Inky em Santiago: Integração aos Vizinhos Latinos

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Virou tradição do Primavera Fauna adotar em sua programação pelo menos uma banda brasileira todo ano. O festival chileno – um dos mais legais da América Latina – escalou Bonde do Rolê em 2012, CSS em 2013, Boogarins no ano passado e, neste ano, destinou à banda paulistana Inky um importante lugar no palco principal do evento. Ao seu lado, estavam Morrissey, The Cardigans, Empire of the Sun, Miami Horror e Explosions in the Sky. A banda fez do festival o ponto principal de uma turnê latina, que contou com um segundo show em Santiago, no Bar Loreto, e uma passagem por Lima no Peru.

A minha viagem pra conhecer o Chile e o festival, que eu já queria ver há anos, também virou uma oportunidade para experimentar de perto como nossos vizinhos recebem nossa música alternativa.

Em Santiago, capital do Chile, a Rádio Uno toca apenas música chilena. Passa pelos clássicos equivalentes ao que seriam nossos Novos Baianos e Secos e Molhados, mas foca principalmente na nova geração deles – da música pop, rock e alternativa. Poucos dias por lá ouvindo muito essa rádio (apresentada pelo meu anfitrião chileno) foram suficientes pra sacar o quanto o país está antenado no que se produz musicalmente no Brasil. As referências sonoras à nossa MPB, samba e até ritmos nordestinos pipocavam em bandas de diferentes gêneros e ouvi pelo menos três covers de músicas brasileiras cantadas em português espanholado.

Mas o que chamou mais minha atenção foi a qualidade da música alternativa chilena. Era pancada atrás de pancada, independente de onde as bandas buscavam suas referências. Dava pra ouvir o som “de casa” nos ritmos andinos mas também tudo que está rolando no alternativo mundial, seja um pouco de post-rock moderninho, indie escandinavo, dream pop atmosférico ou, como já mencionei, música brasileira. A pergunta que não saiu da minha cabeça – enquanto meu anfitrião mostrava outras bandas igualmente excelentes de países como Argentina e Colômbia – foi por que o caminho inverso de referências é tão mais raro. Por quê não trocamos mais sons com nossos vizinhos latinos?

O som da Inky passa longe de qualquer expectativa sobre “sons brasileiros”, mas seu show provou que basta uma apresentação muito competente, músicas de apelo universal e algumas palavras em portunhol para arrebatar os corações estrangeiros. A banda deixou pra trás qualquer barreira geográfica e linguística que seria possível.

O Bar Loreto recebeu o grupo na sexta-feira, 12 de Novembro. A casa de shows parecia uma versão em miniatura do paulistano The Clash incrustado na Bella Vista, o bairro mais boêmio de Santiago. A região é o que aconteceria se a Augusta e a Vila Madalena tivessem um filho no sopé de um morro com uma Virgem Maria gigante iluminada. Antes do show, Guilherme Silva, baixista da Inky, contou que a escalação para o Primavera Fauna veio como fruto de um bom projeto de assessoria e de muita insistência. Foi uma decisão unânime da banda resolver focar também no público latino, geralmente ignorado pelas bandas alternativas brasileiras que visam primeiramente a Europa e esquecem dos nossos vizinhos.

O show da Inky funciona num crescendo explosivo, no qual o rock com pegada industrial e noisy é base para diversos movimentos. Há horas em que baixo e bateria entram num frenesi que você só esperaria de um show com um pézinho no metal e no progressivo (alguém falou groove metal?). E mesmo nos momentos em que os sintetizadores viram protagonistas, a música eletrônica não sobrepõe o rock. Mas a definição de gênero é realmente algo com a qual os paulistanos não se preocupam e que o público provou não ser importante: os empolgados chilenos que apareceram no Bar Loreto dançavam cada vez mais enquanto o show avançava. No fim, uma barreira de cabeças pulando emoldurava o palco.

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Como a vocalista Luiza Pereira contou, uma experiência da banda tocando gratuitamente no litoral deu tão certo que a prefeitura da cidade os chamou novamente na semana seguinte, o detalhe é que dividiam a programação com artistas até de sertanejo universitário. Assim como o público latino, o público brasileiro – independente de onde estiver – parece desejar apenas um show muito bom e uma música muito boa.

Luiza também chamou muito a atenção para o fato de que as músicas em inglês não são uma barreira – nem aqui, nem lá -, como muita gente faz questão de insistir. Tanto em Fish Delay quanto em Massive – alguns dos melhores momentos do show – a cadência da letra é tão boa e a execução de Luiza é tão envolvente que a última coisa que você vai pensar é de que país é aquela banda. É música boa e ponto.

Depois do show, um grupo de novos fãs comprou discos e pediu autógrafos aos integrantes. Um deles disse que estava no Primavera Fauna em 2014 e que tinha se tornado fã de Boogarins após sua apresentação. Não iria na edição de 2015 por não ter dinheiro – o último lote do ingresso para o Festival estava em torno de R$500 -, mas ficou alucinado com o show da Inky. Uma das dançarinas mais empolgadas do show contou super sorridente que não conhecia muita coisa brasileira, mas que uma amiga a havia convencido a assistir ao show do grupo e pareceu contente com a ideia de descobrir mais bandas de cá a partir deles.

A boa atmosfera tanto do show, quanto dos momentos posteriores foram bem importantes pra mim: 12 de novembro foi o dia dos atentados terroristas em Paris e eu ainda aguardava notícias de amigos que vivem por lá. O show foi um bom lembrete de como a música conecta as pessoas por mais diferentes que sejam suas origens e foi minha primeira vez vendo uma bandabrasileira fazendo as vezes de estrangeira. Vendo como foi calorosa a recepção dos nossos vizinhos – não só lá, mas também em Lima, como contou Guilherme (num show com um público bem maior) -, só resta esperar que o intercâmbio entre nossa música alternativa e a deles cresça nos próximos anos. Uma vaga pra gente já está provavelmente aberta no Primavera Fauna e todos os corações pareciam abertos pra nossa música do outro lado da Cordilheira.

Veja a cobertura do Primavera Fauna no blog Aos Cubos e curta mais de Inky no Música Pavê

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