MC Tha: “O que eu tenho para mostrar é música brasileira”

Não escolho o que eu vou compor: Vem a letra na cabeça, depois a melodia, aí anoto, gravo no celular pra não perder (se não gravar na hora, já era)(risos) e, a partir daquilo, eu vejo se quero gravar mesmo e lançar, ou não” – existe uma simplicidade na fala da cantora MC Tha que espanta quem percebe a altíssima qualidade de seus trabalhos, como o recente álbum Rito de Passá.

Conversando com o Música Pavê por telefone, a artista se autointitulou uma “compositora intuitiva” – termo que pegou emprestado de uma fala de Leci Brandão. Cantora desde os quinze anos, ela parece levar sua carreira com a mesma pegada honesta com que conversa sobre sua música. “Eu sei música de ouvido, nunca fiz aula, não sei cantar nada”, comenta ela, “sou muito de ouvir e conseguir fazer”.

Ao relembrar sua carreira, Tha comenta que, após uma pausa aos 18 anos “para trabalhar e estudar”, seu retorno à música trouxe com ele uma desaproximação do funk em que ela começou. “Quando lancei Olha Quem Chegou, eu queria entender em que lugar MC Tha estava, e quem era ela”, relembra a artista, “eu não queria fazer um funk pop industrializado, após aquela fase de ostentação quando o funk dominou as TVs, rádios e casas de show. O funk estava mais pop, mas, em contrapartida, ele voltava a ser das ruas na periferia”.

Tha nasceu e cresceu em Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, o que lhe confere um olhar apurado tanto às culturas marginais, quanto ao sentimento de ser da capital paulista. “Eu brinco que por infelicidade nasci em São Paulo”, comenta ela rindo, “a gente não tem muito amor pela terra, nem costumes muito próprios”. Filha de mãe baiana, ela pôde se “descobrir em diversas outras regiões”.

“Quando lancei Pra Você, já me entendia como uma cantora de ‘funk brasileiro’, porque podia agregar muitas outras coisas do país ao meu estilo. Sempre ouvi muita música brasileira, e ouço até hoje. O meu trabalho traz muito das minhas lembranças musicais, de ritos e de outras regiões. O que eu tenho pra mostrar é música brasileira”.

Nesse seu fluxo de inspirações, o músico Jaloo acabou tendo papel importante no processo de expandir sua musicalidade. “Morei com ele por cinco anos no centro de São Paulo – que é praticamente outra cidade de onde eu nasci”, explica Tha, “ele me levou para Belém (PA) e me senti em casa”. “Quando convidei ele e Felipe Cordeiro para Onda, a música nem tinha essa carga paraense. Mas, depois deles terem gravado, eu já me sinto no Pará, numa festa na beira de rio. Tenho muito esse imaginário, isso de criar cenários. Nascer na periferia de SP e vir me descobrindo a partir disso me ajuda muito a ter essa coisa de não me localizar num lugar certo”.

Céu Azul, uma das músicas brasileiras mais bonitas de 2018, foi uma faixa que ela escreveu e deu para Jaloo gravar. “Eu achava que ela não era pra mim, que eu não conseguiria cantar”, conta ela, “ele me convidou para gravar com ele, me ensinou que era uma prisão na minha cabeça que eu tinha que desbloquear. Hoje eu entendo que, se a gente consegue imaginar, a gente consegue executar. Meu trampo sempre foi muito independente, não tive grana pra pagar uma professora de canto, que facilmente poderia ajudar com isso. A gravação do álbum também foi muito na raça, fui cantando e vendo como fazer melhor”.

Quem já viu um de seus shows sabe que essa vibe sincera está presente também ao vivo. “Gosto muito de tocar em lugar aberto”, conta ela, “adoro quando não tem delimitação de palco. Não me sinto mais que ninguém, então gosto quando consigo estar junto do povo”. O formato da apresentação, com forte carga eletrônica, fica bem tanto em locais menores quanto em grandes festivais – MC Tha é uma das atrações do MECAMaquiné, em 12 de outubro, no Rio Grande do Sul.

“Eu sonhei em ter uma formação só de meninas no show, sempre quis trazer mais mulheres também na produção”, diz a artista, “queria ter mais pessoas no palco, mas a gente vive num momento muito difícil. É uma utopia ter banda grande e viajar com todo mundo. Às vezes, a gente faz as coisas só por poder ir e fazer, pra cantar pro pessoal, compensa só por isso. A realidade do músico independente é essa: Ou você se adequa ou não consegue fazer”.

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