Sia: “Chandelier”, Hits e Arte Contemporânea
(Curta mais da série 2014 Define no Música Pavê)
Fenômenos como Chandelier não aparecem todo dia. Nem por acaso. O ápice da carreira da cantora australiana Sia se tornou uma das músicas mais icônicas dos últimos anos e, mesmo sendo um dos poucos momentos inspirados do álbum 1000 Forms of Fear, conseguiu catapultá-lo ao primeiro lugar de vendas nos EUA. Seria apenas mais um mega hit, mas o vídeo que a acompanha e as apresentações da música em programas de TV concretizaram o processo que transformou uma música pop numa preciosa peça de arte contemporânea.
Com uma carreira extensa e uma incontável lista de colaborações, Sia Furler de 38 anos conseguiu com Chandelier uma daquelas canções com a rara qualidade de serem tão definitivas que parecem já ter sido feitas antes. Inspirada na própria luta da cantora contra o alcoolismo e depressão, Sia vocaliza toda uma geração de adolescentes e jovens adultos já nos primeiros segundos de música quando diz com um tom quase infantil que “Party girls don’t get hurt” e se pergunta “When will I learn?”, e depois repete num tom quase robótico o ritual de contar até três e virar uma dose. Num primeiro instante, pode parecer trivial, mas, quando a música explode em seu refrão estratosférico, a voz de Sia rasga o ouvinte num misto de liberdade, vulnerabilidade e dor e a melancolia da música só se confirma no segundo refrão, que termina com a cantora afirmando que está aguentando só aquela noite.
Sendo Sia avessa à exposição (a cantora já saiu na capa da Billboard com um saco de papel na cabeça), a saída para transformar uma música tão complexa em videoclipe foi inusitada e conta com apenas dois elementos principais: uma coreografia arrebatadora e uma dançarina de 11 anos de idade. O resultado: o vídeo co-dirigido por ela conta hoje com mais de 390 milhões de visualizações. A estrela do vídeo é Maddie Ziegler, hoje com 12 anos, principal personagem do reality show Dancing Moms do canal Lifetime. O programa acompanha uma trupe de pequenas dançarinas sob a guarda de uma professora que resume todo o mal da face da terra e mães dispostas a tudo para verem suas crias tendo sucesso na área.
Convidada pela própria Sia via Twitter para estrelar o clipe, a pequena Maddie aprendeu a coreografia criada por Ryan Heffington em apenas um dia e o vídeo está muito além do que qualquer outro artista pop está fazendo atualmente em questão de traduzir sua música através da dança. É realmente inacreditável que uma dançarina de 11 anos tenha conseguido conduzir de forma tão madura uma coreografia complexa que lida com todos os temas que Chandelier levanta: inconsequência, vulnerabilidade, arrependimento etc. O cenário, um apartamento vazio e decadente, embala muito bem todo o conceito e o vídeo por si só já figuraria junto com a música como um símbolo de 2014.
Mas não parou por aí. As apresentações ao vivo de “Chandelier” na TV conseguiram aumentar ainda mais a mítica em torno da canção, todas elas com o cenário do clipe recriado mesmo que apenas em parte, com Sia nunca mostrando seu rosto e Maddie dançando às vezes sozinha às vezes acompanhada, e às vezes com artistas fazendo o papel de Maddie como a versão com a protagonista de Girls, Lena Dunham. Os resultados são todos comoventes cada um com seus milhões de visualizações no YouTube (a apresentação mais tocante talvez seja essa do programa Dancing with the Stars), e a impressão que temos é que Chandelier é uma instalação itinerante de arte sobre alcoolismo e as consequências melancólicas de uma festa que parecia não ter fim.
Depois de seis discos e uma mala cheia de hits cantados por outros artistas, Sia pode voltar pra casa tranquila e com a missão de dever cumprido que qualquer compositor e artista deseja: fez uma música e um vídeo que com certeza não se limitam a essa época, e que já entraram para a história da música pop mundial.
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