Faixa a Faixa: Solange – “When I Get Home”

Os quase três anos que separam A Seat at the Table de When I Get Home viram Solange se firmar como uma artista dentro de tudo o que essa palavra pode carregar. Para além do status de celebridade – algo imposto também pelo sobrenome Knowles -, a cantora e compositora viu sua música ocupar espaços como museus e galerias, uma trajetória que certamente teve influência na grandiosidade com que este novo lançamento chegou.

Anunciado meras horas antes de chegar às plataformas de streaming, o disco traz 19 faixas curtas que se emendam umas nas outras, contando com cinco interlúdios e uma narrativa ainda mais linear que a do álbum anterior. Sem nenhum single anterior ou mesmo nenhum hit óbvio dentro do repertório, ela esperou quase uma semana para soltar o primeiro clipe.

Diante dessa obra que mais parece um acontecimento, a equipe Música Pavê ouviu When I Get Home por dias até dividir suas impressões neste Faixa a Faixa. Março mal começou, mas não é arriscado afirmar que estamos diante de um dos grandes lançamentos de 2019.

Things I Imagined

A introdução do disco é quase inteira construída em cima de apenas quatro palavras – “vi coisas que imaginei” -, convidando o ouvinte para mergulhar no universo criativo da artista. É o “entre e fique à vontade” seguido de um “não repara a bagunça” nos versos que concluem a música (“encarando a mentira”). (André Felipe de Medeiros)

S McGregor (interlude)

Não há como saber qual estrofe, de fato, é o início ou o fim. Por meio da repetição o piano começa a falhar e a tentativa de se demorar na faixa só se faz possível pelo repeat. O primeiro interlúdio do disco e os seus dezesseis segundos dão uma pista dos recortes e das colagens estabelecidas durante a produção do disco. A voz que encontra o piano para realmente ter embarcado em um trem, ficado sem rumo, e já não encontra deleite algum. Uma boa imagem para marcar as passagens inesperadas do álbum. (Letícia Miranda)

Down with the Clique

Com ajuda de Tyler, the Creator no teclado e backing vocal, Down With The Clique cria o mood perfeito com um jazz elegante e nos insere em um ambiente específico. O interlúdio S McGregor (rua encontrada em Houston onde Solange morou) nos mostrou um adeus triste e Down With The Clique nos emerge em uma memória da cantora: Ela e suas amigas pela cidade. Ao longo da faixa, ouvimos elementos contemporâneos que se misturam perfeitamente esta memória que a canção criou e ele se molda com a próxima faixa de uma maneira natural. (Carolina Reis)

Way to the Show

Se você ouviu o disco de cabo a rabo deve ter notado que Way to the Show funciona praticamente como uma sequência natural de Down With the Clique. A métrica é muito parecida, o que reforça a sensação de continuidade. A música, por sua vez, segue a intenção de homenagear  Houston, cidade natal da cantora. (William Nunes)

Can I Hold the Mic (interlude)

O segundo de cinco interlúdios do álbum começa com um áudio espontâneo de Solange brigando amistosamente por um microfone, o que pode ser interpretado como símbolo da necessidade de expressão da artista. A faixa segue como um manifesto, no qual Solange assume e abraça sua complexidade artística. Ao fazê-lo, antecipa uma resposta a ouvintes mais saudosos, ou prováveis amantes mais fiéis de A Seat at the Table, indicando que não se limitará a “expressões singulares de se mesma” (ufa!). (João Barreira)

Stay Flo

Tá aí uma das músicas mais gostosinhas do disco. É verdade que ela tem aquela batida familiar a outras faixas de Trap e R&B que estão nas paradas de praticamente todo o mundo, mas mesmo assim não deixa de ter as suas próprias qualidades. E isso vem das diversas camadas de vozes sobrepostas que Solange adicionou a Stay Flo. Música com potencial de se tornar hit. (William Nunes)

Dreams

Começa dando sinais de que repetirá o clima da faixa de abertura, mas não tarda em revelar um dos momentos mais imediatamente encantadores do álbum. Aqui, a voz de Solange soa especialmente delicada e cristalina e os pequenos melismas e dobras chegam sempre na hora certa. O baixo ora acrescenta força rítmica, ora destaca as partes melódicas mais bonitas da composição. Liricamente, Dreams é mínima e direta, mas muito significativa. A faixa se desfaz em vozes sussurradas e coros recortados, que remetem ao começo de Alright, do álbum (também) jazzístico de Kendrick Lamar, To Pimp a Butterfly (2015). (João Barreira)

Nothing Withut Intention (interlude)

O interlúdio que antecede Almeda vem com a sonoridade abafada e, por um breve espaço de tempo, se distancia do jazz de outros momentos do álbum, com uma batida mais forte. Uma faixa que cumpre seu papel de unir duas pontas. (Lucas Gabriel Bosso)

Almeda

Seguindo o que propôs no disco anterior, Solange segue vocalizando a luta do povo negro. Ao lado do rapper Playboi Carti, ela brinca com palavras que remetem a brown e black, colocando as cores da sua pele e do seu cabelo em primeiro plano. Em uma época de Black Lives MatterPantera Negra, é mais um grito relevante de empoderamento – feito aqui lindamente na proposta estética do disco. (André Felipe de Medeiros)

Time (Is)

A base é composta por acordes ressonantes de um piano paciente e espaçado, entre os quais um baixo sintetizado caminha tranquilo e saltitante. Um metrônomo soa discreto ao fundo, contribuindo com organicidade e despojamento. A ausência de estruturas melódicas repetitivas do começo da faixa faz com que a voz de Solange soe bastante livre, até desembocar nas repetições líricas e batidas características do álbum. As intervenções vocais de Sampha intensificam o clima etéreo da faixa, que é uma das mais bonitas do CD. (João Barreira)

My Skin My Logo

O disco percorre diferentes sonoridades, assim, não é possível generalizar suas faixas. Aqui, Solange continua seu mergulho no jazz, mas sem deixar de percorrer o soul e o hip-hop. Os ritmos contribuem para que uma certa assinatura do corpo aconteça; um logotipo que se inscreve. Ao lado de Gucci Mane e de Tyler, The Creator, a artista passeia, com muita firmeza, por texturas que corroboram para a construção da faixa. (Letícia Miranda)

We Deal with the Freakin’ (interlude)

É um dos interlúdios do disco com conteúdo mais direcionado ao religioso. Aqui, Solange diz conviver com a aberração, no entanto, dispensa qualquer leitura que não seja estar próximo do divino, sendo isso muito mais do que se contentar em ser uma figura sexual. Seu discurso termina dizendo que somos a personificação ambulante da consciência de Deus. (Rômulo Mendes)

Jerrod

Nesta aqui, Solange canta suas dores e diz aguardar o seu amor. Com a voz singular, a príncipio, nem parece uma canção de amor, sobretudo pelo clima calmo, a atmofesra jazzista e o uso do backing vocal certeiro. Ela nos direciona a um outro lugar, independente de qual seja o ambiente, e uma certeza nos atinge ao final: A de dar repeat na canção e sentir a sua leveza mais tantas vezes for possível. (Rômulo Mendes)

Binz

Uma canção rápida que mostra a genialidade da Solange. Binz revela o senso de humor da cantora com a maneira que ela versa sobre seus desejos e ganhos. Pode ser uma faixa que remete ao seu tempo na Jamaica e nos mostra um funk diferente do resto do álbum. É bem curtinha, mas marcante e bem humorada. (Carolina Reis)

Beltway

São só cinco palavras que formam toda a música, toda calcada em repetições e justaposições que constroem seu significado – é quase concretista. Talvez por medo de perder, talvez por insegurança de ser ou de não ser, talvez por uma palavra que ainda não inventamos, a faixa narra o estranhamento de se sentir amada e a oposição que essa dinâmica tem em relação a uma solidão que pode ser temida e que pode ser confortável. (André Felipe de Medeiros)

Exit Scott (interlude)

Outro interlúdio seguindo uma melodia que remete ao jazz psicodélico envolve um verso poético sobre algo que poderia ser visto como clichê: Se outra pessoa pudesse ler nossa mente, saberia o que estamos sentindo dentro de um relacionamento. Ainda que uma situação comum, a maneira com que Solange apresenta a ideia tem beleza de sobra. (Lucas Gabriel Bosso)

Sound of Rain

A letra parece não seguir o tom romântico do interlúdio e muda nossa atenção completamente para algo dificilmente de ser classificado. Diferente dos versos, a melodia vai se construindo em cima daquele mesmo jazz ácido, sensual e dançante que já estamos habituados a esse ponto do disco. (Lucas Gabriel Bosso)

Not Screwed (interlude)

É quando When I Get Home começa a se despedir. O sample de Standing on the Corner chega no otimismo de afirmar que as coisas não estão erradas “se as estrelas estão alinhadas”, conectando a música anterior com a beleza apoteótica da próxima. (André Felipe de Medeiros)

I’m a Witness

“E eu não vou parar até eu acertar” é o refrão de um lírica romântica que marca a faixa que encerra o trabalho. Solange acertou, e muito. Com um jazz abraçado ao hip hop e tons de psicodelia, entregou faixas de duração curta que podem embalar qualquer cotidiano, e I’m a Witness é prova disso. Que Solange continue acertando por ainda muitos discos. (Lucas Gabriel Bosso)

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