Quando André Viamonte Descobriu a Força que a Música Tem
“Estamos habituados a ver a tristeza como algo muito depressivo. Mas, quando ela é vulnerável e partilhada, ela pode ser um instrumento de união”. Se todo artista possui uma vivência particular com a música, a de André ViaMonte é uma prova de desenvolvimento pessoal que envolve em paralelo o crescimento dos outros.
Isso porque sua obra autoral veio a partir de uma vida dupla que ele leva já há muitos anos. De um lado, ele tinha sua carreira como terapeuta. Do outro, ele tentava encontrar seu caminho na música em diversas vertentes, do jazz ao heavy metal, passando pelos musicais. “Andei por tantos lados e não encontrava minha verdade”, contou ele ao Música Pavê, “parecia que nada me preenchia, sempre faltava qualquer coisa”.
Nascido na Suíça com uma infância passada na Alemanha, André sempre esteve cercado de diversas influências culturais, seja a de família com origem brasileira ou de Portugal, onde cresceu e vive até hoje. Desde os cinco anos de idade, ele estudou música e teatro, mas ele foi só conhecer sua vocação musical na vida adulta – ou melhor, em seu trabalho como terapeuta.
Durante a entrevista, André se mostra bastante apaixonado pelo que faz, falando com paixão tanto sobre a música, quanto sobre seu papel como profissional da saúde. Se preocupando em conversar em português brasileiro (“agradeça às novelas que vi desde a infância”, brinca), ele revela ser cuidadoso, meticuloso e afetivamente envolvido em suas atividades. Uma história em particular, acontecida durante seu estágio em musicoterapia (em 2015), em uma região carente do país, exemplifica e explica tudo o que foi dito até agora neste texto:
“Fui designado a trabalhar com um grupo de mulheres idosas que tinham perdido os filhos. Decidi fazer um processo colaborativo com elas, porque a parte de composição ajuda na resolução de um assunto. Essas cinco mulheres tinham perdido os filhos, pela droga ou pelo crime. É uma dor social que ficou empurrada, e o luto é algo que, se não trabalhado, fica presente em nível celular. Pedi para que elas escolhessem palavras que tivessem grande significado para cantarmos e uma disse ‘amor’, outra ‘felicidade’, outra ‘saudade’, uma disse ‘agora’ e outra, ‘filho’. Fizemos um refrão e elas começaram a conversar entre si sobre como aquilo as lembravam de seus filhos. E começaram a falar sobre suas perdas, que era o propósito da sessão”.
“Desafiei os grupos com que estava trabalhando para que apresentássemos um concerto com essas composições Foi neste momento que tudo mudou em minha vida. Quando cantamos aquele refrão [feito no primeiro dia], todas as 25 mulheres que estavam presentes [na apresentação] começaram a cantar o tema. Uma mulher de 85 anos se levantou, começou a recitar o poema que vez para o filho e não conseguiu terminar, porque estava chorando copiosamente. E todas as pessoas ali não sabiam como agir, porque foram esculpidas a não sentir e se expressar. De repente, acontece aquilo que eu não pensei que poderia acontecer: As mulheres começaram a cantar o refrão que havíamos composto. Foi das coisas mais bonitas que já vi acontecer”.
André conta que “aquilo mexeu comigo. Comecei a pensar como a música pode ter esse efeito de criar familiaridade, de criar sentimentos por alguém. Aquelas mulheres, que antes mal se conheciam, acabaram por virar muito companheiras umas das outras”. “Foi quando entendi que esse era o tipo de música que eu quero fazer”, conclui.
Esse acaba por ser o tom de seu trabalho, a começar pelo tratamento que a música poderia ter em sua própria vida. “Dediquei minha vida a ajudar os outros da maneira como posso”, explica ele, “mas não se pode ajudar alguém enquanto não tratou suas próprias mágoas”. Seus dois álbuns lançados até agora, Via (2018) e Monte (2019) – como os títulos revelam – tratam de desenvolver temas pessoais que podem também ser usados na vida dos outros.
A própria música composta naquele grupo de apoio em 2015 aparece em Time Dust, no primeiro disco. A faixa se inicia em inglês e, na sequência, começa a ser cantada em português brasileiro – da forma com que sua bisavó falava. “Minha primeira perda na vida foi minha bisavó brasileira, um símbolo de amor e carinho que eu tinha”, comenta André, “meu primeiro luto foi resolvido nessa homenagem que fiz a ela com o tema daquelas mulheres que perderam os filhos”. “O artista, assim como o terapeuta, deve ser muito verdadeiro no que faz”, explica ele.
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