O Real e o Ficcional de Rodrigo Alarcon

Sinceridade não parece um problema para Rodrigo Alarcon. Desde o primeiro lançamento, o single de sucesso O Lado Vazio do Sofá (2015), o cantor e compositor paulista mostra-se aberto a confessar, sensivelmente, aquilo que vem de dentro. Não seria diferente em Rivo III e a Fé, disco de estreia que expõe, compartilha e dialoga com a subjetividade dos indivíduos: de amores e romances a ansiedades e inquietações.  

“O disco conta uma história em dez capítulos. Cada capítulo é um diferente sentimento do personagem que nasceu a partir de canções escritas por mim em diferentes momentos da vida e com diferentes parcerias. Ser artista é viver nessa linha tênue entre o ficcional e o real”, reflete Alarcon ao Música Pavê.

Em suas intensas (quase melancólicas) partes da história, que começa em Piquete e termina em O Óbvio Sobre o Amor, Alarcon analisa minuciosamente emoções conflituosas. Afinal, como não se sentir inquieto frente a uma paixão? Ou respirar tranquilamente em momentos tão incertos em meio à Covid-19?

O compositor observa: “O amor é um sentimento universal e bem subjetivo, por isso tê-lo como base de todas as composições é expor-se vulnerável, por mais diferentes que sejam os pontos de vista dependendo da faixa. Isso somado a 2020, 2021 e 2022, em que as ansiedades e a falta de equilíbrio mental foram amplificadas em todos os aspectos da vida”.

Rodrigo Alarcon concentra as inquietações mais complexas, mas fala com uma sensibilidade confortável: uma harmonia desconcertante. Não apenas a sonoridade é suave, a voz melódica do cantor confirma essa mescla antônima de sensações, e o título “Rivotril e a fé” revela essa proposta. 

Para o artista, de fato, “esse disco é sobre amor e busca do equilíbrio”. O compositor fala: “Rivotril e fé são a síntese do que a gente pode fazer para seguir nosso dia a dia. Manter a fé de que amanhã pode ser melhor, sem fugir da realidade que infelizmente nos obriga a precisar de um remédio para ansiedade, afinal as contas a pagar chegarão, a louça não cessará, os desamores acontecerão e tudo isso junto das desconjunturas que só um Brasil desgovernado é capaz de proporcionar a quem vive aqui”.

Apogeu e faixa que soa como um respiro, uma confissão e um diálogo direto com o público, Você Nunca Prometeu é a quinta canção do disco. Encarregada de encerrar “a primeira metade”, concentra a identidade sonora e lírica do álbum, além de narrar uma situação corriqueira nas relações interpessoais — uma paixão não-recíproca. A música traz uma delicadeza ao tratar de uma verdade dolorosa, padrão este que está presente em todas as histórias.  

Pouco depois, está a canção responsável por marcar a criação da obra para Alarcon, Cara a Cara, que questiona a existência das divindades. A oitava faixa do disco “surgiu despretensiosa, apesar do tema, com um arranjo em powerchords bem simples, quase emo”, descreve o cantor. “Quando produzida, se tornou a minha faixa preferida. O arranjo, que começa num coro de canto gregoriano, passa por um rock 80/90 e termina em um coro de música gospel, transformou minha percepção sobre o que sou capaz de produzir artisticamente”. 

Seja pela sensibilidade ou pelas experimentações sonoras, o álbum é uma consolidação interessante da discografia do cantor, que se permitiu, também, viajar nas referências da música brasileira. “O Brasil é riquíssimo culturalmente e São Paulo é um ponto de convergência cultural. Aqui, aprendi que posso ser quem eu quiser sem fugir de quem eu sou em essência, e isso reflete bem nas escolhas estéticas do disco que vai do rock com influências de Erasmo Carlos a Rita Lee, até o pop brasileiro de Gilberto Gil, Lulu Santos, entre outros”, explica. 

Além do Ssonoro

Em toda sua construção visual, Rivo III e a fé transborda as palavras e sons a partir das imagens igualmente marcantes. Alarcon conta que é “fruto da MTV nos anos 1990 e 2000” no Brasil, e cresceu enxergando os videoclipes como possibilidades de potencializar as histórias narradas nas líricas. Ele fala: “A música somada ao vídeo tem o poder de expandir aquele universo em infinitas possibilidades. […] Metáforas visuais podem ajudar a contar de maneira subjetiva”. 

“Sou designer de formação, então quando estou pensando uma obra musical, automaticamente o visual é construído em minha mente. Acho essencial o visual estar diretamente ligado ao áudio. Seja para fazer apenas uma capa de single até um clipe. Tudo tem que estar alinhado para contar e engrandecer a obra”, completa. 

Do Vazio do Sofá ao Rivotril

O tom confessional de Alarcon está com ele desde O Lado Vazio do Sofá, primeira faixa solo, lançada em 2015. Embora tenha começado a experimentar a vida artística aos 15 anos, apenas com seu single de estreia conseguiu entender como poderia fazer música do seu jeito. Além de continuar com seus estudos, passou a tocar em diversos lugares para que sua criação tivesse, também, referências do público. Assim, nasceu o primeiro EP, Parte

“Foi a primeira vez que me permiti experimentar arranjos e diferentes referências de tudo que eu já havia feito até então, foi como um universo todo se expandindo diante dos meus olhos”, fala o cantor. Tempo depois, quando já estava trabalhando junto ao selo Taquetá, conheceu Niela Moura, que passou a ser a produtora musical e parceira de composição do artista. 

Segundo conta, os dois lançaram singles, e fizeram shows e festivais, até que a pandemia chegou em 2020. “Nos vimos presos dentro de casa como todos, e tivemos que nos reinventar de alguma maneira”. Antes de chegar ao Rivo III e a Fé, apostou em “um álbum acústico ao vivo no Cine Joia vazio”, além de Taquetá Vol.1, EP em parceria com Ana Müller e Mariana Froes, com produção de Niela Moura. Não foram as únicas colaborações do cantor, porém.

Alarcon assina parcerias com Liniker e os Caramelows e Abacaxepa, entre outros grandes nomes da música brasileira. “Toda troca sincera vem seguida de frutos muito maiores do que nós. Poder trocar experiências com artistas que admiramos é algo que nos muda para melhor. Certamente o disco e minhas futuras composições carregam em seu DNA, genes desses encontros deliciosos e tão importantes em minha carreira”, acredita. 

Ao analisar sua trajetória até o lançamento de Rivo III e a Fé, que chegou ao público em 8 de abril, comenta: “Tudo isso foi escola. Esse tempo foi essencial, foi maturando o que eu considero meu primeiro álbum. Pensado como álbum, com narrativa, clímax, um por quê de estar acontecendo. […] São muitos sentimentos em um lançamento como esse”.

“É uma satisfação imensa lançar um projeto tão bonito. Mistura de alívio por realizar, com ansiedade do que vem por aí. […] Trocar com Niela e Pedro Altério foi das experiências mais enobrecedoras que já vivi dentro de um estúdio e acho que isso reverbera tanto na obra quanto em quem escuta”, finaliza. 

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