Tiganá Santana: “Cantar é falar da percepção sobre a minha vida”

A fala de Tiganá Santana é de um refinamento ímpar, semelhante ao conteúdo denso de suas músicas e do timbre ao mesmo tempo instigante e confortante de sua voz. Na promoção de seu recém-lançado Vida-Código, o músico baiano falou ao Música Pavê por telefone de sua visão sobre o fazer criativo e o que o levou ao seu novo e quarto álbum.

Quem já o viu no palco bem sabe o quanto seu vocal impressiona e abraça o ouvinte, talvez de maneira ainda mais intensa do que no disco. O primeiro comentário sobre seu trabalho ser sobre sua voz, algo frequente para o artista baiano, é algo que ele encara com surpresa, visto que seu objetivo nunca foi cantar. “Desde que comecei a estabelecer uma relação profunda com a música, mesmo ainda não com tanto tempo de um fazer musical, não era a materialidade da voz que se configurava como ponto central da minha relação com ela”, conta ele, “a composição era de fato a manifestação que fazia com que a música fosse algo que ocupasse centralidade na minha vida, a possibilidade de inventar, de criar, de expressar uma interpretação do que se passava pela vida”.

Tiganá explica que a voz que mais lhe chamava atenção era a “das ideias, dos sentimentos, dos pensamentos”, que passou a ganhar “um corpo externo a mim mesmo. Comecei a escutar essa voz sobretudo diante dos registros, ou mesmo nas apresentações musicais, quando a gente vai descobrindo como a nossa voz opera diante das amplificações tecnológicas e das outras pessoas. Essa voz externa, que operava para os meus ouvidos externos, passou a ser incorporada também. Há uma voz interna que eu não ouço de modo material. Entendo a textura, os lugares e as frequências que essa voz ativa me dizem”.

“Essa voz interna, que é amorfa para mim, que não é revestida de uma materialidade que eu posso esgotar em alguma medida nos ouvidos, ela ainda é quem diz alguma coisa para mim. Abrir a boca e cantar é falar da percepção sobre a minha vida. Se fosse tão somente por causa dessa voz materializada, que sai por meio das frequências, com um timbre característico… se fosse só por isso, eu não estaria na música.  Há algo que me toca mais e me coloca em um lugar de estar dentro desse enorme universo da música, do qual eu faço parte de um pedacinho ínfimo. A composição de fato é o que faz que eu me considere alguém da música.  [Minha] relação é absolutamente profunda e silenciosa com a música, de recebê-la e poder imprimir-me por meio dela. É receber música e expressá-la por meio da invenção”.

Vida-Código recebeu recentemente seu primeiro videoclipe (que pode ser visto acima), para a faixa-título. Realizada por uma equipe na Suécia, a produção foi acordada por seu selo, e Tiganá brinca que “soube do clipe quando todo mundo soube (risos)”. Descrito como “lindíssimo”, o clipe agradou o artista em primeira instância por poder “ver a canção interpretada por um artista que desempenou uma performance baseada na interpretação de outro artista” – o que se relaciona muito com o que ele tem vivido, “interações artísticas e de linguagens. Acabei de vir de uma residência na França com um dançarino e coreógrafo e desenvolvemos um espetáculo que mescla artes cênicas e música”.

Ao comentar a produção desse álbum, o quarto em sua carreira, Tiganá diz que “fazer um disco hoje é querer dizer alguma coisa que artisticamente, de um ponto de vista global, dentro do meu próprio universo, não havia sido dito”. Relembrando os outros volumes de sua discografia, ele reflete que “quando você começa, não sabe se vai registrar efetivamente um primeiro álbum, é um trabalho de recolha do que se produziu, do que se fez, e depois de depurar isso e ver o que tem coerência narrativa. No segundo, eu achava que tinha algo a dizer do ponto de vista musical que não tinha dito no primeiro. O terceiro foi fruto de uma experiência de residencia artística no Senegal, uma reunião afrobrasileira pouquíssimo feita aqui desse modo. E pra mim essa é a razão que eu possa fazer um disco, o que puder sentir a esse respeito de fazer algo novo”.

Ele, que já possui conteúdo para um quinto álbum, além de ter sido convidado para reinterpretar Milagre dos Peixes (que Milton Nascimento lançou em 1974), diz querer produzir “até quando isso artisticamente me falar algo. Acho que ser artista é ser artista. E a poesia não está restrita, há poetas que não fazem poemas. Mas eu estou sempre atento ao fato de que a atividade artística é uma atividade de vida. E a vida é paisagem, os discos são fotografias”.

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