Nath Rodrigues Busca Inspiração na Autenticidade de Elza Soares
O contato intenso com a obra de uma pessoa pode ter grande impacto na criatividade de outra. Para Nath Rodrigues, poder cantar o repertório de Elza Soares “enriquece muito”. Foi o que ela contou ao Música Pavê às vésperas de sua apresentação no Festival Sarará, em Belo Horizonte, no qual dividirá palco com Júlia Tizumba, Teresa Cristina, Luedji Luna e Paula Lima em uma homenagem à artista carioca. O grande show acontecerá às 19h45 neste sábado, 27, na Esplanada do Mineirão.
Nath se autodenomina “véia de guerra” na música, tendo estudado e acompanhado outros artistas por anos até assumir-se como cantora em 2018. “Tenho essa veia de pesquisa da voz como instrumento”, conta ela, “como comecei na música como instrumentista, esse lugar me interessa muito – perceber timbres, cantar coisas diferentes. Elza tem esse timbre de voz, que é muito reconhecível, como uma impressão digital. Ao mesmo tempo, ela usava disso com muita sabedoria, como um instrumento mesmo”.
“Ela é uma mulher muito eclética – samba, rock, bossa nova, mpb, funk, depois se relacionou com uma veia mais progressista da música… Acho que, até nesse lugar, ela é muito múltipla mesmo. Do ponto de vista de cantores e cantoras, isso é muito rico, porque propõe que nos desloquemos das nossas zonas de conforto. Quando me deparo com seu repertório, me deixo experimentar também. Não é possível copiar, nem tentar fazer algo próximo. Mas é também um repertório muito generoso, porque permite que você faça o que tem disponibilidade de fazer, colocar sua própria impressão digital”.
A relação de Nath com Elza não é de hoje. Elas puderam dividir palco algumas vezes no passado, inclusive quando a carioca recebeu o título de cidadã honorária de Belo Horizonte, em 2019. “Era uma mulher com muita alegria e muita luz, que ressignifica a negritude em um lugar de esperança, de não só se conectar nesse lugar em que estamos um pouco viciado nele – e hoje a minha militância antirracista gira muito em torno de quebrar com essa lógica de se reconhecer como uma pessoa preta no Brasil através da escassez”, explica a mineira.
“Faz muita diferente para uma pessoa negra hoje conseguir ressignificar a sua existência através de coisas positivas. Faz diferença no psicológico mesmo e uma das maneiras mais importantes da gente vencer questões que estão enraizadas na nossa maneira de se comportar são justamente essas que estão nesse lugar subjetivo, essas que nem sempre temos palavras para elaborar, mas que fazem diferença em como a gente se comporta. Elza representa esse lugar de esperança, de como é possível ser autêntica tendo qualquer que seja a sua história, e qualquer que seja a sua narrativa mesmo”.
Sobre a oportunidade de cantar a obra de Elza no Festival Sarará, Nath ressalta a importância de iniciativas como essa: “As gerações mais recentes nem sempre entendem o quanto o repertório desses artistas influencia a música feita hoje. É tudo uma progressão. Não é possível que alguém faça música no Brasil hoje sem ter sido influenciado por alguém que estava construindo uma carreira muito sólida, como Elza. Quando um festival se propõe a trazer nomes de gerações diferentes, a gente cruza a importância de manter pessoas que estão há muito tempo abrindo fronteiras e conectá-las com quem acabou de começar a investir em sua carreira”.
A obra autoral de Nath Rodrigues busca inspiração em trajetórias como a de Elza Soares, também enquanto versatilidade. “Meu disco novo, Fio (2022), tem muitas influências eletrônicas, também do reggae, dub e rock, que são gêneros que eu não consumi ao longo da vida”, conta ela, “mas é privilégio do cantor poder vestir a carapuça de personagens diferentes. É ter uma outra persona, botar seu alter ego para cantar. Elza também era uma pessoa muito performática, uma figura muito interessante. Essa inventividade é o que mais tem me interessado nesse momento”.
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