“Vale Quanto Pesa”: Pedro Luís conta sobre gravar Luiz Melodia

foto por nana moraes

Houve um movimento interessante quando o Brasil e o mundo perderam Luiz Melodia em agosto de 2017 e algumas pessoas se levantaram nas redes sociais dizendo não conhecer o artista, e todas se surpreenderam ao verem suas músicas citadas, percebendo que nós aqui crescemos escutando suas composições nas mais variadas vozes. Na missão de manter o nome do compositor em evidência, foi a vez de Pedro Luís fazer sua parte no álbum Vale Quanto Pesa – Pérolas de Luiz Melodia.

Nascido de um show que Pedro – sem suas bandas A Parede e Monobloco – fez em algumas ocasiões pelo país cantando a obra de Melodia, o álbum se concentra no repertório do já clássico Pérola Negra (1973), trazendo outros grandes sucessos, como Juventude Transviada. Em belos arranjos e interpretações de grande entrega, fica clara a intenção de uma homenagem digna ao autor. Nas palavras do cantor: “Para interpretar essas canções que já foram gravadas por ele e por tantos outros grandes intérpretes, o mínimo é reverência e respeito”.

Falando ao Música Pavê por telefone, Pedro Luís contou um pouco sobre os processos criativos por trás de Vale Quanto Pesa – Pérolas de Luiz Melodia – cujo show de lançamento acontece nesta segunda-feira, 17 de dezembro, no Theatro Net Rio.

Música Pavê: Imagino que exista um movimento interessante no seu trabalho como músico de, neste disco, após mais de vinte anos apresentando um trabalho autoral, se colocar na função de intérprete. Como foi esse processo para você?

Pedro Luís: Essa percepção é bacana, essa provocação também. Foram várias coisas envolvidas, uma é a referência de quem Melodia é, outra o disco Pérola Negra ter sido muito definitivo na minha vida. Ele saiu quando eu era adolescente, quando eu ainda não tinha noção que eu seria músico. É um disco lindo, com músicas maravilhosas, um trabalho de cantautor quando esse conceito ainda estava surgindo, e uma diversidade muito instigante de estilos, o que foi muito exemplar para mim. Ele me formou como alguém que não tem medo de me jogar – a poesia me leva para a música e a música me leva para o que for mais importante de gênero para que aquela ideia se consolide. Melodia foi muito questionado quando lançou o disco, “como pode um negro do Morro do Estácio não cantar samba?” e ele respondeu a isso: “Tudo me interessa”. Isso pra mim é exemplar e acho que me valho disso no meu trabalho, poder circular pelo gênero que quiser na hora que quiser. Como autor, sempre defendi muito essa liberdade e tive o privilégio de grandes intérpretes gravarem minhas canções. Quando eu escolho fazer isso, revisitar Melodia em um disco tão emblemático, surgiram alguns desafios. Não só as canções desse álbum, mas também as outras releituras já feitas dele, têm interpretações preciosas, fortes, incríveis. Isso me obriga a buscar novos caminhos para essas canções, que já foram gravadas de maneiras tão especiais.

MP: Nesse momento aí da produção, já existe uma dinâmica de apropriação da canção, quando ela “vira sua”?

Pedro Luís: Com certeza, e legal você ter perguntado isso agora porque tá rolando uma coisa curiosa. Eu fui fazer um outro show que estou apresentando só com violão em bateria no Agulha, em Porto Alegre. Toquei minhas canções de diversas épocas gravadas por vários intérpretes. Todos cantaram junto, foi muito emocionante. No fim, eu fiz um triozinho de canções que eu já vinha fazendo antes da homenagem ao Melodia, Estácio, Eu e Você, Pérola Negra e Magrelinha, que eu emendo como uma suíte. E Ian Ramil, conversando comigo depois do show, me disse: “Cara, que interessante, você se apropria mais da canção do Melodia do que das suas” (risos). Isso foi um toque muito legal. Às vezes, você apresenta suas composições de uma forma mais desapropriada por já serem suas. Isso me deu uma provocada, foi um toque incrível: “Cante suas canções como você canta Luiz Melodia” (risos).

MP: Sobre gravar Luiz Melodia em 2018 no Brasil, para uma geração que cresceu ouvindo suas músicas sem saber que eram dele, como é para você ter essa oportunidade?

Pedro Luís: Sabe que, antes do Pérola Negra, Luiz foi gravado por duas das maiores intérpretes do Brasil: Gal e Bethânia. Mas eu fui notar isso, de que as pessoas não o conheciam, quando fui tocar no Festival de Inverno de Garanhuns e vi as pessoas muito atentas. Foi um pouco impressionante, me fez estar mais provocado para querer provocar esse projeto, porque eu acho que ele é um cara que talvez não teve o devido reconhecimento nos últimos dez anos de carreira – porque foi a década da mudança, quando você começa a consumir música de um jeito diferente, pelas plataformas digitais. Acho que Melodia merece todas as reverências e todas as janelas possíveis para que se conheça uma obra musical de uma poesia ímpar. Isso pra mim é impressionante: Se você isolar a música de qualquer canção dele, ela tem nome de projeto, nome de disco, nome de peça, nome de livro (risos), isso é muito legal.

MP: Estive com ele apenas uma vez, em um evento no qual ele estava sendo homenageado. Trocamos só algumas palavrinhas, mas foi marcante para mim o quanto ele foi atencioso e carinhoso comigo em uma situação onde todos estavam lá dando atenção a ele. Entendi que muito de sua música tem essa sua identidade nas entrelinhas.

Pedro Luís: Pois é, ele era um cara muito gentil e muito elegante. A primeira vez que falei com ele, no começo dos anos 1990, logo que fomos apresentados, ele me falou: “Pô, tu tem uma cara de maluco danada, né?” (risos), eu me senti abençoado, me senti poeta. Tive a oportunidade de tocar com ele depois. No meio do ano passado, quando ele tinha voltado pra casa do hospital, liguei pra ele, falei com a Jane [Reis, viúva do músico] para dizer a ele que estava pensando em revisitar o Pérola Negra, ela falou: “Ele está perguntando o que você está esperando” (risos). Fiquei feliz com essa bênção dele e muita pena por ele não ter podido assistir à realização disso.

MP: Sobre o processo de começar esse tributo como show, depois levá-lo para o estúdio, em que aspectos essa dinâmica foi decisiva para o álbum ter a cara que tem?

Pedro Luís: Sempre que você vai para a estrada antes de gravar, o disco tende a ser melhor (risos), você vê onde você tá errando e o que pode ser melhor. Quando encontrei o Rafael Ramos (produtor do disco), estávamos na casa da Elza [Soares] na audição do Deus É Mulher – que é um verso meu de uma faixa minha que ela gravou -, contei pra ele do projeto e ele falou “vamos fazer”. Eu disse: “Rafa, isso a gente grava muito rápido”, porque os meninos são tão bons músicos que vai ser como antigamente, entrar no estúdio e gravar cinco takes de cada música, escolher o melhor e “vambora”.

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