Juliano Abramovay atravessa geografias e épocas em “Amazonon”

Quem conhece o trabalho que Juliano Abramovay faz com a banda Grand Bazaar chega ao seu primeiro trabalho solo entendendo o transatlanticismo que permeia as seis faixas de Amazonon.

Misturando timbres, épocas e geografias, o músico reúne elementos de sua pesquisa sobre a música do Mediterrâneo com a sua herança brasileira. São belíssimas composições que nascem de encontros com outros artistas e com seu repertório como professor de música otomana.

No dia em que Amazonon chega às plataformas de streaming, Juliano conta ao Música Pavê o que está por trás de cada música do disco.

Anzol 

A faixa que abre o disco foi composta no violão, enquanto trabalhava para o Festival de Inverno de Campos do Jordão em 2010, muito antes de ter contato com a música do mediterrâneo. Os primeiros acordes causam um tom estranheza pelo fato dos baixos não estarem onde se esperaria. Em 2018, quando estava na Grécia ensaiando com Chrysanthi, mostrei a ela a canção. A musicista grega se conectou imediatamente com Anzol– mesmo não fazendo parte de sua linguagem. Com sua lyra, Chrysanthi conseguiu captar a essência lírica da música e ampliá-la ainda mais. 

Aparani Par 

É uma peça tradicional armênia, que utiliza a combinação de ritmos regulares com ritmos irregulares. Aparani Par é bastante presente em danças circulares (ou danças de roda). Para este arranjo, o grupo buscou uma sonoridade mais crua e agressiva, com uma pitada de rock’n roll. Aqui, toco o Baglama saz, instrumento turco muito popular na região, para dar uma sonoridade metálica às cordas da faixa. 

Ussak Saz Semai 

Composto pelo armênio Tatyos Efendi no começo no final do século XIX, Ussak é o nome de um dos muitos modos que compõe a música clássica otomana. Essa peça é bastante popular entre músicos dessa linguagem, e aqui buscou-se ressaltar a influência do jazz, graças ao o baixo e bateria. No meio da faixa, os músicos inovam ao arriscar um ritmo brasileiro para acompanhar a melodia tradicional. 

Modinha 

É uma música de Gabriel Levy inspirada na Modinha, um dos gêneros fundamentais na criação da música popular brasileira como a conhecemos hoje.  O grupo, em especial com a lyra e o violão fretless, expandiu o lirismo que define este estilo e que Gabriel expressou tão bem em sua melodia. A peça também se utiliza de um ritmo muito presente comum nos Balcãs e no mediterrâneo, o 7/8.

Karcigar Pesrev 

“Pesrev” é muitas vezes traduzido como Prelúdio; são peças que introduzem o modo que será apresentado durante as cerimônias sufis; É portanto, uma peça que está ligada à tradição Sufi e Otomana. O modo em questão, “Karcigar”, utiliza um sistema de afinação diferente do Ocidental. Isto significa que é impossível tocá-lo em um piano ou em um violão, pois exige que o instrumento tenha mais notas do que o nosso sistema ocidental oferece. Neste arranjo, o grupo utiliza uma combinação de alaúde, lyra e bateria, bastante inusitada aos moldes tradicionais. O turco Salih Dede, que viveu entre os séculos XVIII e XIX, é o compositor desta peça.  

Amazonon 

Para nós brasileiros, a primeira imagem que nos vem à cabeça quando nos deparamos com a palavra “Amazonas”, é a Selva Amazônica. Na Grécia, por outro lado, a primeira ligação é com o mito grego das Amazonas, uma tribo de mulheres guerreiras. E a conexão entre estes dois nomes se deve ao fato de um invasor espanhol ter sido atacado por uma tribo de mulheres guerreiras no Brasil, ter se lembrado da mitologia grega, e este nome ter ficado. São conexões curiosas, quase acasos que acontecem e que se solidificam nas identidades. Isto me interessa como músico: ir atrás dessas pontes imaginárias. Eu estava em Thessaloniki (ou Salônica), na Grécia, na primeira vez que eu pensei nessa conexão. Estávamos eu e Chrysanthi Gkika ensaiando em sua casa quando caiu uma chuva torrencial, criando um caudaloso rio sobre a rua em que ela mora. Da varanda de sua casa, eu observava esse momentâneo rio, pensando nas chuvas tropicais, na força do rio Amazonas e nas enchentes que tanto castigam São Paulo. Foi só quando eu saí da casa dela que eu li a placa com o nome de sua rua: Amazonon. Virou o nome da composição que tocávamos, e também do projeto.

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