Terno Rei Muda de Fase em “Nenhuma Estrela” (e Espera que Você Também)

Para quem se sentia livre ao se jogar no azul e no infinito desses braços lá em 2019 com Violeta, ou viveu intensos Dias da Juventude com Gêmeos em 2022, Nenhuma Estrela chegou para apaziguar a inquietação dos corações melancólicos. Três anos depois, Terno Rei – formada por Ale Sater (voz e baixo), Bruno Paschoal (guitarra, vocais e sintetizadores), Greg Maya (guitarra e sintetizadores) e Luis Cardoso (bateria e vocais) – volta com um disco que marca uma nova fase, mergulhando em um processo de amadurecimento leve e experimental, explorando novas texturas, sonoridades e colaborações.
O disco, produzido pelo curitibano Gustavo Schirmer com mixagem do francês Nicolas Vernhes, reflete, nas palavras do vocalista Ale Sater, o momento dos 35 anos em diante, apresentando uma transição clara: se os trabalhos anteriores nasceram no calor da juventude e da euforia, Nenhuma Estrela vem de um lugar mais reflexivo, quase como um respiro profundo na carreira da banda. “Não foi nem aquele deslumbramento do Violeta, nem o estresse que foi Gêmeos”, ele diz, sem amargura, mas com a consciência de quem aprendeu a saborear o tempo com mais calma. O resultado é um disco maduro, que conserva a introspecção característica da banda, mas ousa pisar em terrenos ainda inexplorados.
Nessa entrevista com o Música Pavê, ficamos por dentro dos bastidores dessa gestação criativa, discutimos os desafios e delícias de amadurecer com a própria música e questionamos a relação afetiva com o público que cresce junto com a banda.
Música Pavê: Três anos depois de Gêmeos, vocês lançam Nenhuma Estrela. Se pararmos para pensar, esse não é um tempo tão curto de intervalo. Queria saber como foi esse processo de gestação do álbum, em que momento da vida de vocês ele nasceu?
Ale Sater: Depois de Gêmeos, ficamos mais de dois anos fazendo turnê, bastante show mesmo. Então, não conseguíamos nem pensar em começar a gravar um novo disco, até por causa da pandemia, né? Teve um momento sem muitos shows, então aproveitamos para dar um gás. Tinha dois discos meio que recém-lançados, que eram Violeta e Gêmeos. Nenhuma Estrela fala bastante sobre esse momento de maturidade. Eu acho que dos 20 aos 30 anos ali, tem um sentimento muito grande de euforia, de empolgação, de viver as coisas de uma forma muito deslumbrada — nos melhores sentidos, não no sentido negativo. E aí, acho que esse disco reflete esse momento nosso, já 35+. Eu sou o mais novo da banda, eu tenho 35. Lubas e Greg têm 37 e Sad, 36. Então, a gente já está com outras coisas na cabeça, já pensando o tempo de outra forma. Já é muito difícil de se deslumbrar com alguma coisa e várias letras do disco trazem isso, né? Mas é um momento de maturidade, de reflexão. Continua sendo introspectivo como sempre foram as músicas da banda, mas com essa pitadinha a mais.
MP: Antes do lançamento, achei que eu ia conseguir encaixar esse disco numa caixinha: ou ele seria parecido com Violeta, ou com Gêmeos, porque eu sou meio apegada nesses. Mas, não! Nenhuma Estrela surpreende demais. E deu pra sentir que vocês exploraram essas novas sonoridades e novos caminhos. Como foi esse processo de se permitir, como você falou, esse amadurecimento, e experimentar além, nesse novo trabalho?
Ale: Foi bem gostoso, na real. O momento do Violeta foi meio de epifania, que tudo deu certo. Nunca tínhamos trabalhado com Schirmer e foi uma relação que estava começando, então foi muito divertido. O momento de Gêmeos não foi tão divertido porque, sei lá, veio uma pressão, né? Éramos uma banda muito pequena, e depois de Violeta, foi uma coisa que se tornou em pessoas querendo saber o que faríamos, que tinham expectativas sobre nós. Tinha até um grupo, uma equipe que trabalhava conosco nos shows, que também dependia parcialmente disso. E nós mesmos, trabalhando com isso agora. Enfim, havia uma carga, uma responsabilidade grande. E aí, depois que deu certo, essa turnê Gêmeos inteira foi incrível. Pô, não tem o que falar. É um disco com várias músicas que amamos. Acho que não havia mais pressão, tá ligado? Então, pudemos fazer 100%. Não que tenhamos sido influenciados, mas a cabeça, né? A cabeça sofre um pouco no processo, e dessa vez não teve sofrimento nenhum. Não foi nem aquele deslumbramento do Violeta, de conhecer Schirmer e gravar em Curitiba pela primeira vez, e não foi também o estresse que foi Gêmeos, que era a responsabilidade e tal. Dessa vez, estávamos mais maduros — de novo, para usar essa palavra — e podendo aproveitar cada momento. Foi muito divertido e tranquilo. Não foi uma coisa errática. Curtimos cada etapa do processo, também tentamos trabalhar muito as músicas em banda antes de produzi-las. Então, das 13 músicas, 10 delas tocávamos em estúdio, em ensaio. Estavam prontas. Até teve algumas que foram para o lixo, e só três que meio que fizemos no computador, assim, né? Que é Tempo, a música eletrônica — que ela realmente é uma música de computador —, e aí Próxima Parada e Viver de Amor, que são músicas que estavam muito no fim do processo. Já estávamos gravando, eu trouxe a ideia, e meio que já me coloquei no computador e já pintei. Foi muito gostoso fazer essas músicas, inclusive. Outra coisa é que tivemos um processo longo de produção também, bastante tempo com ochirmer, que é o nosso produtor. Viajamos três vezes para Curitiba, ele viajou umas duas pra São Paulo. Cada uma dessas viagens foi de cinco ou seis dias. Pudemos curtir cada arranjo, explorar cada arranjo, explorar cada coisa das músicas. No todo, foi um processo muito, muito legal, assim. Muito, muito divertido e muito tranquilo.
MP: Ai, que bom! Deu pra sentir bastante que vocês aproveitaram esse momento. Quando escutamos, foi bem legal. Você falou de Tempo. Tempo é uma faixa super destaque em Nenhuma Estrela, né? Tem essa vibe mais dançante, é quase como uma discoteca, assim. É bem diferente dentro da sua discografia. Queria saber se essa já era uma vontade antiga. Vocês já queriam explorar esse estilo?
Ale: Pior que, verbalmente, nunca conversamos sobre isso. A história dessa música é que eu brinco com os samples que tem na Internet, pra tentar me inspirar. E aí eu peguei um sample lá que bateu muito pra mim. Na hora que ele bateu, já veio, assim. É muito legal isso, quando o processo é muito inspirativo e tudo vem como um vômito. Tipo, já joguei a bateria, joguei o synth base e já tinha uma base de música pronta. Faltava só uma melodia. Já tinha a melodia do refrão. “Você quem me desperta“ já rolou assim. Nossa, falei: “Caraca, muito da hora”, sabe? Então foi uma coisa bem espontânea também. O que é sempre bom na música. Transpiração é bom também. Tem músicas que, na transpiração, saem super bem, mas essa foi uma música bem inspiração, e que nunca tínhamos conversado entre nós. Falamos sim de fazer uma música que não tivesse bateria, desde o primeiro disco. E neste, por exemplo em 32, falamos de ter a música com Sad cantando — já fizemos umas duas ou três dessas, mas nunca tínhamos falado de música eletrônica. Só trouxe para os moleques, eles gostaram e falaram: “vamos colocar no disco”. E aí, produzimos bonitinho. Uma coisa diferente e arriscada, né? Era uma das músicas que eu tinha mais curiosidade de saber, e até um pouquinho de medo do que o público ia achar, porque é bem diferente do que fazemos.
MP: Total. Para mim, foi a faixa de destaque do álbum. Falei pra todo mundo: “Gente, Tempo é a faixa de destaque. Não tem como”. É totalmente diferente de tudo o que já ouvimos de vocês.
Ale: É legal, cara. Pisar fora do quadrado que você tá acostumado, assim, e ver o que sai. Porque pode sair uma merda, mas pode ser uma coisa que bate em você e você quer soltar.
MP: Querendo saber um pouquinho mais dessas influências, tanto internas quanto externas para criação de Nenhuma Estrela. Vocês trazem bastante referências dos anos 80, 90 – assim como eu disse, essa discoteca de Tempo, por exemplo. Como foi equilibrar essas influências, mas, ao mesmo tempo, deixar muito característico o som de Terno Rei?
Ale: Nesse disco, tem uma parte que são referências, vamos dizer assim, “mãe” para nós, né? Então, tem a música Pega, por exemplo, que tem tudo a ver com In Rainbows, que é um disco que a gente ama do Radiohead. Tem essa música 32, que tem tudo a ver com o The Smashing Pumpkins com Gish. Tem a música Peito e a música Acordo, que têm muito a ver com Prefab Sprout — uma banda dos anos 80 e 90 mesmo, meio soft pop, que adoramos muito. Mas também tem coisas de referências novas, no caso de Próxima Parada, por exemplo, é uma coisa que nunca fizemos, né? A música toda se baseia numa bateria de MPC, tem um certo balanço que normalmente não tem nas músicas que a gente faz — aquele “tuc, tuc, tuc, tuc”. Isso é uma parada nova. E aí, sobre equilibrar isso com as nossas características, temos muito carinho pelo processo de gravar, a execução da gravação, a mixagem, a masterização depois. Estamos próximos desses momentos do trabalho, bem próximos mesmo, para ajudar o processo a ser mais cíclico. E, querendo ou não, colocando as nossas mãos, o jeito que eu canto, o jeito que Lubas toca bateria, Greg tocando guitarra em Nenhuma Estrela, o solo de Próxima Parada, eu sei que é Greg. Muitas pessoas, acho que são bem fãs da banda, vão saber: “Nossa, esse é o tipo de solo que ele faz, de uma notinha só”. O jeito que Sad faz algumas bases, tipo, ele faz em Programação Normal e Coração Partido, eu sei que é Sad tocando guitarra ali, tocando violão. Então, acho que esse lance da característica do traço pessoal está bem explícito. No fundo, não teve um grande trabalho em equilibrar as coisas. Foi bem natural, tá ligado? É basicamente nós tocando nossas composições, e apimentando isso com referências que gostamos, sabe? Ah, de timbre: “Vamos usar essa guitarra”, “Vamos usar esse microfone na caixa pra essa música”, “Vamos gravar duas vozes”. Em Coração Partido, gravamos duas vozes e para ver no que dava. Enfim, são coisas que gostamos e que sabemos fazer.
MP: Agora, queria falar sobre a parceria de milhões: Lô Borges e Terno Rei. Me conta como surgiu essa colaboração em Relógio? Imagino que tenha sido algo muito simbólico para vocês, uma grande ponte entre gerações, né?
Ale: Foi mesmo. Assim como aconteceu com Tempo, Próxima Parada e Viver de Amor, tudo rolou de forma super espontânea. A música já estava toda gravada, inclusive as vozes, e surgiu a ideia de chamar Lô. Mandamos a faixa para ele numa quarta-feira e, na quinta à noite, ele já respondeu dizendo que tinha pirado na música, que tinha adorado. Na sexta, ele gravou; na segunda, mandou de volta para nós. Na terça, a gente já tinha mixado. Foi tudo muito rápido e leve. E teve muito encaixe, sabe? A voz dele combinou demais com a composição, com a letra da música. Tem um quê meio surreal em Relógio, tipo “pedala até o relógio”, é uma imagem meio onírica. Isso tem muito a ver com o que ele escreve, com sua obra. É uma faixa cheia de acordes com sétima maior, então tem mesmo esse clima que remete ao universo dele. E, além dessa conexão estética, a leveza com que tudo aconteceu ajudou a deixar o resultado ainda melhor. Quando ele mandou as vozes, já estava praticamente perfeito. Ouvimos e pensamos: “Nossa, ficou melhor ainda do que era antes”. E esse é o propósito de um feat, né? Estar junto com alguém diferente, que traga algo novo e melhore a música. Depois, tivemos a chance de conhecê-lo pessoalmente, o que também foi muito especial. Foi uma honra enorme. Ele é uma lenda, né? E esse foi o nosso primeiro feat. Então foi… porra… demais.
MP: Falando um pouco por mim, cada um de seus álbuns acompanhou uma fase da minha vida. E agora, com Nenhuma Estrela, sinto que mudamos de fase juntos. Vocês têm noção de como esse amadurecimento da banda também marca o amadurecimento do público? Como vocês sentem essa troca de fase?
Ale: Eu acho irado, fico muito feliz em ver como nossa música consegue tocar as pessoas e acompanhar fases da vida delas. Assim como vocês sentem isso, eu também sinto. Tem uma frase nesse disco que fala justamente isso: “Mudei de fase” em Próxima Parada. É uma música em que eu me questiono: “Será que devo continuar? Ou será que já deu? Será que mudou e entrei em outra fase?” Esse é um sentimento bem comum. Fico muito grato por saber que pessoas se conectam com isso. E também acho natural que, em algum momento, os fãs se afastem, descubram outros artistas, deem uma desencanada e depois voltem, e aí vira uma coisa nostálgica. Aí, chega gente nova, eu acho tudo isso muito irado. Para mim, é uma sorte imensa poder fazer parte desse processo. E, inevitavelmente, eu também estava passando por essas fases enquanto compunha, gravava, tocava. Então, é muito bonito ver essas duas coisas: A nossa vivência e a do público, acontecendo lado a lado.
MP: Para finalizarmos, vocês cantam em Nada Igual: “Mas eu preciso sonhar como eu preciso do sol”. Isso é muito forte. Para vocês, hoje, o que significa manter esse impulso de sonhar? Como isso influencia a forma como continuam criando e vivendo com a banda?
Ale: Eu sempre digo que faço música porque estou em busca de um sentimento muito específico, aquele arrepio no braço, sabe? Aquele momento em que você encontra uma melodia, uma harmonia, ou quando uma produção vira a música de cabeça pra baixo e, de repente, tudo faz sentido. E tem um segundo momento em que esse sentimento aparece: Quando estamos no palco, a banda tocando, o público engajado, as luzes certas, o som redondo, parece que algo se alinha e tudo simplesmente acontece. São esses dois momentos que me movem. É por isso que faço o que faço. Por isso que encaro isso quase como uma missão. Essa frase da música, “eu preciso sonhar como eu preciso do sol”, fala exatamente sobre isso, sobre seguir buscando esses momentos, criando coisas novas, vivendo a experiência do ao vivo, que é o que eu mais amo fazer. Mas, claro, é uma letra, então ela é subjetiva. Para mim, ela fala da minha relação com a música, com outros artistas, com o quanto eu sou apaixonado por isso. Mas, para outra pessoa, pode significar algo completamente diferente, pode ser um filme, uma pessoa, uma cidade, uma experiência. E tudo bem. Não existe uma única interpretação. Mas, no fundo, eu acredito nisso: Que precisamos sonhar tanto quanto precisamos do sol.
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