Ritmos, Espaços e Temporalidades: ÀIYÉ Comenta o Disco “Transes”
“É sobre misturar os ritmos, os espaços, as temporalidades” – Assim Àiyé descreve os transes que viveu para chegar ao disco Transes. O álbum que, como a própria descreve, é uma encruzilhada, foi lançado em abril de 2023. Neste trabalho, a musicista, que é veterana na indústria fonográfica, abraça a diversidade de referências que possui para apresentar um trabalho que é sagrado, na mesma medida que é pop. Um disco que é cosmopolita, na mesma medida que é intimista.
Em Transes, Larissa Conforto, a Àiyé, está em seu segundo LP, depois do raivoso e catártico Gratitrevas (2020). A artista conversou com o Música Pavê sobre este momento, em que ela está deitada na encruzilhada: “Eu enxergo a encruzilhada como um lugar de força, o ponto onde tudo converge, a encruzilhada é onde mora Exu, é o meio do X, onde todos os caminhos se cruzam. Exatamente o ponto em que o universo se expande e você pode qualquer coisa, é ali que eu moro, eu sempre estive nesse lugar”.
Em um trabalho que mistura o Brasil dos anos 1970, com ritmos latinos, africanos e música pop, Àiyé passeia com maestria, sem se perder nesse turbilhão de referências. Com a tranquilidade de quem não tem medo de experimentar, Larissa explica: “Para mim é quase um laboratório, misturar coisas no mesmo pote e ver o que sai. Acho que é um caminho de exploração. É um disco muito variado: não é linear, tem quatro idiomas, tem um ponto de terreiro misturado com um ritmo peruano, o festejo… É pesquisa e vontade de mexer na massa. Com certeza, é isso que eu estou fazendo”.
Além das referências musicais, as referências religiosas também são bem presentes no álbum. Da Umbanda, Larissa trouxe pontos de terreiro e cantos sagrados. Aliás, para ela, religião e arte andam juntas, quase indistinguíveis. “Isso é uma coisa que não sai de mim, por mais que eu não esteja falando disso, vai estar em mim, porque é sob essa perspectiva que eu olho para o mundo”.
Essa relação íntima com o sagrado reforçou para a artista a importância de ter cuidado, ao levá-lo junto de si, no Transes, encontrando um local de fala que condiz com que ela acredita. Larissa revela que esse papel da religião no álbum é também uma missão, a pedido de seus Guias e Orixás. Mesmo ficando com um pé atrás, por ser uma pessoa branca, a artista cumpriu a tarefa que recebeu e acredita que encontrou a sua voz nessa interseção entre a Umbanda e a música.
Ao lançar o álbum, Larissa pensou que teria que explicar a complexidade ao redor do Transes. Mas, aos poucos a artista parece se dar conta do poder de comunicação da música, a medida que percebe o público sendo tocado pelo disco. “O retorno está sendo muito lindo. É uma coisa inexplicável. Recebi tanto amor. E essa encruzilhada está se abrindo com possibilidades e eu estou surfando, estou abraçando isso, me deixando levar pela onda, pegando jacarezinho”.
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