The Baggios: “Não tem sentido fazer ‘mais do mesmo'”

foto por alfredo portugal

Vulcão é um disco que mostra que nossas definições de The Baggios precisam ser atualizadas. Com um integrante a mais em sua formação, o agora trio faz mais uma vez por merecer os elogios arrecadados por onde passa – seja nos muitos shows que faz pelo Brasil ou nas turnês fora do país – com um som múltiplo e rico que vai muito além da terminologia “rock” utilizada frequentemente para catalogar seu trabalho.

“Nosso som é uma mescla de música brasileira com rock”, contou Julio Andrade ao Música Pavê minutos antes de um ensaio em São Paulo, onde a banda toca nesta quinta-feira (Casa Natura Musical, às 21h30), “e falar em ‘música brasileira’ já traduz tudo para mim, porque é a soma de tudo”. “Eu fico até confuso com essa insistência de achar uma denominação pra parada”, comentou o baterista Gabriel Carvalho, “se você pegar Os Mutantes, Raul Seixas – isso só pra falar dos mais populares -, pra gente sempre foi rock, mas tem baião, tem várias outras coisas. Parece que rock é só se for algo americano mesmo, uma construção musical de composição mais quadrada”.

Tô ouvindo coisa pra caralho, e tudo o que me toca, eu trago para as composições”, conta ele, “o que me mantém vivo e com vontade de produzir é a possibilidade de se reinventar, de trazer para a música os elementos que eu vou descobrindo com o tempo. Vem junto da maturidade, de uma mente mais aberta para você ouvir tudo. As descobertas que me tocaram nos últimos anos foi uma galera do norte da África. Quis descobrir esses novos links de guitarra, essas harmonias, coloquei no disco umas referências de desert blues, de música nordestina, guitarras meio turcas, e muitas pessoas associam aquilo de uma maneira diferente. Mas não tem sentido fazer ‘mais do mesmo'”.

“Um dia desses, alguém me perguntou ‘e a salvação do rock?’ (risos), eu falei ‘o rock se reinventa’. Todo ano, surgem bandas novas muito fodas, mas as pessoas estão tão apegadas àquele formato Led Zeppelin”. Ele brinca com a tal da “salvação” porque The Baggios já recebeu esse status no cenário roqueiro brasileiro, um meio com o qual seu som dialoga, mas não se limita a estar enraizado. “Eu me sinto mais à vontade no lugar onde tem essa democracia, onde todo mundo tá ali pra ouvir coisas novas. Acho massa que The Baggios está conseguindo se inserir no espaço da música brasileira mesmo, não um cenário só rock”.

Com participações de Céu (Bem-Te-Vi) e BaianaSystem (Deserto), Vulcão é uma dessas obras que parecem feitas para percorrer o maior número de quilômetros possível, já que, com sua variedade sonora e mentalidade mais contemporânea, dialoga com tanta gente no país e fora dele. É fruto também das experiências que The Baggios acumula nos palcos, nos bastidores e como plateia de tantos shows nos últimos anos.

O que eu acho massa nos festivais é perceber que tá todo mundo numa vibe muito parecida, de querer compartilhar o que você tem de melhor, de trocar ideia, de descobrir coisas novas”, comenta Julio, “os artistas que se fecham demais, mesmo com oportunidade de ver um show de uma banda que não é parte do círculo que eles ouvem, acabam ficando muito limitados. Essas influências que a gente traz para os discos são resultado não só do que a gente vê ao vivo, mas também de indicações. Quando a gente conversa com músico, é quase só sobre música, né? (risos) Sempre tem um nome que o cara fala, ‘não sei quem lá é foda’, eu chego em casa e ouço. Essa troca, pra gente que está querendo se renovar, é fundamental”.

O que o trio vem fazendo faz parte também de um movimento maior por todo o país, de mudanças e quebras de paradigmas na música e além dela. Tem a ver com a questão do rock já comentada, tem a ver com o momento sócio-político que o Brasil passa e tem a ver com ser uma banda de Sergipe nesse contexto.

“A gente se acostumou a chamar o que vem do Nordeste de ‘música regional’, mas, se você parar pra pensar, o rap é música regional de São Paulo então? Já saiu matéria no jornal falando ‘The Baggios: a música com sotaque’. Agora sotaque virou uma qualificação? (risos)”, comenta Gabriel. “Parece que o que vem de lá [do Nordeste] é diferente, porque o eixo das informações tá aqui [no Sudeste]”, diz Julio.

Ele continua: “A gente vive em uma realidade muito mais de boa, porque a música tem essa capacidade de união nos festivais. Também é foda quando os artistas conseguem fazer colaboração com outro, o que fortalece o Brasil como um todo. Vivendo do Ócio tá tocando uma música nossa nos shows (Sangue e Lama). Eu fiquei feliz pra caralho, uma banda com vários discos lançados, tem muita música pra tocar em show e escolhe tocar uma nossa”.

Tudo isso está muito presente nas entrelinhas de Vulcão, um disco que, como a banda afirma, chega em uma sequência temática de Brutown (2016). “Um álbum pra mim é um retrato do momento, é tipo um filme, porque ele registra o que a gente está vivendo”, explica Julio, “Brutown eu escrevi sobre os três anos que eu morei em São Cristóvão notando os hábitos sendo mudados, as pessoas cada vez com mais medo, mais desesperançosas, o caos urbano, violência, escândalos políticos, e a população sempre perdendo. Caralho, foi triste pra caramba. Daí, depois, eu comecei a viajar – ‘Como que a pessoa lida com o caos? Como ela dá conta de não entrar nesse redemoinho?’ – e Vulcão é isso, é a fuga da cidade para o campo, buscando um modo de vida mais calmo, para a pessoa se conectar consigo mesma, sem se deixar levar pela vida mecânica do trabalho, do dinheiro, da vaidade, das coisas que a cidade e o mundo consomem na gente”.

Brutown foi quando eu comecei a falar disso porque eu senti na pele”, continua o compositor, “parece que a gente precisa vivenciar algumas coisas, precisa levar uns tapas pra poder se dar conta da merda em que a gente tá se metendo. Acho que isso é falta de refletir as atitudes, os pensamentos. E é questão de agir com consciência, não no embalo do movimento, dos burburinhos, das falsas notícias”. Sobre esse momento também, Gabriel adiciona: “A gente vê as coisas acontecendo, tipo nos shows de Roger Waters, e pensa ‘que caralho que tava na cabeça das pessoas que não entenderam as músicas?’. Me deu um bugzinho na cabeça pela quantidade de gente falando”.

“A gente chegou em um momento de erupção”, explica Julio, “a analogia do Vulcão é essa, de estarmos vivendo em nosso extremo e, a qualquer momento, um vai surtar, o outro vai desistir. É uma linha bem cabulosa dos dois lados. É sobre nós, sobre o indivíduo, que guarda suas angústias e suas frustrações. Precisamos tratar isso para, mais na frente, não nos tornarmos agressivos, ou extremistas, ou inconsequentes que não conseguem dialogar com os outros”.

Curta mais de The Baggios e de outras entrevistas exclusivas no Música Pavê

Compartilhe!

Shares

Shuffle

Curtiu? Comente!

Comments are closed.

Sobre o site

Feito para quem não se contenta apenas em ouvir a música, mas quer também vê-la, aqui você vai encontrar análises sem preconceitos e com olhar crítico sobre o relacionamento das artes visuais com o mercado fonográfico. Aprenda, informe-se e, principalmente, divirta-se – é pra isso que o Música Pavê existe.