saudade se Encontrou na Saudade

foto por marina vancini

Nossa geração é uma das primeiras na história da humanidade a já nascer dentro de uma dinâmica de registros (fotográficos e audiovisuais) de épocas passadas. Por isso ser tão comum a sensação de uma nostalgia sobre algo que nunca foi vivido (o que inclui Dua Lipa e seu Future Nostalgia, por exemplo). Isso se liga intimamente à nossa relação com o mais célebre dos termos lusófonos e, não por acaso, a escolha de Saulo Von Seehausen para nomear seu projeto solo: A saudade.

Falando ao Música Pavê sobre seu primeiro álbum, jardim entre os ouvidos, Saulo conta que o projeto nasceu de sua relação com a música brasileira de uma época que, se historicamente ainda é recente, nossa geração entende como do passado. “No meu primeiro mergulho na música brasileira, a primeira coisa com que me conectei foi Clube da Esquina”, comenta ele, “pra mim, aquele era o som da saudade. E é claro que aí existe uma bagagem pessoal, de escutar isso através do meus pais quando eu era criança, mas acho que a música mineira tem essa parada de ser bucólica e nostálgica, o que pra mim é saudade. E eu fiquei viajando na ideia de personificar esse conceito, de saudades de coisas que eu vivi e também das que só vivi através da música de outro tempo”.

Isso tudo se desenvolveu à medida com que ele pesquisava mais sobre música brasileira, enquanto trabalhava com a banda Hover (hoje em hiato). “Saudade é uma coisa única da nossa língua, o que para mim é muito forte porque eu vinha de compor só em inglês, e agora a minha persona é uma coisa que nem existe em outra língua”, conta ele.

“Eu sou muito chato, no sentido de que, se eu vou fazer uma parada, eu tenho a necessidade de me interar muito. Se eu vou fazer um disco com piano, vou ter que estudar muito antes. Se eu vou fazer um tributo à guitarra do Pará, vou me interar bastante. Este disco é a trilha sonora da minha pesquisa, a digestão de tudo o que eu ouvi”.

Se engana, porém, quem pensar que suas músicas mimetizam uma produção “retrô” – como um simples play em qualquer uma das suas faixas logo esclarece. O som sempre contemporâneo recebe a saudade mais na temática, na poesia. O disco foi produzido em 2019, durante um período de grande isolamento do músico em um apartamento após uma separação e por consequência do rompimento dos ligamentos do tornozelo. Ironicamente, a obra saiu em um período onde nós estávamos também isolados, com saudades dos lugares e das pessoas que nos eram comuns.

“O conceito [do álbum] foi algo que eu criei em uma tentativa de ser muito visual”, explica Saulo, “das músicas criarem ambientes físicos dentro do ouvinte com metáforas visuais, em um processo muito próximo com o [Vinicius] Tibuna, que fez as capas”. O “jardim” veio a partir de “uma ideia que eu tinha pro próximo disco da Hover”, conta ele, “o nome dele seria Arquipélago, que é uma palavra homófona em inglês e português, e ele seria metade em cada língua. Cada ilha seria uma música com uma arte. Quando veio o disco do saudade, a gente quis explorar esse conceito que já estava desenvolvendo, só que com os jardins”.

O lançamento reforça a ocupação de saudade também em outro território subjetivo, o da música brasileira que ele, por muito tempo, achou que não fosse fazer parte. “Na época da Hover, eu sempre sentia uma parada – e algumas músicas até falavam sobre isso – de não pertencer. Eu só descobri o motivo quando comecei a compor em português: Eu me sentia estrangeiro em todos os lugares onde eu estava. Compor em português e entrar nas playlists de música brasileira, é muito, muito bom, principalmente depois de tantos anos na música”.

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