Você prefere R$500 ou uma fotografia do Raça Negra?
Vai dizer que você passou pelos anos 90 e nunca cantarolou um sucesso do Raça Negra? O vocalista de língua presa, os pagodes sentimentais, dignos de lágrimas e sentimentos de solidão que geralmente serviam para… Animar. As músicas que, ao tocar, imediatamente remetem à momentos em família, às paradas de sucesso e aos programas de auditório assistidos na companhia de um pacote de Biscoitos Fofy.
A nostalgia à década vive por aí, contida em saudosismos quanto ao preço do Kinder Ovo e à TV Colosso. Mas, vez ou outra, algumas iniciativas se dispõem a trazer os tempos áureos de volta, mas sem esquecer de flertar com o presente.
Dentre estas várias iniciativas é que entra a ideia do jornalista Jorge Wagner. Junto com alguns amigos, como os músicos Giancarlo Rufatto, Letícia Novaes (Letuce) e Manoel Magalhães (Harmada), Jorge idealizou a Jeito Felindie, uma coletânea que reúne os sucessos do grupo de Luiz Carlos e companhia em novas roupagens, trazidas aqui por artistas independentes.
A coletânea, com lançamento previsto para o próximo dia 12 de Outubro no versátil blog Fita Bruta, promete trazer as linhas dos clássicos pagodes em diversos outros estilos, como uma Você Não Sabe de Mim power pop e uma Vida Cigana from hell.
Conversamos com o organizador para saber um pouco mais do projeto e, principalmente, para fazer uma pergunta fatídica: será que a planta vai aprovar esta coletânea do Raça Negra? Dizem por aí que o Luiz Carlos já curtiu.
Música Pavê: As últimas coletâneas que surgiram com artistas independentes foram de bandas cultuadas por este público ou, então, dos chamados “clássicos indiscutíveis”. Como é organizar uma coletânea com músicas do Raça Negra? Você acha que, de acordo com todo o contexto saudosista dos anos 90, Raça Negra é tão (ou até mais) clássico quanto um Los Hermanos, por exemplo?
Jorge: Reler medalhões como Los Hermanos ou Caetano é, de certa forma, dar ao seu público exatamente o que ele espera ouvir – em muitos casos, exatamente o que ele já ouve na maior parte do tempo. Claro que isso não desmerece o trabalho de ninguém (até porque essas coletâneas invariavelmente rendem algumas ótimas versões, como a que o Phillip Long fez para Sentimental, naquele tributo a LH da Musicoteca), mas a intenção do Jeito Felindie é ir um pouco mais para o lado da memória afetiva. Quem tem seus vinte e tantos, trinta e poucos anos, sabe cantar Me Leva, do Latino, Nosso Sonho, do Claudinho & Buchecha, Essa Tal Liberdade do SPC e muita coisa que pode não estar na playlist dela hoje, mas tem lá aquele espaço na história dela, naquele churrasco de família, naquela tarde de domingo assistindo ao Faustão depois do Temperatura Máxima. Pra geração na qual me incluo, Raça Negra pode ser comparado ao que The Fevers foi para a geração dos meus pais, seja na quantidade de hits emplacados ou na força desses hits, na capacidade que essas canções têm pra ficarem grudadas na lembrança. Isso é o que garante a relevância.
MP: Como foi a seleção de artistas para esta coletânea? Teve algum artista que foi convidado e estranhou a proposta?
Jorge: Esse tributo teve uma “pré-história” lá no começo do ano numa conversa no twitter na qual o Manoel Magalhães (Harmada), o Giancarlo Rufatto, a Letícia Novaes (Letuce) e o Túlio Pires Bragança, que fazia o Pagodeversions, falaram que topariam fazer. Quando a ideia voltou (esbarrei com a Letícia depois de um show no Circo Voador, elogiei por terem tocado Eu e Ela, do Grupo Raça, e lembrei da conversa sobre o tributo ao Raça Negra), os outros nomes foram surgindo. O Manoel indicou a hidrocor, o Perdido indicou a Lulina e por aí foi. Tirando dois nomes que toparam e depois desistiram por conta de agenda, eu tive dois nãos, e só um deles “estranhando” – um compositor um pouco mais velho que não entendeu muito bem a proposta e pediu para que voltasse a chamá-lo quando resolvesse “fazer um tributo ao Nelson Cavaquinho”.
MP: Dos comentários que você pode captar até então, a recepção do público é, no geral, positiva? Ou já apareceram alguns reaças?
Jorge: Por esse apelo emocional, tem sido bem positiva sim. Os melhores comentários são aqueles que falam coisas como “era o que minha família ouvia quando viajávamos” ou “a história da minha vida passa pelas músicas do Raça Negra” (essa segunda, vinda do Marcos Xi, que edita o Rock in Press). Mas as reações negativas também existem, e tem de todo o tipo: de gente que acha que música é só aquilo que ela escuta, de gente que pensa que se não nasceu com guitarras, não pode ser bom etc. Mas isso é normal. Sempre foi. Basta lembrar que Elis Regina participou daquela Passeata Contra a Guitarra Elétrica… Ao lado do Gilberto Gil, que logo depois ia experimentar uma série de caminhos dentro da música.
MP: Pra você, qual música do Raça Negra deveria ser eternizada e por quê?
Jorge: Cheia de Manias, porque não tem como ficar imune ao poder do “didididididiê” (risos).
MP: Há algum outro grupo que, na sua opinião, merecia uma homenagem dessas?
Jorge: Sempre que eu ouço Pública, imagino como seria o Pedro Metz cantando alguma coisa do Guilherme Arantes, como Loucas Horas, por exemplo. Ele é um artista que eu gostaria de ver revisitado por essa turma atual, como o próprio Pública, a Harmada, o Fabio Góes… Porque tem um repertório de canções sensacionais, mas com gravações que hoje soam um tanto datadas.
MP: Por fim: o que a planta pode esperar do Jeito Felindie (risos)? Que tipo de roupagem nós iremos encontrar nas músicas?
Jorge: Pluralidade. Não é exatamente “bandas de rock regravam Raça Negra”, mas artistas independentes, de diferentes formações. Das primeiras versões que eu recebi, tem o Lucas e a Letícia experimentando na releitura da Letuce pra Jeito Felino, o Rufatto flertando como Ryan Adams em Maravilha, uma versão mais power pop de Você não Sabe de Mim feita pela Radioviernes. O pessoal da Amplexos, de Volta Redonda, que vêm de uma escola dub, mais groove, tá relendo Quando te Encontrei, enquanto Nevilton prometeu uma Vida Cigana “from hell”, anfetaminada. Eu também estou bastante curioso pra ver o que ainda vem por aí!
P.S.: Por um instante, “você prefere R$500 ou uma fotografia do Raça Negra” chegou a ser cogitado para título do tributo (risos).
(Izadora Pimenta é jornalista, (aspirante a) escritora e personagem de comédias romanticas nas horas vagas. Esta é sua primeira colaboração no Música Pavê)
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