Thundercat: “A nostalgia é limitada, o atemporal se mantém vivo”

Seu sorriso não esconde como Thundercat se sente por estar mais uma vez no Brasil, para uma série de quatro shows. “É um dos meus lugares favoritos no mundo. E, claro, é por causa da música. [Mas também] pela comida, pela beleza da cidade. As pessoas são lindas. Tenho muitas memórias boas daqui”.

Ele falou com o Música Pavê na manhã de 19 de agosto, véspera de seu show em São Paulo (Audio). Na quinta (21), ele estará no Rio de Janeiro (Circo Voador), depois tocará em Porto Alegre (Opinião, 23) e Curitina (Ópera de Arame, 24). Ao ser perguntado o que espera das apresentações, responde: “Sempre aprendi a não criar muitas expectativas. O que eu espero, se é que espero algo, é me divertir”.

Dono de parcerias com gente do naipe de Gorillaz, Tame Impala, Steve Lacy, Silk Sonic e até Ariana Grande, Stephen Burner conversa com calma e uma certa firmeza na voz – uma energia diferente do artista que conhecemos por suas músicas. Ele sorri à vontade enquanto pensa brevemente nas respostas e se empolga ao falar de Milton Nascimento.

Música Pavê: Faz um tempo desde o último disco (It Is What It Is, 2020), mas você esteve muito ocupado. Como esse período entre álbuns tem sido para você?

Thundercat: Talvez este seja o intervalo mais longo entre dois álbuns meus. Sempre tenho em mente a importância de confiar no processo. Entre álbuns, nunca pensei demais, sabe? Mas, nos últimos anos, as coisas estavam… digamos, submersas. Eu simplesmente ia parar em lugares e situações diferentes. Neste momento, houve uma mudança muito grande na minha vida, então o processo para este álbum também é diferente. Minha vida mudou e, consequentemente, minha música também.

MP: Quer falar mais sobre essa mudança em sua vida?

Thundercat: Bem… uma forma simples de colocar é: eu parei de beber. O que era uma parte enorme da minha vida, por muitos anos. E eu parei porque a vida, de certa forma, me obrigou a parar. Foi um aprendizado me reconhecer fora desse contexto, e foi muito intenso.

MP: Entendi. Imagino que isso tenha um impacto direto na maneira como você experimenta a música.

Thundercat: Com certeza. Mas, acredito, do melhor jeito possível. Eu nunca precisei da bebida para fazer música – eram mundos diferentes para mim, que às vezes até se cruzavam, mas não eram a mesma coisa. Então, agora a questão é entender quem sou eu fora disso.

MP: Você já colaborou com muitos artistas diferentes. Qual a importância dessas parcerias para a sua criatividade? E como elas impactam a sua própria música?

Tuhndercat: Em primeiro lugar, fico muito feliz de trabalhar com as pessoas com quem trabalho. Eu gosto muito do processo colaborativo. É fundamental. No fim das contas, como músico, você é sempre parte de algo maior. Claro que pode fazer tudo sozinho, mas colaborar significa aprender a se comunicar, entender como criar em parceria em um contexto social e musical. Ao longo dos anos, vejo minhas colaborações como pinturas, desenhos, esboços. Quando olho para trás, sinto orgulho.

MP: Imagino também que, a esse ponto da carreira, você tenha uma ideia clara das pessoas com quem quer trabalhar, e talvez também do que não quer fazer.

Thundercat: Para ser honesto, acho que o momento em que você acha que sabe é justamente quando se limita. Então prefiro me manter aberto. Não sei quem vem a seguir, e isso é tão desafiador quanto empolgante. Essa é a graça da jornada.

MP: Interessante. Ouço sua música há muito tempo e é curioso como, agora, você me transmite uma energia muito centrada, diferente da impressão que eu tinha só ouvindo suas canções. É um contraste positivo.

Thundercat: Talvez eu só saiba falar bem em entrevistas.

MP: Ou, talvez, fale bem até demais.

Thundercat: (Risos) Não se preocupe, já fui bem caótico durante muitos anos.

MP: Você tem um estilo muito particular, uma estética marcante. Isso surge naturalmente ou existe a intenção de criar coesão?

Thundercat: Sempre amei moda. Minha família inteira é muito criativa no modo de se vestir. Acho que vem daí, sempre foi natural. Para mim, moda e música são saídas criativas que se complementam. Cresci em um ambiente em que se esperava que o músico usasse terno para ser respeitado. Quase como um uniforme. Isso pode ser limitador para a energia criativa. No outro extremo, claro, há quem saia de casa parecendo que está indo para o Carnaval todos os dias. Mas sempre preferi ser eu mesmo. Meu cabelo, por exemplo, não ficava tão comprido desde a infância.

MP: E, me diga: Sua música é feita é nostálgica ou atemporal?

Thundercat: Espero que atemporal. Porque a nostalgia é limitada, passageira. Já o que é atemporal se mantém vivo, e a nostalgia vem justamente porque aquilo resiste ao tempo.

MP: Nostalgia é a tentativa de voltar, enquanto a atemporalidade é simplesmente flutuar sobre o tempo.

Thundercat: Exato. É como o vinil: já disseram tantas vezes que estava obsoleto, mas hoje é mais valorizado do que nunca. O mesmo vale para a fita cassete. O streaming trouxe novas possibilidades, mas também suas limitações — e agora falam até em música criada por inteligência artificial. Nada disso substitui a essência do que é atemporal.

MP: Você tem escutado música brasileira contemporânea? Vai aproveitar o tempo no Brasil para conhecer sons novos?

Thundercat: Com certeza. Assim que terminar as entrevistas, vou direto às lojas de discos. A única coisa que procuro na música é beleza. Seja simples, seja complexa. É por isso que Milton é um dos meus músicos favoritos: ele trouxe beleza para a música.

MP: Concordo totalmente. Você chegou a conhecê-lo pessoalmente?

Thundercat: Sim, um pouco. Foi engraçado, no dia em que o conheci, ele ficou meio irritado por eu não falar português (risos). Fez assim com as mãos [gesticula como quem pede a alguém que saia da sua frente]. Mas, respondi: “Pelo menos consigo cantar cinco ou seis músicas suas”.

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