Vitor Kley Revisita Sua Essência em “As Pequenas Grandes Coisas”

foto por rodolfo magalhães

Vitor Kley retorna com um álbum que abraça sua pluralidade sonora sem perder a essência de sua identidade artística. Em As Pequenas Grandes Coisas, lançado nesta sexta-feira (25), o músico se permite experimentar — e ousar — com confiança. A nova fase marca um mergulho em diversos gêneros, como pop punk, reggae, bossa nova e até samba, com a voz e o violão como pontos característicos de seu trabalho.

Em entrevista ao Música Pavê, Vitor conversou sobre os bastidores da produção e compartilhou os desafios de assumir pela primeira vez o papel de produtor. “Penso sempre que a gente tem que evoluir. E vejo que As Pequenas Grandes Coisas é uma evolução musical (…). Acho que a diferença entre A Bolha para As Pequenas Grandes Coisas é um ato de coragem”, contou.

A coragem citada por ele atravessa cada faixa do álbum, que transita entre leveza e intensidade com uma abordagem íntima e madura. Em meio às experimentações, As Pequenas Grandes Coisas traz um Vitor que mergulha no autoconhecimento e transforma encerramentos de ciclos em novos começos. O disco é como um reencontro com ele mesmo fiel às próprias emoções e convicções.

Na entrevista a seguir, o cantor comenta as decisões e os caminhos que moldaram o novo trabalho.

Música Pavê: Vitor, você sempre trouxe muita luz e muita verdade nas suas composições, mas senti que esse álbum carrega uma forte mensagem de recomeço e encerramento de ciclos, algo que você já vinha abordando em A Bolha. Queria começar te perguntando, o que te levou a explorar esse tema agora? Em que momento você sentiu que precisava transformar tudo isso em música?

Vitor Kley: Eu percebi quando A Bolha já estava dando seus sinais finais e eu queria encerrar da melhor forma possível. A gente trabalhou um pouco algumas músicas do DVD, mas eu já sabia naquela época que eram os momentos finais e que precisava vir algo novo. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia que precisava daquele tempo para amadurecimento de ideias, de conceito, de cores e de pensar o que essas músicas iriam amarrar. E eu acho que todo encerramento de ciclo traz uma fonte de inspiração muito grande porque a gente fica reflexivo com tudo o que passou, né? Então, essa inspiração do encerramento de A Bolha trouxe esse novo ciclo, trouxe esse céu azul, trouxe As Pequenas Grandes Coisas, trouxe um título que eu queria muito falar para as pessoas sobre o que eu sinto aqui dentro. As canções já estavam ali, eu nunca sacrifico nenhuma canção, então elas estavam só esperando o momento delas de atuar (risos). E é assim que começa essa nova era, que vem com um olhar atento as coisas simples e grandiosas da vida. 

MP: Durante o álbum, a gente te vê falar de amor, mas também cantar sobre olhar pra dentro mesmo. Em Vai Ficar Bem, você canta “tentei, sigo tentando encontrar meu caminho. Absorvo, me entendo e reflito”, e essa frase parece sintetizar muito do que atravessa o álbum: essa busca por sentido, pelo recomeço. Essas músicas nasceram desse processo de tentar entender a si mesmo no meio de tudo? 

Vitor: É, totalmente! Fico feliz que tu tocou na Vai Ficar Bem porque ela é uma das quatro colunas principais desse álbum. Inclusive, ela até fala “qual é o preço do seu amanhã? Verdade, nossa mente não anda bem sã” e por aí vai. Fala também “quanto mais o tempo passa, mais da vida me despeço”. Tu foi muito certeira na sua fala, Mari, porque eu realmente estava me questionando nessa música, ela é a música da reflexão. Tipo: “Mano, o que eu tô fazendo aqui? Pra onde eu tô direcionando o meu olhar?”. Então, quando eu falo “tentei, sigo tentando encontrar o meu caminho” é porque realmente muitas vezes passei a me questionar por várias questões, de vida e de música. Acho que o tempo anda cada vez mais veloz, nossa mente anda cada vez mais veloz e querendo prestar atenção em tudo ao mesmo tempo, e não prestando atenção em nada… Parei para me entender e me aceitar também, porque às vezes a gente corre atrás de uma aceitação externa e a gente não se aceita, saca? Então, eu decidi me aceitar e isso é uma pequena grande coisa! Esse álbum é super musical, e, talvez, mostre até outro lado da minha pessoa, outros tipos de musicalidade e assuntos. Eu percebi que é nos pequenos gestos que se cria uma grande coisa, e eu espero, de fato, que as pessoas sintam tudo isso, sabe?

MP: Falando sobre a produção, você colaborou com Marcelo Camelo, Giba Moojen, Felipe Vassão e Paul Ralphes. Muita gente legal, mas também foi sua primeira vez tomando a frente da produção, né? Como foi a experiência de estar a frente da produção desse projeto?

Vitor: Cara, foi demais! Acho que foi uma das coisas que acho que veio na questão de me aceitar. Me aceitar como produtor, como arranjador e aceitar minhas ideias, né? Acho que antes eu me sabotava muito, achando que precisava cantar por anos e gravar inúmeras bandas, pra daí, então, me colocar como produtor. E o que acontece é que o Paul Ralphes chegou para mim e quando ouviu as prés, com muita sensibilidade, ele me disse: “Vitor, tá tudo aí, cara. Tu tem que assinar isso aqui, o justo é você assinar tua produção”. Então, quando uma pessoa que você enxerga com mestre fala isso pra ti, você cai na real. E com todos os produtores do álbum foi assim, com o Marcelo, Felipe e o Giba. Então, é uma coisa que é profissional, é musical, está inserido em uma carreira, mas reflete muito na minha pessoa. Eu me sinto hoje uma pessoa muito mais corajosa para me aceitar, para viver do meu jeito de ser e para encarar meus desafios daqui pra frente.

MP: E durante o processo de criação do álbum, quais foram os principais desafios?

Vitor: Pegando os detalhes técnicos, Paul, que também dirigiu o álbum comigo, me falou que a gente precisava ter uma unidade nesse álbum. Então, ele propôs de gravarmos minha voz no mesmo microfone em todas as faixas, comigo tocando violão do meu jeito e essa é a unidade do álbum que uniu todas as músicas. Essa unidade ajudou na estética sonora. Para mim, isso foi uma sacada de mestre dele. O grande desafio foi o antes de chegar na produção desse formato de cinco produtores. Quando falei com os produtores, todos toparam na hora, mas eu também tinha outras pessoas em mente. E aí vieram as perguntas: como vamos conversar com esses produtores? Quanto tempo a gente tem para realizar tudo? Como vamos desenhar a logística? Porque cada um está em um lugar. Marcelo Camelo mora em Portugal, Paul Ralphes gosta de gravar no Rio, Giba Moojen em Santa Catarina, Felipe Vassão em São Paulo… Então, o desenho de logística foi um desafio, e a escolha de repertório também. Cheguei na primeira reunião com o Paul com 35 faixas e aí ele disse para fazermos dez. Tentei deixar em doze, até que ele propôs onze e me soou super bem, porque sou um amante de futebol e eu pensei: “É o dream team!” (risos). Outra curiosidade, Mari, foi que, durante as gravações e viagens, alguém sempre lembrava de uma música perdida, como Uma Porrada de Problema e A Gente Pode Sair Dessa. No final, a gente estava fazendo o álbum oficial e pensando em um deluxe para que as músicas que ficaram de fora não perderem o andar da carruagem. O amarrar dos clipes com o teaser e com a capa também foi um desafio. Cheguei a um ponto de me perguntar se daria tudo certo, mas aí veio o ponto principal: a equipe. Quando eu falei para todo mundo como eu gostaria que as coisas fossem, todo mundo abraçou as ideias e deu tudo certo.

MP: Você também transita diversos gêneros no álbum, né? Tem MPB, um pouco de rock, bossa nova, até um sambinha delicado. Apesar dessa diversidade, é tudo muito coeso e com a sua identidade. Quando você estava compondo ou gravando, principalmente para esse álbum, em que momento você percebeu que aquela música, mesmo com um estilo diferente, ainda é ‘sua’?

Vitor: Mari, eu percebi que sou um cara que faz canções, sabe? E vai ser muito difícil eu sair disso, porque é parte do meu DNA e acho que virou o que as pessoas esperam de mim também. Houve um alinhamento de planetas nessa questão e eu vejo que As Pequenas Grandes Coisas é um álbum de canção. Então, além daquela questão técnica da voz e o violão serem gravados no mesmo microfone, eu vejo essa questão de fazer música que deixa bem demarcado onde é o refrão e que ele é cantável, eu vejo que sou um cara disso. Acho que isso faz a conexão do álbum. Eu peguei ele um dia e ouvi de cabo a rabo pensando: “o que conecta o álbum?” e eu percebi que é isso também. É um álbum de canções. 

MP: Agora, falando um pouco sobre a estética, a capa do álbum apresenta você vestido de azul, encarando uma criança, que acredito ser você mesmo mais jovem, trajada da mesma cor. Eu interpretei essa representação como um diálogo com a sua versão mais jovem refletindo sobre o passado e os ciclos que se encerraram. É isso mesmo?

Vitor: Ah, perfeito! Putz, que bom que deu pra ficar nítido! Realmente, sou eu mais novo. E tem uma palavra principal nessa questão: essência. É uma pequena grande coisa a gente manter a nossa essência. Como eu imaginava a capa do álbum apenas uma foto, não queria nada escrito, eu queria simbolizar as pequenas grandes coisas. Então, se tu observar, sou eu, de frente para a minha essência e o meu passado, o meu passado conversando com o meu presente e o meu presente conversando com o meu passado. E as sombras estão ao contrário; a sombra da criança é maior, como quem diz “uma pequena grande coisa”. A gente olhar para uma criança feliz e para a sinceridade dela, é uma pequena grande coisa. E eu tenho uma conexão muito bonita com as crianças, então quis trazer isso para esse álbum. No teaser, também tem algumas referências pessoais, como o caderno que o menino segura e depois passa para mim; aquele é o meu primeiro caderno de música. O lance do cabelo também foi um dilema que vivi na infância, porque eu tinha cabelo comprido e tinham aqueles comentários falando para cortar, mas eu me amarrava nisso e queria ser assim. Então, vem um pouco dessa leitura do meu passado também na estética. 

MP: Queria falar sobre uma música especial, a Vai Por Mim, que você fez em parceria com o Clóvis de Barros Filho, e que é uma homenagem para o seu pai. Sei que você perdeu seu pai faz pouco tempo, então queria saber mais do processo dessa música e se ele chegou a ouvir.

Vitor: Primeiro, é muito legal falar de Vai Por Mim. É a música mais poderosa do álbum, e, com a partida do meu pai, ela ganha um poder a mais. Eu achava que não era possível ela ter mais poder do que já tinha, mas percebi que tem sim e esse poder é o meu pai. Eu escrevi essa música em 2018, né? Eu já presenciava essa vivência dele com a doença e realmente quis contar o que meus olhos viam. Na pré que fiz no meu home estúdio, peguei uma entrevista de Clóvis de Barros com Abujamra e colei esse trecho, mas quando mostrei ao professor Clóvis, ele disse que a mensagem tinha que terminar positivamente, querendo que meu pai voltasse à vida. Então, regravamos com o maior cuidado, choramos muito no estúdio e Marcelo foi super sensível em toda essa questão do meu pai. A esperança era de poder mostrar a ele, mas a doença tomou conta de uma forma que começamos a repensar se mostrar essa música para o meu pai seria algo positivo ou reverso. Então, fui segurando e esperando o momento certo de mostrar, mas não deu. A oportunidade que eu, minha mãe e meu irmão tivemos de mostrar para ele foi no velório dele. E, cara, foi lindo! Senti uma sensação incrível, como se ele estivesse ali falando: “E aí, filhão? Tô aqui. Essa música vai ajudar muita gente. Obrigado pela homenagem. Vamos em frente!”. Ele era um cara que gostava de ajudar as pessoas e essa música pode mostrar até um outro lado meu. As pessoas, às vezes, fazem uma leitura rápida nas redes e veem esse cara super solar, que está sempre bem, mas não é assim. Quis mostrar isso no álbum também. Tenho a impressão de que essa música vai ajudar muita gente que passa por isso.

MP: O título As Pequenas Grandes Coisas carrega uma mensagem forte, assim como as músicas que são tijolinhos que passam essa mensagem. Como você mesmo mencionou, é como se mostrasse aquilo que muitas vezes passa despercebido no dia a dia pode ter um impacto enorme na nossa vida. Em que momento esse nome surgiu pra você?

Vitor: Primeiro, eu pensei na cor. As Pequenas Grandes Coisas começa a dar sinal quando me vem a ideia do azul. Saímos de uma gravadora, ficamos independentes, eu e meu irmão tocando as coisas, mudei para o interior… Naquele momento, eu percebi que um céu azul abriu na minha frente, com novos horizontes. Então, comecei a viver essas pequenas grandes coisas. Comecei a dar valor a pisar na grama, cuidar do quintal, cuidar da obra da casa e tudo mais. Graças à criação da minha família, sempre fui de cumprimentar todo mundo, principalmente nos shows onde sempre agradeço e cumprimento todo mundo, desde o motorista até a moça da faxina e o pessoal comentava sobre esse gesto. Porque, querendo ou não, é algo que fica, né? Pô, você pode melhorar o dia de alguém com um cumprimento de que seja. E aí, conforme ia vivendo, volta e meia essa frase aparecia: “ah, são as pequenas grandes coisas, né?”. Eu fico escrevendo em avião e comecei a desenhar alguns nomes, até que cheguei em As Pequenas Grandes Coisas. Falei: “cara, isso aqui é título de filme, de livro, de álbum, de música!”. E aí, só tive muita certeza que era o nome certo.

MP: E o que você espera que seus fãs e o público absorvam com esse álbum?

Vitor: Eu espero mesmo que as pessoas estejam de alma e peito aberto para ouvir esse álbum. Não vou ser hipócrita, vou ser super feliz se esse álbum alcançar pessoas novas que não tinham admiração pela minha arte. Mas, primeiramente, As Pequenas Grandes Coisas são para as pessoas que gostam de mim e estão de peito aberto para me ouvir. Quero que peguem o álbum para ouvir, de manhã, durante o cafezinho e escutem vivendo a vida. É um álbum que me transforma como ser humano e quero que também transforme as pessoas como seres humanos; que elas parem, e prestem atenção, em fim, nas pequenas grandes coisas.

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