Nayra Lays: “A gente não quer ser conhecida só pela dor”
“É muito legal ver a importância que o rap tem para ressignificar o lugar onde a gente mora”, contou Nayra Lays ao Música Pavê por telefone. No caso, ela comentava sua vivência como moradora do Grajaú, na periferia de São Paulo, um lugar de grande agitação cultural, mas que apresenta grandes desafios para quem, como ela, é uma artista nova – e ainda por cima “mulher, preta e jovem”, como ela adicionou à equação.
“A descoberta das minhas potências partiram principalmente do meu território, do Grajaú, onde me descobri como artista, sabendo que poderia realizar meu trabalho”, afirma a cantora. Neste domingo, 4 de agosto, ela leva seu trabalho a um palco no seu próprio bairro, onde acontece a 4ª edição do Festival Red Bull Amaphiko. “Muito da minha construção vem do meu território, me sinto privilegiada de ter crescido em um lugar de efervescência artística”, comenta ela.
Quando Nayra conta isso, não se trata de um sentimento de pertencimento meramente romântico ou mesmo ideológico. Sua carreira está totalmente ligada com a cena local, como ela explica: “Em 2016, quando comecei a conhecer mais dos artistas do Grajaú, que eram na maioria da cultura rap e hip hop, vi que gostaria de escrever mais da minha vivência. Fiz minha primeira rima em 2016, mas era mais uma brincadeira, escrevi porque eu tinha alguma coisa pra dizer, porque entendi que essa é uma cultura que abraça as coisas que eu queria falar. As pessoas da minha quebrada falaram ‘olha, tem mais uma mina rimando’, aí eu fiquei ‘eita, como assim?’ (risos). Mas foi quando eu entendi melhor o contexto da minha quebrada no rap que vi que gostava de fazer isso, e que poderia fazer mais vezes”.
Ela afirma que, assim como muitos jovens da periferia, cresceu ouvindo rap pela influência da família e amigos. Interessada por música desde cedo (“eu fazia show em casa, pegava o desodorante e fingia que era o microfone (risos)”, relembra Nayra), ela arriscou as primeiras composições no samba e no pagode, uma herança que ela carrega ainda hoje, ainda que de maneira menos direta em seu som. “Foi uma crise quando comecei a entender que o que eu fazia não era só rap”, conta a artista, “porque tinha também a consciência do que é o mercado, que exige que você esteja em tal caixinha pra ser identificada por aquilo. Mas depois fui entendendo que tudo bem eu não me encaixar, porque eu cresci ouvindo muita coisa. Quando a gente fala de rap, samba e pagode, a gente tá falando de música preta, que é muito rica e abrangente, e me permite fazer muita coisa”.
Outro aprendizado que ela leva para seu trabalho veio das mulheres no samba, que ensinam “como a gente tem que falar dos amores e de se conhecer de forma mais plena”. “Tenho pensado muito em como calar para além das dores”, comenta a cantora, “é importante falar de questões que são tão urgentes, porque” – e ela cita Angela Davis – “a sociedade só se movimenta quando a gente se movimenta. Mas a gente não quer ser conhecida só pela dor”.
“Minha música é necessária pra mim e pro mundo. Sei disso, porque sei que ela não é só sobre mim”, conta Nayra, “acho que tudo o que a gente faz e tudo o que a gente é sempre é muito político. Tenho 22 anos, estou construindo uma carreira já há três anos, me vi quebrando barreiras nesse tempo que eu nunca imaginava que conseguiria. E o fato de eu conseguir abordar essas questões que são reais não só pra mim é totalmente político, principalmente nesse momento que a gente está vivendo, que está mostrando que as coisas são ainda mais difíceis do que achávamos”.