Faixa a Faixa: Criolo – “Sobre Viver”

Quando chega às nossas mãos, ou ouvidos, um novo álbum de Criolo, não é um mero lançamento, mas um verdadeiro acontecimento. Não foi diferente com Sobre Viver, disco que se comunica diretamente com o momento que vivemos enquanto sociedade brasileira, em épocas de tribulações políticas e uma pandemia, com a marca registrada do rapper em estética e em língua afiada.

Diante da intensidade da obra, o Música Pavê decidiu compartilhar um pouco não só de sua mensagem, mas da experiência de escutar o álbum. Como indicavam os singles que o músico apresentou na entressafra dos discos, Criolo se mantém no posto de uma das mentes musicais mais intrigantes, e necessárias, do país.

Criolo – Sobre Viver

Diário do Kaos

“Só o amor pode te afastar do canhão” – na abertura do disco, o rapper constrói uma ambientação melódica sempre crescente, com dicas de um nervosismo em ebulição. Com coração na mão e Tropkillaz na produção, ele canta uma espécie de lamento ensolarado, uma lamúria que quer ser otimista, com pulsão de vida: “Aqui quem fala é um sobrevivente, pai”. (André Felipe de Medeiros)

Pretos Ganhando Dinheiro Incomoda Demais

Como uma continuação mais agressiva da primeira faixa, Pretos Ganhando Dinheiro Incomoda Demais é manifesto e constatação sobre o hábito de matar preto, ainda que ganhe dinheiro. Com batidas angustiantes, a faixa está bem posicionada e dialoga também com seguinte. Essas mortes sempre vão se repetir, no entanto há a esperança de revolução através da arte e educação. Assim profetiza Criolo. Amém! (Rafaela Valverde)

Moleques São Meninos, Crianças São Também

Numa das letras mais fortes do álbum, Criolo fala sobre a inocência das crianças e a dificuldade das que nascem em favelas se manterem fora da criminalidade. O artista fala sobre o abandono do Estado, sobre a diferença de tratamento de crianças ricas e pobres. A parceria com Tropkillaz deu um brilho na canção, trazendo uma força no grave do refrão e uma melodia que fica marcada na mente. (Lili Buarque)

Ogum Ogum

A quarta faixa de Sobre Viver é uma reza a Ogum, o orixá guerreiro das religiões de matriz africana, divindade ligada à proteção. A letra repetitiva em alguns momentos e a percussão marcada da música evocam os pontos cantados em terreiros de Umbanda, cantos sagrados da religião africana. A participação de Mayra Andrade, cantora de Cabo Verde, dá ainda mais alma para o som e brilha nos últimos segundos da faixa. (Guilherme Gurgel)

Sétimo Templário

Outra faixa do disco produzida com o duo Tropkillaz, seu título faz referência aos militares que matavam em nome de Deus. Logo na primeira estrofe, não por coincidência, Criolo os relaciona ao atual presidente, uma crítica a esse Brasil medieval. A música traz uma sonoridade épica e sugere um crescente de dramaticidade. Alternando entre trechos com apenas órgão, baixo e bumbo com outros em que somam-se guitarra, piano, naipes de cordas e outros, a voz de Criolo segue intensa do começo ao fim. (André Moraes)

Me Corte Na Boca do Céu A Morte Não Pede Perdão

Criolo divide o vocal com Milton Nascimento nessa música de melodia simples e repetitiva, mas com letra que flui como rap, nessa fronteira entre rima e canção. A faixa começa sombria e vai adicionando instrumentos jazzísticos para dar uma ”vibe clássica” (que lembra trilha de cinema italiano). Um beat afro-brasileiro completa a faixa. Algumas forçadas na métrica incomodam, como “mundo injustÔ” e “CarnÁval é multidão”, mas a voz de Milton consegue dar profundidade à música. (André Moraes)

Yemanjá Chegou

Segunda faixa do disco com nome de orixá no título, Yemanjá Chegou tem uma sonoridade mais leve se comparada ao restante do álbum. E traz o ritmo semelhante ao Ijexá, ritmo este que embala os pontos do Orixá em questão nos terreiros das religiões brasileiras de matriz africana. Mesmo com sonoridade mais leve, a letra contém a pegada crítica que permeia o álbum, com rimas afiadas, mantendo assunto da desigualdade social. Faixa com refrão hipnotizante, letra necessária, daquelas que te dão vontade de ouvir em looping. (Diego Tribuzy)

Pequenina

Com participações diversificadas, Pequenina vai tecendo o final do álbum, enquanto homenageia a irmã do rapper, Cleane, que morreu de covid-19 no ano passado, mas sem deixar os protestos e as discussões raciais de lado. Afetiva e objetiva, a canção aponta quem são as vítimas mais afetadas pelo sistema e pela pandemia, e nos embala com um refrão potente interpretado por Liniker. (Rafaela Valverde)

Quem Planta Amor Aqui Vai Morrer

Usando de gírias e palavras abreviadas, essa canção questiona o preconceito com quem é diferente e as dificuldades da periferia. Confesso que, quando ouvi a música pela primeira vez, senti uma grande influência de BaianaSystem. Beats arrojados e dançantes, característicos do sound system, a percussão marcante, a voz rasgada, sem os costumeiros melismas de Criolo, e com um quê de agressividade. Uma das minhas favoritas do álbum. (Lili Buarque)

Aprendendo a Sobreviver

Apesar de não ser esta a canção com participação de Mayra Andrade, o arranjo da música remete muito ao estilo da artista cabo-verdiana: percussão em constante, guitarra dedilhada e muitos pizzicatos respondendo as frases de Criolo. Esta faixa dá nome ao disco e me parece uma espécie de desabafo do cantor sobre as diferentes classes sociais e o que o é necessário passar para manter-se vivo: “Existe um mundo que você não vivencia, seus problemas são escolher o que cê vai comer no dia”. Muito forte. (Lili Buarque)

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