Pedro Mariano Também Precisou de um “Novo Capítulo”

Pedro Mariano falou comigo por meia hora às vésperas do lançamento de Novo Capítulo, 12º álbum em sua carreira. Pessoalmente, era de enorme valor poder sentar e conversar com alguém que ouvi tanto desde muito jovem – eu tinha 15 anos quando saiu Voz no Ouvido, um dos meus favoritos dentre os lançados em 2000 -, e fui sincero ao trazer à frente esse meu histórico com sua obra. “É um disco extremamente importante para mim também”, disse ele.

“A música vivia uma cena naquele instante muito parecida com a de hoje, que você tem uma certa aridez, um deserto criativo, no sentido mais amplo, cultural e artisticamente falando”, explicou Pedro, “ele surgiu como um alento, um sopro de frescor em relação ao que estava acontecendo. E eu não pensava em nada disso na época, eu só queria fazer meu som, fazer uma música que me representasse. Mas é muito interessante como ele ainda é fresco na memória das pessoas” – não à toa, Voz no Ouvido permeou toda nossa entrevista.

Sobre Novo Capítulo: Dudu Borges produziu as onze faixas inéditas, dentre elas o single Bem Perto, que anunciou o lançamento do álbum – cuja arte da capa, aliás, vale também menção (veja abaixo). Ao ouvi-lo, a sensação é a de adentrar no universo musical arrojado, cosmopolita e sempre muito agradável de Pedro Mariano, que dialoga muito bem a linhagem musical na qual está inserido – literalmente, visto que seus pais são Elis Regina e César Camargo Mariano. Mas isso é detalhe. Deveras honroso, mas um detalhe mesmo assim.

Música Pavê: Sobre Bem Perto, me chamou muita atenção o tom solar e expansivo da faixa. Para mim, tem muito a ver com o tempo que vivemos enquanto amargor ao nosso redor, uma melancolia muito pesada, hoje e nos últimos anos. Vejo muitos artistas querendo trazer novas cores, uma nova leveza, a essa realidade. A faixa ser assim foi intencional ou apenas aconteceu organicamente?

Pedro Mariano: Foi orgânico, não intencional. Dudu e eu, o tempo todo, ficamos pensando o caminho do disco, mas, em vários momentos, tínhamos dúvidas se era para cá, ou para lá. Mas nunca tivemos dúvida de uma coisa: Queríamos música boa, com uma energia boa, e tentar resgatar nas pessoas a vontade de ouvir um álbum, não apenas ficar seccionando uma carreira, ou um instante. Quando você vê um artista prolixo, ele lança quatro músicas em um EP. Não é possível que o tiro seja tão curto, né? Mas não é, a demanda não é do artista, é muito mais do mercado, que quer imediatismo. Então, você gastar tempo e dinheiro em um álbum e e ele não ter “fôlego” para se sustentar ao longo de onze faixas é um risco que nem todo mundo está disposto a correr, e fica essa coisa imediatista. Essa sensação solar é orgânica, porque é algo que queríamos não que fosse fabricada. Ela surgiu, e aí eu somo a isso um instante da pandemia, um tempo duvidoso, que não sabíamos o que esperar – qual seria o mercado e suas realidades depois de tudo isso? Será que as pessoas teriam coragem de interagir umas com as outras dentro de um espaço fechado para assistir a um show? Eram dúvidas que tínhamos. Essa coisa da esperança, então, virou uma coisa meio orgânica no disco. Antes de mais nada, nós mesmo estávamos precisando dessa sensação.

MP: Por falar na quarentena, achei interessante o clipe trabalhar a realidade virtual, única maneira possível de experimentar um pouco do mundo nessa época. Como surgiu essa ideia para o vídeo?

Pedro: Foi uma leitura [desse momento]. Essa música foi composta originalmente em 2013 – fiquei sabendo ontem, conversando com Dan Torres, e ele me contou -, e quando ele me mostrou a música, se não me engano no meio de 2020, ele disse “ela tem muito tempo, ela retrata um instante que eu vivi ali. Se por um acaso esse instante não bater em você, mas você gostar da música, fica à vontade para mexer na letra e trazê-la para sua realidade”. E, ouvindo a música, a única coisa que não combinava com o momento que vivíamos era a terceira parte da música, lá no final, a parte que diz “e quando eu vi você aparecer”, que era completamente o oposto [do que vivíamos]. Mas vi que cabia, naquele momento apoteótico, o reencontro – porque reencontrar as pessoas era algo que queríamos muito, né? E, na hora que fomos fazer o clipe, o que eu joguei de ideia e o que Breno [Wallace, diretor] foi trabalhar e trouxe a ideia do VR Goggle, vi que Bem Perto retrata a quarentena, mas também a realidade digital que vivemos hoje, muito acentuada com essa pandemia. Essa realidade virtual veio para ficar nas nossas vidas e, de certa forma, ela nos ajuda. Ok. Mas, não esqueça: Ficar perto da pessoa e interagir com ela ainda é muito mais legal do que essa ferramenta.

MP: Fico curioso ouvindo tudo isso também como é para você olhar sua linha do tempo, não dentro do ofício do músico, mas no lugar do artista enquanto esteta. Como você vê, do início da carreira para cá, essa linha se desenrolar? O que você acha que tem hoje de mais parecido com o Pedro de vinte anos atrás?

Pedro: Ah, isso é muito louco. Durante o processo de Novo Capítulo, Dudu e eu conversamos sobre exatamente essa sua pergunta. Apesar de ser um fã declarado do meu trabalho – Voz no Ouvido é também o disco da vida dele -, ele fazia o exercício de ouvir várias músicas do meu repertório e me perguntar como eu tinha chegado naquilo, qual o raciocínio por trás. Talvez para tentar desmontar o artista e entender a estética, tudo para não perder essa essência que me leva a, sempre que vou realizar meu trabalho, ter uma característica minha. Eu ouvia e pensava “que loucura, como os discos conversam com os momentos em que foram lançados, e como eu hoje mudaria muito pouco do que foi concebido ali”. O artista em questão vem em uma linha evolutiva que, nesse disco, eu me assustei no salto que eu conquistei de uns quatro anos para cá. Nos dois álbuns que fiz no projeto com orquestra, eu entrei um artista e saí outro completamente diferente. Foi uma pedra fundamental, um ponto de virada na minha vida, porque tive uma interação com um universo que é transformador. Você passa a enxergar a música “3D”, ela vira outra coisa para você. Eu ouço acordes, notas e contextualizações hoje que, cara, eu não prestava atenção mesmo. Eu, antes, era muito sensitivo, no sentido de sensação, de perceber a música, muito mais que destrinchar a música. É uma evolução radical. E meu jeito de cantar também. Então, quando faço esse histórico, vejo uma evolução constante, mas não vejo, por exemplo, a essência se transformar. E isso é algo que me deixa muito orgulhoso. Talvez seja o ativo mais caro da minha obra, essa essência, o DNA do meu trabalho estar marcado.

MP: Quando olhamos hoje para 2000, por exemplo, era muito fácil ter uma leitura sua como mais um integrante da geração ali da Trama e ponto. Mas essa história se desenvolveu muito ao longo dos anos e eu queria perguntar se, hoje, você se sente pertencente a algum grupo, a alguma geração, enfim?

Pedro: Putz, André… (risos) Teve um dia, eu não lembro onde ou com quem, mas fui fazer uma entrevista e o cara me apresentou como “representante da Nova MPB”, e eu brinquei com ele: “Cara, eu tenho 47 anos, se você falar que eu sou da Nova MPB… essa historinha não vai colar mais” (risos). Hoje, vivemos a geração dos algoritmos. Vejo muitas conversas sobre você entrar e o algoritmo captar você para viralizar. Eu não consigo pensar música assim. Não consigo, esquece, não rola (risos). Nesse sentido, não me enxergo pertencente a uma cena. Mas, por outro lado, continuo fazendo parte da minha geração, de uma galera que – pelo menos, quando eu olho para o que estão fazendo – continua sendo compatível com aquilo que propôs desde sempre. Essa é a essência de tudo. O que acho que mudou muito, radicalmente, é o mercado como um todo. Só uma coisa não mudou e não vai mudar: Gente fazendo música e gente querendo ouvir música.

MP: Quero te perguntar também algo que já perguntei uma vez para Alice Caymmi: Como é para você, com toda a sua carreira, com 25 anos de discografia, ter que lidar com pessoas que ainda olham para você e vêem mais o legado dos seus pais do que a sua própria música?

Pedro: André, eu não consigo criticar essa pessoa por ela ter essa visão. Ela não está errada. Me chamar de “filho da Elis” é um elogio. Me chamar de filho de outra coisa, aí pode ser que a gente arrume uma treta (risos). Mas assim, depende muito da forma como isso é colocado e qual a intenção da pessoa com essa colocação. Eu enxergo sim uma gama grande de pessoas que cobrem música, ou que dizem entender de música, que usam isso como uma desculpa para já ganhar uns três parágrafos no texto. Essa preguiça me incomoda. Estive com um jornalista recentemente, um cara que eu considero muito, e ele falou: “cara, pela primeira vez, escrevi uma matéria sobre você e não citei seus pais. Me dei conta só quando terminei. E me desculpe se não fiz isso antes, porque já faz um tempo que eu já deveria ter largado essa muleta”. Acaba sendo uma muleta, mas eu não critico.

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