a forma de encarar a música de um lugar para o outro, “a gente acaba às vezes não entendendo que é parte de um coletivo e só vai entender isso quando sai da sua localidade e pessoalmente se choca com outras formas de fazer a mesma coisa que tu faz”, conta Zudizilla, “talvez mude o discurso, ou o ritmo, mas a essência é a mesma, a luta é a mesma. Quanto mais plural forem os soldados de um exército, ele não precisa ser tão grande. Ele consegue ter mais alcance e mais poder de ataque. E é isso o que a gente tá dizendo quando fala de luta, quando fala de pauta”.

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