Saskia Te Coloca em Contato com o Caos em “PQ”
“Queria explorar a exacerbação de sentimentos. Eu gosto de ir a fundo, de ser visceral” – PQ é um dos discos mais impactantes da temporada, e conversar com Saskia revela que a artista atingiu brilhantemente seus objetivos com o lançamento. Por telefone, a gaúcha comunica a autenticidade da persona que enxergamos na obra até mesmo nas entrelinhas, enquanto ri alto e se desculpa: “Eu sempre falo demais”.
Financiado pelo projeto Natura Musical, PQ trouxe um desafio criativo para Saskia desde o início do processo. “Eu tinha meu método de composição e tive que pensar em outras formas que angariassem todas as outras pessoas e coisas que eu podia fazer com um álbum”, explica ela, “experimentei quase tudo que eu pude. Comecei gravando os beats em estúdio com equipamentos eletrônicos sem PC – sintetizador, drum machine – e, mesmo passando por estúdios para gravar instrumentos orgânicos, como sopros, eu ainda quis ter esse processo de computadorização, no qual eu peguei tudo o que eu gravei, recortei e colei, que é meu padrão de composição”.
Através desses recortes e da liberdade para experimentar, a obra foi sendo revelada aos poucos para a artista. “Passei por uma evolução meio rápida nesses três anos em termos de composição e conceito”, comenta Saskia, “como eu tinha que entrar de cabeça nesse álbum com um conceito só, eu acabei tentando concatenar todo o meu caos numa coisa sólida, mas ainda mostrando extremos na personalidade – do super introspecto e melancólico até o super rápido, expansivo e raivoso”.
Esse processo “exigiu que eu crescesse pra poder abraçar o que o disco me diz”, comenta ela, “não é só a Saskia fazendo um álbum, ele é o PQ, uma entidade que me chama e eu aceito a responsabilidade de falar por ele, de expressar o que ele está me dizendo. Então, ele exigiu uma maturidade minha com o que eu falo, como eu me relaciono no palco, como dialogo com as músicas e com a publicidade em geral. Foi uma coisa bem caótica que ele mesmo me trouxe. No momento em que eu descubro que o nome dele é PQ, eu precisei crescer por dentro para abraçar essas questões e respostas”.
O trabalho surge também como resultado do que ela tem vivido através de dois coletivos: TURMALINA (RS) e NÁMÍBIÀ (SP). A artista conta que sua aproximação com os dois grupos veio de sua “necessidade de entrar em contato com a cena artística negra brasileira”. Em Porto Alegre, ela ajudou a fundar o coletivo gaúcho. Quando visitou São Paulo, conheceu a casa de NÁMÍBIÀ, a Mamba Negra e a cena alternativa de SP: “Aquilo me fez crescer muito como performer e como postura social. Descubri que eu estava baixando muito a cabeça com a minha arte e aceitando muito sofrimento que não deveria ser tratado desse jeito, não deveria ser escondido, enrustido e diminuído. Eu vi ali uma postura das pessoas colocarem tudo para fora, expurgando suas ânsias e raivas de uma forma que faz com que elas se sintam seguras. Foi isso o que aprendi com os dois coletivos, com essa galera negra do eletrônico e da arte. Entendi uma postura que eu já carrego dentro de mim e não explorava ainda”.
Saskia tem ouvido paralelos de PQ com Bacurau, o que ela parece gostar. “Tem toda uma raiva que foi exposta na bandeira brasileira nos últimos dez anos e que agora sinto que está sendo acordada de um outro lado”, explica a artista, “ela precisa ser ressignificada, assim como o orgulho e o patriotismo. Participando da Turmalina e da NÁMÍBIÀ, entro em contato com os movimentos brasileiros em geral, e o álbum não necessariamente representa um movimento só. Ele tem as minhas questões pessoais de ser negra, feminina e LGBTQ, mas quero que PQ represente o Brasil com todas as suas facetas”.
Para os shows, como o que fará no No Ar Coquetel Molotov neste sábado, 16 de novembro, ela tem a intenção de que “as pessoas cheguem a esses extremos de personalidade que PQ representa. Quero que elas sintam isso ao vivo – raiva, introspecção, dúvida – e se sintam caóticas comigo no palco”.
“Sou uma pessoa completamente diferente depois desse álbum. O meu ser inteiro, a partir do momento em que começo a me questionar e a confrontar questionamentos meus, acabo organizando meu caos. Mas continuo sendo caótica (risos)”.
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