Juliano Costa Arrisca a Bobeira de “Chamar Alguém de Amor”

O músico e escritor Juliano Costa explora em seu novo álbum, Chamar Alguém de Amor, os sentimentos do começo de um relacionamento e a criação de uma obra temática. O disco conta a história de um casal apaixonado e acentua a beleza de amar sem a ilusão de que tudo é perfeito. Este enredo é muito bem construído e deixa o ouvinte ansioso para saber o desfecho da história desses personagens que estão tão perto da nossa realidade.
Chamar Alguém de Amor traz uma mudança de tom na forma que Juliano se expressa em canções românticas. O músico contou ao Música Pavê como foi mudar para uma visão otimista do amor e as dificuldades e recompensas de sair da sua zona de conforto composicional.
Música Pavê: Como você escolheu o amor como tema do álbum?
Juliano Costa: Eu sempre fiz composições tristes sobre relacionamentos; Até agora, só rolava sofrimento. Não é nem algo relacionado com a minha vida pessoal. Virou quase que um vício de composição, seguir esse caminho mais fácil de fazer lamentações. Isso estava me deixando um pouco incomodado porque, várias vezes, não era o que estava realmente acontecendo. Eu sentia que ficava me repetindo. Então, ano passado, decidi fazer uma curva diferente. Começou com uma música que eu estava compondo e queria ir para aquele mesmo caminho do fim de relacionamento e saudade… até que decidi que ia tentar fazer aquela história ser uma história feliz. Fazer essas músicas, com euforia ou com otimismo, é uma dificuldade para mim. Então, fiquei trabalhando nessa composição e, quando achei o caminho, pensei: “É possível. Vou tentar mais vezes”. Isso foi rolando e, quando eu já tinha três ou quatro músicas, decidi fazer um disco inteiro nesse tema. Queria me forçar a aprender essa coisa que eu não sabia, quer dizer, e eu ainda não sei (risos)… O sofrimento estava proibido nas próximas composições. Foi assim que entrei nessa pegada de falar de amor de um jeito otimista. A maior dificuldade, pra mim, é fazer isso sem parecer bobo. Esse é o maior risco.
MP: Qual foi o maior obstáculo para não parecer bobo? Ou é impossível falar de amor sem parecer bobo? (risos)
JC: Teve uma hora que eu desencanei e fui sem medo de ser feliz. Tem uma certa “bobeirice” no apaixonamento que é bem-vinda, também, é uma coisa que faz parte desse contexto. Mas, eu fiquei me esforçando para colocar algumas vírgulas nas composições, alguns poréns, que mostram que não é alegria o tempo todo… uns acordes mais tensos e um lado B com um tempero diferente que mostram isso.
MP: Sabemos que, além de músico, você também é escritor. Escrever essa jornada musical para um personagem, nesse caso uma pessoa apaixonada, teve algum paralelo criativo com seu lado escritor? Ou foi algo completamente diferente?
JC: Teve tudo a ver. Quando escrevi meu primeiro livro, chamado Fumo, encontrei um jeito de trabalhar com o texto que me fez olhar para a obra de um jeito mais distante e me ajudou a organizar melhor os pensamentos na hora de escrever. Eu queria levar isso para a composição musical de uma forma que eu conseguisse elaborar um roteiro e as partes da obra como um todo. Porque, até então, a composição para mim era um processo muito espontâneo, era sobre o que fluísse no momento. Neste disco, tentei fazer uma abordagem mais literária mesmo. Pensei: “Eu vou contar uma história que não é a minha e eu vou montar um roteiro disso”. Criei a história de um casal e contei subjetivamente as coisas que iam acontecendo no começo da relação deles.
MP: Você gostou de compor desse jeito? Foi proveitoso?
JC: Eu gostei, sim. Vida Real, que lancei ano passado, era completamente autobiográfico e tudo era cru. Eu produzi o disco de uma forma que aparecessem as imperfeições e as partes mais longas, tentando simular a vida real mesmo… tem vezes que nada acontece ou as coisas estão sem graça. Eu quis ser bem fiel à vida e, no fim das contas, me incomodei com esse processo, achei que ficou faltando um olhar de projeto fechado. Já, em Chamar Alguém De Amor, eu curti. No começo, achei que esse roteiro me aprisionaria, mas foi muito libertador ter um tema. Eu não precisei me preocupar em achar vários assuntos diferentes. Só precisava pensar na melhor maneira possível para trabalhar o tema… quase como um disco sob encomenda para mim mesmo (risos). Eu achei esse processo tão legal que estou até pensando em fazer os volumes 2 e 3 com a continuação dessa história.

MP: Dá pra notar uma estética balada dos anos 1950/60 em várias faixas do seu disco. Teve alguma inspiração específica para essa estética ou foi só uma questão estilística?
JC: Nesse último ano, enquanto estava compondo as músicas do álbum, fiquei muito viciado em escutar Chico Buarque, pelas melodias e letras. Eu tentava colocar na minha cabeça as palavras que ele usa e as construções. Fiquei viciado no jeito que ele escreve. Agora, da parte de harmonia, eu não sou um violonista bom e não manjo muito dos nomes das coisas na harmonia, então vou experimentando os caminhos. Inclusive, tem uma página do Instagram que é sobre truques de harmonia de The Beatles e eu acabei pegando muitos desses caminhos. Às vezes, eu tinha a letra, a melodia e alguma ideia da harmonia na minha cabeça… e essas dicas me ajudaram a executar isso melhor. Foi bem tutorial de YouTube, uma coisa bem tosca, mas que funcionou pra mim. Geralmente é difícil compor algo acompanhado por causa dessas limitações, mas nesse disco acabou acontecendo. A música Bagunça foi uma experiência muito legal por sair desse caminho solitário. Ela foi feita por mim e pela minha amiga Milena Rosado, que tem um método parecido com o meu. Eu acho legal admitir isso porque faz parte do meu processo. Outras referências que usei foram Rita Lee, Roberto de Carvalho, tiveram várias coisas dos anos 80, e muito pagode também. Tentei me inspirar em pessoas que falavam do amor e dos relacionamentos de uma forma positiva.
MP: Como foi o processo da produção do disco?
JC: Foi um processo bem diferente. Renato Medeiros, meu amigo de quem sou muito fã, que produziu o disco. Ele já tinha produzido meu primeiro disco, me deu uma ajuda enquanto eu produzia Vida Real sozinho e eu queria que a produção fosse inteira dele em Chamar Alguém De Amor. Dessa vez, eu não quis nem participar do processo. Mandei os áudios das músicas só voz e violão por WhatsApp e falei para ele: “Faz o que você quiser. O caminho que você achar melhor para essas composições é por onde nós vamos”. Por mais que a gente conversasse sobre alguns detalhes, cada vez que ele terminava uma música, era uma surpresa. Foi muito legal porque o disco ficou com a cara dele, ele criou a identidade sonora. Outra coisa interessante foi a participação do meu amigo Gabriel Serapicos como cantor e co-produtor na música Tudo Outra Vez e a participação de Helena Aranha, que chamamos para gravar uma música e, no final, gravou quatro, de tanto que gostamos do resultado (risos).
MP: O que você achou de dar essa liberdade para o produtor? Você faria de novo?
JC: Sendo bem sincero, eu faria de novo muitas vezes, mas só com Renato (risos). Já somos amigos há muito tempo, falamos de música há muito tempo e tocamos junto há muito tempo também. Eu me sinto seguro porque, ao mesmo tempo que ele tem habilidades que não tenho, ele sabe o que eu gosto. É sempre uma surpresa muito boa ver o que ele apronta, porque tem a ver comigo e, mesmo se não tiver, vou concordar porque eu sei que o que ele propõe vale a pena.

MP: Você comentou das suas referências para o disco como o Chico Buarque e a Rita Lee. Você tem alguma referência forte como músico no geral? Algum artista ou artistas que foram importantes para sua formação como artista.
JC: De uma maneira geral, Arnaldo Antunes é uma grande referência de carreira artística pra mim. Ele escreve, faz poesia, compõe, tem presença de palco e sabe falar muito bem do trabalho dele. Eu acho muito louco ele ter essa consciência de tudo que está vivendo. Ele tem um grande domínio da linguagem e consegue destrinchar tudo que acontece na carreira, além de conseguir transitar entre trabalhos de diferentes estilos tranquilamente. Ele é uma força.
MP: E você é um músico que gosta de criar a sua identidade e seguir o mesmo caminho ou gosta de experimentar vários estilos diferentes?
JC: Eu gostaria de experimentar mais.Tenho vontade de fazer coisas que estão mais fora de minha zona de conforto, mas acho que ainda não está na hora, sabe? Lógico que eu tenho em casa vários projetos cheios de experimentação. Só que essas ideias ainda não estão maduras o suficiente. Por mais que tenham diferenças sonoras entre os meus discos, ainda existe uma continuidade musical entre os meus trabalhos. A meta é amadurecer as doideiras, as coisas diferentes, e, no momento certo, fazer para valer.
MP: Já que seu disco trata todo do amor, o que Juliano Costa pensa sobre o amor em 2025? Ele existe? Ele é uma utopia, uma dificuldade ou uma benção?
JC: (Risos) Eu acho que ele é uma benção, ele existe e vai sempre existir. O amor é fundamental mas só se for o sentimento de verdade. Ele não pode ser forçado ou hiper analisado. O amor tem que existir porque sem a possibilidade da existência dele, nada tem sentido.
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