MOMO. Continua um Sonhador
Na noite anterior à conversa com o Musica Pavê sobre I Was Told To be Quiet, sexto disco de sua carreira, MOMO. (Marcelo Frota) foi ver uma série “legal, um pouco pesada, mas muito bem-feita, que prevê o mundo daqui a cinco, seis anos”. Dormiu pensando muito, sonhou e se revirou a madrugada toda. “O momento atual é estranho, há uma retórica de ódio, bélica”, refletiu o cantautor – como se refere a si mesmo -, “acho que parar um pouco pra silenciar é uma forma de poder encontrar dentro desse ruído todo uma certa paz, até pra poder agir. Esse meu disco é um convite à contemplação de um silêncio, de uma quietude. Silenciar é uma ação também”.
O ótimo I Was Told to Be Quiet, lançado no Brasil pelo selo LAB 344, vem treze anos após o lançamento de seu primeiro álbum, A Estética do Rabisco (2006). Questionado sobre o que havia mudado de forma mais significativa desde lá, respondeu primeiro com o que mantém até hoje, perceptível durante toda a entrevista: “brilho nos olhos”.
“Aos treze anos, fui na casa de um amigo brincar e vi o irmão dele tocando violão. Fiquei apaixonado por aquele momento, aquela cena. Desde então, mantenho a mesma paixão, o mesmo amor. Eu continuo sendo um sonhador, sonhando em fazer coisas bacanas e relevantes pra mim. Sou apaixonado pelo que faço. Estou sempre querendo fazer coisas mais bonitas”
A música como objeto de paixão é, como consequência, objeto de contemplação por Marcelo, que aprendeu “a escutar música com amigos, numa sala, para ouvir os detalhes”. A forma como compõe, interpreta, arranja e produz, traduz essa relação e, a exemplo de I Was Told To Be Quiet, gera obras que naturalmente pedem por uma audição atenta, contemplativa, imersa.
“Eu sou um ouvinte que me apaixona pelo disco, paro tudo pra ouvir. Tenho um pensamento meio clássico de fazer disco. Fala-se muito de single, mas eu penso mais em conseguir criar uma história, uma narrativa, um sentido. Muitas vezes o disco não bate de primeira., mas tem que dar um tempo pro disco se acostumar com a gente (risos). Falar isso em tempos atuais é uma utopia mesmo… Mas foi assim que aprendi a ouvir música. Meus discos são feitos por um ouvinte que é apreciador de música, que quer ouvir aquilo para desfrutar do momento. Acho que as pessoas tem que se dispor a escutar meus discos, tem que querer. É assim, porque eu sou esse ouvinte”
Há as coisas que não mudam em MOMO., de continuar um sonhador à escuta contemplativa, há as flutuações entre caminhos mais nublados (Cadafalso, 2013) e ensolarados (Voá, 2017) e há as mudanças graduais e inescapáveis de quase quinze anos de carreira, ou a “matéria vida”, como aponta.
“A gente vai também aprimorando, afinando uma coisa ou outra… Uma coisa que eu sei que mudou de lá pra cá é minha voz. Era uma voz mais límpida. Agora tem um pouco mais de ar”
A voz de MOMO., para além da “matéria vida” cada vez mais presente, faz uso da língua inglesa para aumentar a palheta de cores de seus discos desde Serenade of a Sailor (2011). O inglês surgiu nas suas composições após uma turnê nos EUA, da qual o artista voltou “com melodias na cabeça, que sabia que eram pra ser em inglês”. “As melodias”, Marcelo reflete, “já nascem com os fonemas”. Em I Was Told to Be Quiet, a língua francesa, também aparece em canções escritas ao lado de sua esposa Amanda, nascida na França.
“Quando canto em outra língua é como se eu ouvisse outro intérprete, como se conseguisse imaginar outra pessoa cantando. O que é assustador, ao mesmo tempo libertador. Talvez eu não conseguisse dizer coisas que eu não escreveria em português. Cantar bem pra mim é condensar um pouco de tudo que gente vive e botar isso em notas. Cantar pra mim é dizer melhor as palavras. Acho que eu estou conseguindo dizer melhor. Além disso, cantar em outra língua é como se fosse utilizar um instrumento em outro registro, porque quando você pronuncia em outra língua, os acentos, a forma, tudo muda”
Outro aspecto da voz de MOMO. que o próprio destaca em I Was Told To Be Quiet é o volume, “menos na frente” do que em outras oportunidades e “mais misturado com os arranjos”, como define o próprio artista, contribuindo com o clima de imersão e contemplação proposto por Marcelo.
“Com banda, existe a possibilidade de colocar voz e violão mais na frente. Eu acho bacana de outra forma. Quando ouvi a mixagem na primeira vez, fiquei meio ressabiado, mas depois entendi que esse era a concepção do disco. Isso não quer dizer que você esteja diminuindo a importância da voz e da letra, pelo contrário. Às vezes o fato de você não ouvir com tanta clareza, faz você querer ouvir mais ainda, ficar mais instigado”
A primeira mixagem (assim como a produção do disco) à qual se refere MOMO. foi feita por Tom Biller, que já trabalhou com nomes como Kanye West, Fionna Apple e Elliott Smith. Para a produção de I Was Told To Be Quiet, os dois ficaram por um mês e alguns dias juntos, “todos os dias, todos os dias, todos os dias” em um período “trabalhoso, mas muito gostoso”. A produção se utiliza pouco de guitarras elétricas e dá espaço para harmonias, melodias e ruídos alternativos. Estes sons, escolhidos de forma muito sensível, dialogam ora de forma mais agressiva, ora de forma mais delicada com a voz e o violão de Marcelo, colorindo suas já muito cuidadosas composições.
“Tom é um cara muito bom nessas coisas de clima, mestre em manipular o som e criar ambiências. Ele foi mestre, a gente se deu muito bem no estúdio, uma alma gêmea mesmo. Foi um encontro bonito. Falo até que é nosso disco, ele ri (risos)”
Sobre uma carreira sólida, recheada de discos com boas críticas e com boa circulação internacional, MOMO. diz achar que fez as “escolhas certas”. Sua maior preocupação sempre foi com “a longevidade, a obra, construir uma história, não com um buzz semanal”.
“Claro que tenho meus momentos de mais ansiedade, mas acredito que o tempo vai separando o que é relevante, o que fica… o tempo vai dizer. Neste sentido eu estou alinhado com o tempo que eu acredito, minha música tá alinhada com isso. É confortante sentir isso”
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