Rafa Martins conseguiu “transmitir algo real” no disco “Paisagens”
Sabe quando uma música expressa muito naturalmente nosso estado de espírito? Quando uma canção traduz, quase que intuitivamente, nossos sentimentos? Essa naturalidade típica marca o primeiro trabalho solo do músico Rafa Martins, da banda Selvagens à Procura da Lei. No álbum Paisagens, que vai do quarto ao mar, ele transmite em tons sinceros e serenos muito do que sentimos (e continuamos sentindo) nos dias confusos, de sol incerto, que se instalaram desde a época em que o disco nasceu.
Em entrevista ao Música Pavê, o artista conta sobre as inspirações, afetos e ambições, mudanças e retornos que compõem o mundo de seu novo álbum, um convite a rasgar o céu, sentir de novo e tomar um café.
Música Pavê: Rafa, diferente do seu trabalho com Selvagens à Procura da Lei, Paisagens é claramente “pra dentro”. Isso cabe bem na linguagem sonora do álbum. Você optou pelo folk, pelo som mais soft, devido às limitações do contexto ou por que já vislumbrava músicas mais intimistas?
Rafa Martins: Veio um pouco das composições que refletiam o estado de espírito que eu estava, mas veio também da estética que eu quis assumir no disco. Durante o processo de composição do álbum eu estava totalmente imerso no universo folk e naquele momento fez muito sentido, também por conta das limitações, deixar o violão como o centro de toda a sonoridade.
MP: Ouvindo o álbum, os gêneros de referência vêm à tona bem naturalmente. Mais especificamente, quem você ouviu que serviu de inspiração direta pra compor o mundo de Paisagens? E de onde vieram as ideias para os clipes?
Rafa: Ouvi bastante Paul Simon, Nick Drake, Cat Stevens, Neil Young, George Harrison…. e por aí vai. Os clipes têm tudo a ver com o momento de isolamento social. As ideias de roteiro começavam daí. Tinham que funcionar independente de grandes equipes ou locações que envolviam riscos à saúde. O clipe de Barco No Seu Mar foi numa casa, o de Passarinho Louco, num apartamento e o de Café, num sítio. Não vou mentir, adorei fazer todos assim! Me senti mais apto a atuar de forma mais natural com poucas pessoas trabalhando ali comigo.
MP: Se fosse pra escolher uma faixa do tipo “isto aqui é Paisagens”, qual você escolheria? Por quê?
Rafa: Acho que Barco No Seu Mar. Ela simboliza bem o Paisagens na letra, na melodia e no contexto em que foi escrita.
MP: Paisagens veio de um mundo estranho, de reclusão e privação dos recursos usuais pra fazer música – sem a rotina pública de uma banda, sem shows e afins. O álbum traduz claramente as angústias e esperanças em jogo nesse contexto. Mas as coisas estão mudando. Como você espera que as canções sejam recebidas agora, num mundo pós-isolamento? O que espera de Paisagens ao vivo, pra além do quarto de casa?
Rafa: Boa pergunta. Fiz dois shows solo desde o lançamento do disco e três com Selvagens, e posso dizer que o feeling é de um recomeço, em vários sentidos. No palco, eu tento simular um ambiente como se fosse um quarto, bem intimista. A resposta do público tem sido muito boa, aos poucos as pessoas estão decorando as letras e até se emocionando enquanto cantam. Pra mim, é sinal de que consegui transmitir algo real no disco. Falando desse período doido de vai e vem das coisas, o público ainda está um pouco confuso com tudo, as casas de show estão se adaptando, os músicos e bandas também. É um novo momento que não tem estabilidade alguma e tudo pode mudar a qualquer hora.
MP: Um dos elementos por trás do disco também foi seu retorno à Fortaleza depois de bastante tempo em São Paulo. Como esse deslocamento geográfico aparece nas composições? Como a mudança de lugar mexeu com a sua imaginação?
Rafa: Sem dúvida, essa mudança foi influência direta durante todo o processo. Essa volta mexeu muito com minha memória afetiva, de certa forma me trouxe de volta alguns sentimentos que estavam adormecidos e têm a ver com raízes. Fora isso, o contraste de SP x Fortaleza, que tá no clima, na geografia, na praia, no ritmo… Como um processo bem solitário, em que compus e gravei sozinho (com participações) um dos sentimentos mais legais que tive foi de lembrar de quando era adolescente e ficava tocando e gravando no meu quarto quando morava nos meus pais. Me senti num déjà vu, só que com toda a bagagem e experiência que hoje carrego.
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