Mumford and Sons devolve aos EUA sua herança cultural
É interessante imaginar como em um dos festivais mais ecléticos do mundo, uma banda conseguiria se destacar por sua originalidade e pela comoção gerada com sua apresentação a muitos quilômetros do local. Pois foi o que aconteceu nos Estados Unidos quando a banda inglesa Mumford and Sons subiu em um dos palcos do Coachella no sábado, 16 de abril.
Um público pouco participativo para a maior parte dos shows naquele fim-de-semana entoou os refrões das já clássicas Little Lion Man, The Cave e Sigh no More – canção que dá nome ao primeiro (e até agora único) álbum do grupo – com a mesma força e envolvimento vistos no palco. Como se não bastasse, a transmissão ao vivo pelo YouTube ofuscou os outros dois shows simultâneos que o site exibia, além de instantaneamente colocar o nome da banda nos Trending Topics do Twitter – um dos melhores medidores de popularidade de um assunto hoje em dia.
Marcus Mumford parece redefinir o conceito de frontman (o homem à frente de um grupo) não apenas por ter a banda batizada com seu sobrenome, mas pela nítida liderança que ele exerce nos outros três músicos com sua presença, revezando entre violão, percussão e bateria, e no público com sua voz ríspida e interpretação emocional de cada um de seus versos – que parecem ganhar uma nova vida com o suor e os olhos fechados do vocalista.
Winston Marshall, Ben Lovett e Ted Dwane conseguem abrir seu espaço no palco com banjo, contrabaixo e teclado, todos devidamente trajados com o figurino de sempre – composto de camisas e coletes que os fazem parecer ter saído de quase um século atrás influenciados pelo folk e bluegrass americanos, não fosse pela intensidade de um rock que só quem cresceu na Londres pós-punk parece saber incorporar naturalmente a qualquer outro estilo.
E o trabalho da banda – culminado na apresentação de sábado – parece uma devolução à cultura estadunidense da influência de seu folk rock na Inglaterra, que uma indústria fonográfica míope deixava ser ofuscado pelo mainstream e insistia em ignorar até agora, que um movimento desse gênero ganhou forças no West Side de Londres (ironicamente o mesmo bairro dos grandes musicais de estilo Broadway), assim como em Dublin (com Damien Rice e bandas como The Frames), Barcelona (a banda catalã Manel está no primeiro lugar da parada espanhola há dois meses) e São Paulo (com seus diversos violeiros entoando trovas pela noite paulistana), e ganha cada vez mais fãs no mercado ocidental.
O apelo emocional quase barroco do som grandioso, que consegue ir do sussurro ao grito em poucos acordes, canta letras que misturam romance e espiritualidade em uma rara combinação de humanismo e otimismo. Ao longo do álbum (e do show), são repetidos versos como But I will hold on hope (“Mas eu me aterei à esperança”), após o refrão de abertura que canta “a beleza do amor como deveria ser” e antes da conclusão There Will come a time, You’ll see, when Love Will not break your heart but dismiss your fears (“Haverá um tempo, você vai ver, quando o amor não partirá seu coração, mas dissipará seus medos”).
São temas universais entoados com a franqueza que mestres como Nick Drake cantava na Inglaterra no início dos anos 1970 e Bob Dylan – com quem a banda se apresentou durante os prêmios Grammy em fevereiro – fez nos Estados Unidos no mesmo período. Quarenta anos depois, Mumford and Sons subir ao palco na California – e ter sobre si todos os olhos dos Estados Unidos e do mundo – é a devolução de uma herança cultural contínua, fermentada no lado B do mercado fonográfico e que encontrou seu momento para se tornar um movimento cada vez mais global com o mais americano dos gêneros.
Little Lion Man (ao vivo no Coachella)
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Esqueceu de mencionar que além do suor e dos olhos fechados quem sobe ao palco não é Marcus Mumford e sim seu coração à frente da banda.
É muita lindeza, meus sentimentos agradecem.