Matheus Brant: “O artista deve ter total liberdade”
O cenário a gente conhece muito bem: Brasil em 2019, aquela época em que os que se enrolam na bandeira da nação são os primeiros a tomarem uma atitude subserviente ao estrangeiro. Enquanto isso, a arte dá conta de investigar a cultura e trazer à luz os elementos que identificam (e celebram) o país para os próprios brasileiros. Não é nenhum ufanismo, é o simples ato de dar valor ao que nos pertence, de reconhecer a beleza do que nos é próprio.
Cola Comigo chegou ao mundo nesse contexto, seguindo as investigações que Matheus Brant sempre fez daquilo que, no Brasil, é popular dentro da música (atente-se à escolha de palavras aqui). Responsável pelo bloco Me Beija que Sou Pagodeiro (lá em sua Belo Horizonte), o cantor e compositor trabalha um novo olhar sobre o pagode nas dez belas faixas que compõem o disco.
Falando ao Música Pavê por telefone, Matheus conta que o bloco teve uma influência pessoal em seu olhar a partir das vivências no carnaval de rua desde 2014, “mas também pela pesquisa que tive que fazer das músicas para tocar no bloco”. No novo álbum, ele “tinha a intenção de fazer algo que saísse da nossa bolha independente e dialogasse com o público consumidor de música no geral, com quem eu não convivo nos shows. Queria fazer músicas que fizessem sentido na vida das pessoas, que elas pudessem até compartilhar trechos com as outras para falarem como se sentem”.
O pagode chega aí para dar continuidade à proposta do seu álbum anterior, Assume que Gosta (2016), explorando estéticas nem sempre abraçadas pela crítica. “Eu tinha feito alguns reggaetons e cumbias, mas preferimos nos alinhar ao pagode. Quis aproximar dois universos, o popular e o independente, com timbres e texturas que me agradam mais. Quando levei essas músicas para o estúdio, a roupagem ficou totalmente diferente tanto do pagode anos 90, quanto do atual”.
“Um contraponto nessa ideia de atingir públicos diferentes era entender esse país nosso: Qual é o gosto desse povo? Qual é esse nosso novo recorte social?”, comenta o músico, “mas estou tentando fazer isso de forma afável, sem agressividade, meio sedutor, chegando de mansinho, para que você entenda que há também leveza”.
Essa atitude mais tranquila (referencialmente mineira) vai de encontro com as tendências violentas que observamos no Brasil de hoje, nas quais pensadores e artistas, se não se conformam aos moldes hegemônicos e colonizados, viram alvos de um ódio coletivo que faz questão de calá-los. Ainda assim, Cola Comigo tateia alguns assuntos, às vezes nas entrelinhas, cujo debate é tão urgente quanto silenciado em nossa sociedade, como questões raciais e de gênero.
“Eu pressuponho que uma obra que esteja em contato com a cultura e com a sociedade possua um papel simbólico”, explica Matheus, “um homem branco hétero que fala de questões que não são minhas, isso é simbólico, é mais uma vez o homem falar de coisas que não vivencia. Mas, por outro lado, eu acho que o artista deve ter total liberdade, que a arte não deva ter censura nenhuma, a não ser que venha a configurar crime. Uma vez que o artista fala isso, o público vai avaliar se isso é adequado ou não”.
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