Quatro Anos com Holger

entrevista-holger

Não foi difícil escolher a banda com que comemoraríamos os quatro anos de Música Pavê (completados nesta terça, 11 de novembro), já que Holger não só acaba de lançar seu melhor disco, como é uma banda que acompanhamos desde o começo do site (em janeiro, nossa primeira entrevista com a banda também completa quatro anos). Além do mais, é o tipo de nome que reflete o momento em que vivemos na música brasileira, algo que o site se entende cada vez mais como parte desse todo.

Com um EP (Green Valley) e dois outros álbuns (SungaIlhabela) nas costas, turnê pelos EUA, shows animadíssimos (incluindo em festivais como Lollapalooza), crowdfunding bem sucedido e clipes bem bacanas, Holger sempre teve nossa admiração e, cada vez mais, nosso respeito. Realmente, um belo ícone do movimento que o site acompanhou desde seu surgimento, ali em 2010.

Nos encontramos com Pepe, Tché, Pata e Rolla (da esquerda para a direita na foto) para um bate papo cheio do bom humor de sempre dos caras e uma boa reflexão (ou “terapia”, como eles brincaram) sobre os quatro últimos anos.

Música Pavê: Pra começar, vamos relembrar o Sunga. A minha impressão é que tudo ali naquela época era uma grande festa, né?

Pata: Era festa pra caralho. Eu tava no começo da faculdade, a vida tava muito uma festa, e uma festa animal, diga-se de passagem. Desde o nome, Sunga, a gente escolheu porque isso representava esse lance de você reparar que é tão legal descobrir, experimentar. Foi nesse momento que a gente foi ouvir música eletrônica, que entrou de cabeça na música brasileira. Foi uma época de descobertas.

Rolla: Foi a primeira vez que a gente gravou um disco.

Pata: Primeira vez que a gente tocou fora do Brasil, primeira vez que a gente tocou fora de São Paulo.

Pepe: Primeira vez em um grande festival, o Terra.

Pata: Cara, primeira vez de muita coisa. A gente tava até lembrando de bobeira que algum site, não lembro qual, falou “é, os meninos do Holger ficaram se gabando porque viram a passagem de som do Pavement” e aquilo sempre desceu muito errado pra gente, porque não é que a gente tava se gabando, a gente tava conhecendo os heróis da nossa vida. E a gente se julgava tão “público” – não que a gente não seja mais -, que quando a gente falava isso não é que a gente queria se gabar, a gente queria dividir.

MP: Quando vocês param e pensam nessa época, como vocês se avaliam como banda? Em que vocês enxergam mais amadurecimento?

Pepe: Acho que em todos os aspectos que envolvem ter uma banda, desde tocar o seu instrumento melhor até fazer uma reunião… sem sair vomitando (risos).

Pata: É, era um lance de beber desenfreado. A vida mudou. Eu vejo a galera comentar “é um disco maduro, vocês estão numa fase madura” – nem é isso, cara, é que a vida mudou e a gente mudou muito. A gente nunca falou que ia ser uma banda de metal e que ia tocar metal pra sempre, por exemplo. A gente quer fazer música e ela é uma foto daquilo que a gente tá vivendo.

MP: Mas isso não é amadurecimento? Essa visão não é madura?

Pata: É, mas se você me perguntasse na época do Sunga se ele era mais maduro que o Green Valley, eu ia te falar que sim. E se me perguntasse na época do Ilhabela se ele era mais maduro que o Sunga, sem dúvidas. Se você me perguntar daqui a dois anos se o próximo disco é mais maduro que esse, eu vou dizer com certeza que sim. Eu sou mais maduro amanhã do que eu vou ser hoje.

MP: Mas muitas bandas que acompanhamos nos últimos quatro anos não tem essa visão, que parece fazer questão de só ficar em um estado.

Pata: Bom pra eles.

Tché: A nossa proposta sempre foi essa variação, e daí ela naturalmente soa como amadurecimento, porque a gente se deixa influenciar em disco diferentes. Nosso primeiro disco é todo em inglês, esse é todo em português. E é claro que o som tá lá.

Pepe: Acho que a gente não se taxar do tipo “vamos fazer Indie Rock” ajudou a nossa música a amadurecer a uma identidade musical. No Ilhabela, a gente tacou muita coisa ao mesmo tempo. Nesse novo, já não, a gente continua ouvindo muita coisa, mas é um disco mais pensado.

Tché: Mais do que tudo, nesse processo de compor e produzir, é o conceito por trás das coisas. A gente pensava “essa letra fala sobre o quê?”, daí ia lá e buscava alguma influência sonora. A gente pôs o barulho da Chapada Diamantina (que a gente gravou uns sons com o telefone no mato) em Cidade Perdida, que fala justamente sobre uma cidade abandonada. E as coisas fluem assim. Como o processo de composição é coletivo, a gente vai vendo a visão da letra. No Ilhabela, era meio atropelado, mas dessa vez a gente achou um jeito de amarrar melhor.

MP: E como foi a decisão de cantar só em português?

Rolla: Foi super natural, porque as últimas músicas que a gente fez pro Ilhabela já eram todas em português. Acabou que a gente bloqueou essa parada de compor em inglês e, quando a gente foi partir pra fazer música nova, a gente nem cogitava mais. A gente chegou à conclusão que nossa língua era o português, inconscientemente. Não foi nada combinado e conversado, mas estava claro pra todo mundo que ia ser assim.

Pata: Mais do que isso, a gente aprendeu a se expressar em português. Nesse disco, a gente conseguiu colocar nas letras a forma que a gente se comunica no dia a dia.

MP: E o disco chama Holger. De cara, já vem a impressão que é a banda mostrando mais a sua cara, se descobrindo como banda.

Pata: É voltar às origens, mas não necessariamente voltar ao que era, mas voltar ao que você é. É que boa parte do público que tá com a gente até hoje é da época do Sunga. Como sobreviver aquilo quando o público inteiro vai ouvir seu segundo disco esperando uma continuidade “mais óbvia” do primeiro e a gente foi por outro caminho? Não era o caminho que eles queriam, mas era pra onde o vento soprou – que nem como a gente mudou do Green Valley pro Sunga. Mais uma vez, a gente tá seguindo o caminho que a vida tá soprando. Não necessariamente a gente vai pensar se isso agrada um terceiro ou não, deve agradar a gente. Nesse sentido, a gente pode se dizer uma banda de sucesso e feliz.


MP: Uma frase que rodou a Internet nesses dias é: “Se você gosta de Holger, vai gostar do disco novo. E se você não gosta, pode gostar também”.

(Todos riem)

Pata: Tomara que as pessoas gostem, a gente não fez nada pra desagradar. Tipo, a gente não fez um bolo e colocou sal. Não é um trabalho feito falando “ei, você, crítico de música, pega essa”. Às vezes, dá a impressão que alguns críticos tem um pouco essa visão, parece que a banda foi má intencionada a te fazer ouvir. A gente fez um disco que é pra curtir, pra dividir.

MP: Como crítico, a impressão que eu tenho dos meus “colegas” é que as pessoas tem uma dificuldade muito grande de ter um nível “pessoal” nas coisas, de imaginar o artista como pessoa fazendo as coisas, e enquadra tudo nuns moldes muito grandes – “a banda indie tem que fazer isso aqui”, “a banda de metal tem que fazer isso aqui”. E eu entendo que você tem que estar muito aberto.

Tché: E ele [o crítico] ouve só quem tá também naquele segmento de música e ele não releva, ele não fala “ele [o artista] tá tentando me induzir a alguma experiência”.

Pata: Acho que esse é o caminho mais rápido pra você virar aquele tiozão que se acha moleque, ou aquela tia plastificada que fala “não, eu sou gostosa e ainda tenho 30 anos”. Cara, envelhecer é gostoso. Que legal que a vida muda. Eu não queria ficar parado.


MP: Sobre isso, sobre variação, acho que o momento mais legal do novo disco é de Jurema pra Casa Nova. Você vai de um canto pro outro de uma vez.

Tché: Isso é tudo coisa que a gente pensou na master, que a gente foi montando. O disco ia começar por Tão Legal, pelo outro lado, mas a gente pensou outras coisas. O cara que escutasse Jurema como primeira música poderia não querer ouvir o resto. Aí decidimos começar com Trapaça.

MP: Eu tenho a impressão que ela e Cidade Perdida funcionam como uma introdução pra Café Preto, que é a música que, como a gente já conhecia antes, você fica esperando chegar quando ouve o álbum na primeira vez.

Tché: Mas que bom que soa assim, porque essa era a ideia.

Pata: A gente queria que todas fossem introdutórias até o último compasso do disco. A gente prezou muito que ele tivesse começo, meio e fim, assim como a gente tá buscando isso nos shows também. Não é aquele disco que você ouve a primeira música e pula pra terceira – porque isso não faz sentido.

MP: Falando em shows, quanto vocês percebem que a banda cresce ao fazer uma turnê?

Rolla: Acho que muito, acho que é essencial, e acho que esse é o grande problema de ter banda no Brasil, que é não conseguir fazer turnê. Porque assim, cara, passar 30 dias junto, todo mundo tendo que andar junto num carro, dividindo cama, conversando o tempo todo, ouvindo música junto todo dia, faz você criar uma unidade que não tem como fazer com cada um vivendo a sua vida e se vendo no fim de semana.

Pata: A gente tem outra profissão, a gente não é só músico, não tem como a gente se comprometer com uma turnê sem que ela tenha um propósito muito claro. Eu adoraria fazer isso, ficar duas semanas viajando o Brasil.

Rolla: Só que, no final, é impossível, porque as extensões são muito grandes, as estradas são muito ruins…

Pepe: Mas a experiência pra banda é essencial.

MP: Não tem como a gente não falar de clipes. Sobre o de Café Preto, que foi feito com crowdfunding, como foi essa produção?

Tché: A gente ficou muito feliz, foi o nosso clipe mais profissional, porque os outros a gente sempre fez uma pegada mais alternativa, a gente mesmo fez…

Pepe: Tirando Great Strings.

Tché: É, tirando Great Strings.

Pepe: Mas foi muito legal ter essa visão, porque a gente gosta muito de clipes, eu e o Tché fizemos [faculdade de] Audiovisual, ele acabou trabalhando com isso mais do que eu. É legal também ter vários clipes que a gente correu atrás pra fazer, mas a experiência de ter um mega clipe… foi legal, foi divertido.

Pata: E foi mais uma coisa que a gente fez como banda, né? É uma coisa que a gente ainda não tinha feito. Até gravar com o Vincent Moon a gente gravou.

MP: Sim, e isso lá no começo, né? Como foi o trabalho com La Blogothèque?

Pepe: Sim, foi uma coisa que, antes do convite, a gente já curtia o trabalho dele e tal. E ficou legal, apesar de todo mundo estar muito bêbado (risos) inclusive ele [Moon] mesmo.

Pata: Ele sumiu, depois apareceu com o pé cortado uma hora no fim da noite. Foi muito louco.

Pepe: Mas era isso o que ele queria, pegar essa essência. Ele falou: “A primeira coisa que eu pensei vendo o show de vocês foi a grande loucura, esse monte de amigo pirando”. Era a época do Sunga, né? Ele quis passar essa loucura.

MP: Voltando pro presente, quando a gente ouve Holger, fica bem claro que vocês estão mais ambiciosos e, pra mim, principalmente depois do show no Sofar, a grande prova disso é Monolito, que tá mostrando que é outro nível em que vocês estão.

Pata: Monolito, Bruto e Cidade Perdida são três músicas que eu tenho que o significado delas está muito ligado também a essas reflexões da vida que a gente tá vivendo de cidade, de pressa, de trabalho, né? Elas discutem um pouco isso liricamente,

Tché: É, até o processo de fazer o disco, que é uma delícia, mas é desgastante em função do tempo, faz você se questionar: Pra pagar a conta de casa, eu preciso trabalhar, mas eu quero fazer o disco. Então você começa a pensar: Será que eu deveria ir pro mato?

Pata: Será que isso é ser feliz mesmo? Até quando é bom ser esse escravo sem dono, né?

Tché: É, e essa coisa que eu acho que eu espero que mude, que é o consumismo. Meu, os caras estão fazendo mais shopping. Não precisa ter tanto, você não precisa ter… um helicóptero, sei lá. Deixa o helicóptero pro hospital.

Pata: A gente trouxe pro disco essas questões que, chega uma hora, você pensa: “Pra quê?”.

Tché: Daí Monolito tá lá pra isso, ela até fecha o show mostrando esse conceito. E também tem outra coisa, que a gente não fazia isso de ter umas crescidas no final, distorcer, subir na guitarra, desde o Green Valley. Então é uma influência do primeiro EP que a gente pescou. É a raíz, a essência da banda. Do Green Valley até Holger, é isso aqui. Vamos ver como vai ser no próximo disco.

Curta mais entrevistas exclusivas no Música Pavê

Compartilhe!

Shares

Shuffle

Curtiu? Comente!

Comments are closed.

Sobre o site

Feito para quem não se contenta apenas em ouvir a música, mas quer também vê-la, aqui você vai encontrar análises sem preconceitos e com olhar crítico sobre o relacionamento das artes visuais com o mercado fonográfico. Aprenda, informe-se e, principalmente, divirta-se – é pra isso que o Música Pavê existe.