O Artista Bob Dylan em “Um Completo Desconhecido”

Do violão à guitarra, entre ser Um Completo Desconhecido até o assédio das multidões, a nova cinebiografia de Bob Dylan romantiza-o como um artista apaixonado pela música e incomodado, ao mesmo tempo que moldado, pelo tempo em que vive. Dirigido e co-roteirizado por James Mangold, A Complete Unknown (no original) apresenta um recorte de quatro anos da história do músico, entre sua chegada a Nova York com seu violão e a controversa apresentação no Newport Folk Festival em 1965, acompanhado de instrumentos elétricos.

Em paralelo à música, o filme narra as relações de Dylan que marcaram aquela fase da carreira, a começar pela devoção, e consequente amizade, ao ídolo Woodie Guthrie (vivido por Scoot McNary). Pete Seeger (Edward Norton) é o entusiasta do folk que, junto a Guthrie, vê em Dylan o futuro da música. Já Joan Baez (Monica Barbaro) é a parceira de trabalho que coloca em risco a relação de Dylan com Sylvie Russo (Elle Fanning). A figura de Dylan é quase antagônica em praticamente todos os laços que cria com outras pessoas, ofuscados por sua obsessão pela música e a excentricidade com que leva sua vida.

Ao longo do filme, fica claro que a narrativa não tem pudores em romantizar essa figura artística – hermética e até mesmo atormentada por seu próprio talento e desejos -, como se o músico fosse vítima do próprio talento. Essa aura trazida à produção acompanha a inclusão de diversos detalhes que os fãs do músico querem ver em uma biografia, como a composição de Like a Rolling Stone e a gravação de seu órgão tão característico. É uma obra para quem já tem algum fascínio pelo personagem.

Tal aspecto é reforçado performance de Timothée Chalamet no papel de Dylan, que aposta em uma mimetização detalhista na fala, nos trejeitos e no olhar do músico. Em várias cenas, fica a impressão de que a prioridade era registrar aquele Dylan como é conhecido, pelas histórias ou mesmo por fotografias, mais do que explorar características de sua humanidade. De fato, mesmo com o close no rosto do ator, há certo distanciamento entre nós, espectadores, e a figura do artista – assim como Sylvie questiona em certo momento, é difícil conhecê-lo verdadeiramente entre suas falas e poses.

Um Completo Desconhecido chega até nós como uma declaração de amor não apenas a Bob Dylan, mas a artistas que transitam por nosso mundo observando os acontecimentos na sociedade e na política (no caso dele, por exemplo, a crise dos mísseis de Cuba e os movimentos de direitos civis) e registrando em música algumas perspectivas possíveis. Em uma época em que músicos se esforçam tanto pela aparência da acessibilidade, é interessante notar seu comportamento oposto. Da mesma forma, quando alguns se prestam a discutir se a arte pode ser realizada por robôs, é um refresco observar gente brigar há 60 anos pelo uso de guitarras no folk.

O filme Um Completo Desconhecido chega aos cinemas brasileiros em 27 de fevereiro.

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