Zé Vito de volta ao Brasil em curta temporada
O músico Zé Vito está de passagem pelo Brasil realizando shows pela Rede Sesc no interior de São Paulo, antes de voltar para Portugal, onde reside.
O primeiro deles, em Campinas, foi marcado pelas canções políticas e por um diálogo aberto com o público sobre o momento em que as músicas foram feitas. Diante de uma plateia apreciativa, querendo ver e ouvir Zé Vito com suas mensagens, ele apresentou um repertório com faixas de todas as suas obras: Já Carregou (2014), Pode Ser (2015), Espelho (2016) e o recente Além Mar, lançado em 2018, foco de trabalho do artista atualmente.
A banda estava bem sincronizada, na mesma sintonia, ainda que sem muito tempo para tocar antes da pequena temporada de três shows. Zé é um cara simples, humilde, e estava bem à vontade, como se estivesse em casa – e de fato estava. O novo disco funciona muito bem ao vivo e, até mesmo em um Sesc com cadeiras, algumas pessoas estavam em pé para dançar, enquanto os sentados observavam com admiração as melodias bem trabalhadas do reggae com MPB e groove.
Hoje, dia 11 de janeiro, ele estará no Sesc Rio Preto, e no sábado (12) em Ribeirão Preto, também no Sesc. Ele falou ao Música Pavê antes do show em Campinas sobre shows, Portugal, política e sonoridade.
Música Pavê: Você estava com saudades do Brasil?
Zé Vito: Sempre estou com saudade do Brasil. Na verdade, tenho saudade dos meus amigos, da minha família, da minha casa e do Rio. Eu gosto do Rio pra caralho, mas o Rio tá acabado.
MP: Muitos brasileiros se mudaram para Portugal, e criou-se um debate sobre o momento em que o país europeu vive. Para você, como artista, como está Portugal?
Zé Vito: O mercado português tá num momento muito bom, porque o país tá bem, os portugueses estão com orgulho do próprio país, sabe? Na música, eles ganharam o Festival Eurovisão da Canção (Eurovision), com o português Salvador Sobral, isso deu uma reacendida no mercado lá. Eles estão com orgulho da língua, porque as bandas portuguesas sempre cantaram em inglês, agora eles estão cantando em português e o público tá acompanhando, o cenário tá muito legal. A Europa em geral, por tradição, tem um outro tipo de apreciação musical, então os caras apreciam os shows de outra forma. Eu vejo que, no Brasil, cada vez mais os shows estão virando entretenimento, parte de uma festa, sabe? A música tá ali não é pra cumprir a função principal, enquanto lá é o cara vai pra ver, ele paga pra ver as vezes alguma coisa que ele não conhece, ele vai descobrir, ele faz silêncio para prestar atenção, é diferente. O cenário, nesse aspecto, é muito bom, mas você é um estrangeiro lá, né? Então é diferente, você é o imigrante. Tudo o que vai do Brasil estourado pra lá já chega estourado lá, tudo o que estourou aqui estoura lá, quem não estourou aqui não estourou lá. Então você tem que quebrar uma dupla barreira, de você ser um imigrante fazendo música e ainda os convencer. Nesse aspecto, é difícil, mas aí entra o lado da apreciação musical dos caras, que é boa. Se você faz um trabalho bem feito, uma coisa legal, e se relaciona com as pessoas corretas você consegue encurtar o caminho.
MP: Lá, então, o músico é mais valorizado?
Zé Vito: Lá o músico é respeitado, tem um tratamento diferente. Os próprios órgãos que organizam a música lá, como a gestão dos direitos dos autores, que é a GDA, são órgãos legais, muito mais legal que a OMB, ou o ECAD, que você não sabe se paga direito. E Portugal tem um circuito de mais de 50 festivais de verão, e tudo com bandas locais. Tem artistas lá que no Brasil a gente nem sabe quem é: Miguel Araújo, António Zambujo, Capitão Fausto, os caras fazem todo o circuito.
MP: Como Lisboa influenciou no último disco Além Mar?
Zé Vito: O lance de estar longe do meu país me fez, ao mesmo tempo, com essas questões políticas, ver o tamanho das merdas que tem no Brasil e o tamanho das coisas boas, como é uma merda e o quão é foda o lado bom. Então, isso foi um tema recorrente na minha cabeça, de certa forma me ajudou a dar uma direção pro disco, e eu tentei conduzir ele para uma coisa. Os outros discos são cabeçudos, é mais difícil entender as letras. Esse é mais simplório, mais direto, porque o português de Portugal é direto, não tem rodeio. No Brasil, você quer pedir para alguém pegar alguma coisa é “Será que você poderia pegar?”, lá é “Pega lá pra mim”. Me fez pensar assim, vou falar direto as coisas, sem fazer rodeio, colocar as coisas na primeira pessoa.
MP: Você falou disso de ter umas letras mais “cabeças” antes. A faixa Pensa em Outra fala sobre uma questão de bom senso, pró-feminismo. Você pretende continuar com isso desta forma direta agora?
Zé Vito: Pretendo, acho que esse disco tá mais comunicativo, mais fácil de entender, e eu tô pensando em fazer um outro trabalho no começo de 2020 e eu vou tentar ir nessa onda, tentar cada vez mais me comunicar com o público. Eu venho de uma formação que, antes de tudo, eu sou guitarrista, estava sempre pensando no arranjo, e, quando você tá no palco, quando você tem que cantar, você é o artista, o povo quer ouvir o que você tá falando, quer ver a mensagem que você tá passando, como você se comunica com eles. Se você sobe no palco e não consegue se comunicar com as pessoas, não adianta nada. E isso é um desafio pra mim, porque eu não sou um grande comunicador ainda.
MP: E gravar com Marcelo Camelo, como foi?
Zé Vito: Ele forneceu o estúdio, a gente é amigo, eu conheci ele lá, um cara nota mil, que eu super admiro como pessoa e como artista. Eu precisei do estúdio em alguns momentos e ele foi super gentil comigo, me cedeu o espaço. Sou fã de Los Hermanos, acompanhei desde o começo, então estar do lado de um cara que eu admiro é muito legal. A vibe do estúdio dele é ótima, ele e a Mallu são um casal muito legal, [gravar lá] traz aquela vibe deles pra dentro do trabalho, já é válido.
MP: De onde você bebeu essa fonte de reggae, esse groove gostoso que ouvimos em seu som?
Zé Vito: Cara, eu sou fã de reggae, uma das coisas que eu mais gosto na minha vida, já tive uma série de projetos, idéias de banda, é uma coisa que eu gosto muito. Já tinha gravado um reggae num outro disco, eu tenho uma ideia de fazer um disco só de reggae. Eu tinha uma música, Desordem, em outro arranjo, mas achava que ele não passava a mensagem correta. Eu fiz essa música quando teve a primeira manifestação de rua em 2013, é um relato das manifestações e do caos do Rio, “xerifes autorizam pelotões e suas armas letais”, que é a polícia descendo o cacete na galera, a guerra fria acontecendo entre os partidos, a mídia. Aí rolou o contato com o Alexandre Francisco Diaphra, o cara é um monstro, um beatmaker sensacional, MC. Ele é filho de angolanos e mora em Portugal, e a gente conheceu através de um amigo, a gente trocou ideia, mostrei a música e ele curtiu, escreveu a rima, e a gente mandou bala. É uma das músicas que mais gosto.
MP: E depois desses shows, o que você pretende fazer?
Zé Vito: Tô desde o dia 18 de Dezembro aqui, toquei na Bahia com Nasi (da banda Ira!), tem Rio Preto (dia 11), depois tem Ribeirão Preto (12), que é minha cidade, e eu volto para Portugal em seguida. No dia 16, já vou fazer um show com um trio na Casa da Música, vou lançar o Além Mar no Porto. No dia seguinte, tem um show em Lisboa, no Lacs, que é um rooftop, onde é o escritório do Rock In Rio. A minha meta esse ano é tentar fazer mais festivais. Fiz dois no ano passado, um na Espanha e um em Portugal.
Curta mais de Zé Vito e outras entrevistas exclusivas no Música Pavê