Marcelo Callado diz que “Caduco” é “disco sobre mudança”

foto por caroline bittencourt

A faixa de abertura de Caduco, recém-lançado disco de Marcelo Callado, traduz muito do espírito de toda a obra. Não à toa, Só Por Hoje foi escolhida como single para apresentar este que é seu terceiro álbum solo, em paralelo ao que faz com sua banda Do Amor.

A música tem dois momentos distintos que amparam o conteúdo muito pessoal sobre dependência química, trabalhando uma estética de contraste. “Só Por Hoje é quase um mantra meu todos os dias”, disse o cantor e compositor ao Música Pavê, “as músicas surgiram muito de uma necessidade minha de colocar essas questões pra fora, pra que eu pudesse me ajudar antes de tudo”. 

É um negócio muito pessoal, mas eu não tenho vergonha de abrir isso não. A gente que escreve letra, que faz arte, acho muito maneiro quando eu ouço artistas que colocam suas verdades, seus conflitos, seus demônios, suas ideias descritas de forma direta. Acho que eu tinha que fazer isso de alguma forma, que ia ser bom pra mim e ia ajudar uma pá de gente também. E de fato recebi muitas mensagens quando saiu o single, me deixou muito grato”.

Essa música fala assim explicitamente, mas tem outras no disco que também permeiam esse conteúdo, mas de uma forma mais poética”, comenta Callado, que adiciona: “Mais do que sobre dependência, é um disco sobre mudança. Acho que o lance da minha adicção está presente, mas, mais do que isso, é um disco de que fala de uma mudança na maneira de se viver. 

Há uma tensão sentida entre as faixas da obra, co-produzida pelo artista ao lado de Martin Scian. Assim como em Só Por Hoje, parece que todas as músicas querem romper com alguma coisa, ou mudar de direção. Essa inquietude está presente nas letras, nas dinâmicas das canções e na ambientação abafada presente ao longo do álbum. Ele soa ora convidativo, ora provocador – no sentido de “estranhamento” do termo.

Eu gosto muito de mesclar essas duas coisas”, conta Callado, “eu sou um adorador da canção, gosto mesmo de melodia, letra, canto, mas também gosto de ruídos e de experimentalismos. Então procuro usar isso dentro da canção de alguma maneira que se complementem, dando um certo contraste”.

Um outro exemplo que eu gosto mais do que o de Só Por Hoje é a última música do disco, Contrafluxos. Ela tem uma harmonia muito simples, de três acordes o tempo inteiro. Se dependesse só disso, seria uma canção um pouco chata, ela não se sustentaria, então, eu quis usar desses artifícios mais experimentais. Gravei o som da escada rolante da estação de metrô, peguei a guitarra e fiquei experimentando um monte de barulho, botei um violão em reverse. Fiquei brincando até chegar a um negócio que tirasse a ‘caretice’ dela, harmonicamente e melodicamente falando – porque a letra eu não acho careta, eu acho maneira (risos) -, tinha um negócio de canção que ficava um pouco chato. Quis meter um monte de maluquice e acho que, assim, ela se sustentou”.

Já tendo se apresentado com vários músicos do cenário brasileiro atual – como Ava Rocha, Alice Caymmi, Branco Mello, Kassin e Jorge Mautner, além de ter integrado a banda Cê, de Caetano Velloso -, Marcelo comenta que o que vemos de contemporâneo em seu som tem a ver com “o diálogo que eu tenho com essa galera. Gosto muito dessa troca que existe, é muito gratificante e muito rico estar envolvido em tantos projetos”.

Ainda assim, ele percebe que sua produção tem algo diferente do contexto em que está inserida. “Eu tenho o problema das minhas referências serem sempre de um outro tempo, do passado, de uma época que eu nem vivi”, conta ele, “eu mesmo constato que eu fico um pouco preso a isso, às vezes isso me dá uma aflição. Talvez em um próximo disco meu eu faça tudo muito diferente, sair de um lugar onde eu fico à vontade com esse vocabulário, sabe?”.

Da mesma forma que Só Por Hoje muda de um momento para o outro e que as outras músicas de Caduco parecem querer se transformar, é possível observar que Callado canta sobre transições por entender ou a naturalidade, ou a necessidade delas – daí também a perspectiva de um próximo disco ser diferente deste. Ouça e perceba.

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