Pelo Prazer de se Impressionar com a Música Pop

O ano é 2019 e a música pop segue como uma das produções mais interessantes em termos de fluência musical e criatividade, além do fator “entretenimento” que ela sempre exerceu tão bem. Esta brevíssima argumentação vem só te contar aquilo que muita gente já sabe: Faz um bom tempo que não faz sentido subestimar o pop.

Podemos dizer que há uma certa tradição dentro da música de olhar para a produção dita pop como algo inferior, principalmente pelo aspecto industrial que grande parte dessas gravações, promovidas por grandes empresas visando o lucro, costuma ter. Ao mesmo tempo, há também o que chamamos de diluição, que é quando um artista pega um estilo ou um conjunto de tendências (que costuma habitar territórios vanguardistas) e cria algo que tateia de leve essas estéticas, mas ainda entrega um produto formatado dentro do que uma grande massa espera de uma faixa, disco ou clipe. Ironicamente, esse tem sido também o argumento que mais favorece a música pop.

Isso porque o pop não é coisa alguma, mas sempre uma reunião de muitas coisas. Rock e samba, por exemplo, surgiram como ritmos e eles originaram diversos outros estilos. A música pop pegou esses ritmos, estilos e tendências e criou seus produtos, tendo essa diluição como sua principal referência de comparação entre as obras. Você ouve uma canção acústica com violão e uma diva cantando em cima de beats com participação de um rapper. As duas faixas podem estar em diâmetros opostos no espectro, mas você sabe que ambas são pop por explorarem suas inspirações em um terreno de audição fácil, um que o ouvinte conseguiria curtir mesmo sem um grande repertório musical – ao contrário de diversos outros gêneros.

Acontece também que há um consenso entre artistas de qualquer linguagem, do teatro à escultura, do cinema à dança, que prega que os limites são sempre aliados criatividade. Isso é, a produção gera melhores resultados quando o artista se percebe 100% livre para criar dentro de um território pré-estabelecido de estilos e linguagem. Se pensarmos na diluição como a limitadora (é preciso fazer algo palatável a um grande público), quem compõe, produz e grava dentro do pop encontra um terreno criativo muito fértil para explorar com essas referências múltiplas.

Há hoje em dia também uma necessidade de, para além da qualidade, criar uma identidade forte para as músicas, já que a enorme oferta de novidades é sempre crescente. Isso tem impelido cantores e produtores a uma busca incessante – na vanguarda, na moda, na tecnologia – do que pode ser trazido para dentro de suas criações. Por isso, o pop é sempre novo.

Daí nos depararmos com uma Rosalía se unindo a El Guincho para criar El Mal Querer (2018), uma obra absolutamente pop que tem como base os beats eletrônicos e forte influência do flamenco. Antes dele, tivemos Rihanna com seu Anti (2016), disco que já brinca no título com uma quebra de expectativas do status de diva que ganhou e brinca com ritmos caribenhos ao lado do R&B. Ambos os exemplos chegam com a qualidade dúbia de algo familiar aos ouvidos e, ao mesmo tempo, inédito.

E é por isso que a música pop deve ser lembrada no futuro como um dos pontos mais altos da produção desta década enquanto qualidade, mas também enquanto um facilitador de espaços mais democráticos dentro da música. Se antes o pop era confinado a uma fabricação de produtos vendáveis para uma grande massa, hoje ele é mais um espírito que rege a produção que sabe divertir com qualidade, sendo também um forte aliado na voz de minorias e nos processos identitários de pessoas que não precisam mais se contentar em ouvir apenas o discurso de uma hegemonia. 

Há muito mais o que ser dito em outros ensaios, mas deixemos hoje estas músicas argumentarem também. Sejam feitas em banda ou solo, com timbres orgânicos ou sintéticos, ou unindo um número menor ou maior de estilos, as canções pop desses últimos anos provam a relevância dessa categoria – e o quanto nunca deixou de ser divertido curtir o resultado de uma diluição bem feita.

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