Tulipa Ruiz e a música do ano: “Víbora”

Uma das maiores agitações desse início de semestre no Brasil foi o lançamento de Tudo Tanto, o segundo álbum de Tulipa Ruiz, que teve algumas faixas reveladas previamente, mas escondeu seu maior ouro até o lançamento: Víbora. Seus primeiros acordes já revelam que o que virá pela frente na faixa é bem diferente do clima leve e sorridente que dominou o disco até agora. Baixo e guitarra preparam o terreno para um dos mais fortes lamentos que a música brasileira registrou recentemente, uma conquista em versos, melodia e interpretação que nem sempre é encontrada.

“Teria sido bem melhor se você tivesse nos contado tudo” inicia a primeira estrofe sem rodear o assunto, já explicitando o desabafo lamentoso que dá o tom até o fim da canção. Tulipa sabe flexionar a métrica das frases e as nuances de sua voz, reunindo forças em uma progressão que utiliza bem o impacto que cada palavra tem naturalmente (“mudo”, “esquisita”, “juro”) até o verso que abre o refrão e batiza a faixa (“Até parece máscara, ópera, víbora”), uma coleção de trissílabas proparoxítonas que prepara musicalmente o ouvinte para os próximos versos, que segue esse padrão para encontrar as tônicas de cada frase em tamanha harmonia que o ouvinte passivo pode não se dar conta da ausência de rimas: “Mas é só você/que tem o dom/de me enganar/me seduzir/me desdobrar/de me cuspir/só pra me obter”.

É um retrato do lado de quem fica obcecado em um relacionamento em que a outra pessoa detém algum tipo de “poder” que lhe dá o controle da dinâmica da relação – no caso, uma situação maligna que corrói emocionalmente o eu-lírico na passividade de aceitar as migalhas esporádicas da pessoa desejada. Víbora vem como a catarse que tenta exorcizar esse câncer, trazendo em sua conclusão a afirmação da identidade dos dois: “Metade homem, metade omisso/Uma parte morta, outra parte lixo/Não sou moura torta, macabea, poliana, franciscana/Nada pra você/E você é um equívoco”.

Tudo isso é amarrado com a participação de Criolo, co-autor da música, em sussurros, risadas e suspiros, e uma interpretação primorosa da cantora. A sensação é aquela de descobrir algum disco da Elis Regina em casa durante a adolescência e se espantar com aquele potencial dramático – uma surpresa que esclarece por que todos os adultos sempre falaram tanto dela. Víbora explica de uma vez por todas a presença de Tulipa Ruiz em listas de melhores ou como referência para o que há de melhor sendo feito no Brasil hoje. Se Tudo Tanto é um bom disco de músicas alegres, essa faixa surge justamente para equilibrar as emoções e expor indiscutivelmente a versatilidade e potencial da cantora.

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2 Comments on “Tulipa Ruiz e a música do ano: “Víbora”

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