Faixa a Faixa: BaianaSystem – “O Futuro Não Demora”

Existiu uma crescente sonora que acompanhava a popularidade de BaianaSystem nos últimos anos, principalmente após o lançamento de seu segundo álbum, Duas Cidades (2016). Dona de um show que a despontou como uma das melhores bandas desta geração no país, chegou seu momento de se estabelecer como referência absoluta na sonoridade brasileira deste fim de década com O Futuro Não Demora.

Dividido em duas partes (Água Fogo), o disco quebra expectativas mais óbvias de sons carnavalescos para trabalhar uma estética absolutamente refinada. É um trabalho que desenvolve a ancestralidade que deu base à nossa música em par com o contemporâneo, sempre envolto em uma atmosfera volumosa resultante de seus muitos elementos.

Para que a experiência de ouvir O Futuro Não Demora seja ainda mais completa, o Música Pavê reuniu algumas palavras sobre cada uma das músicas do disco. 

Água

A abertura do disco é apenas uma pista do que o BaianaSystem tem a oferecer em O Futuro Não Demora. Ao lado de Antônio Carlos & Jocafi e da Orquestra Afrosinfônica, referências a obra de Tom Jobim não passam despercebidas. De Águas de Março a Água de Beber, a preciosidade desse líquido tão essencial marca também a sua escassez, daí o “ouro em pó”. O encontro das águas todas – seja quando Russo canta “No ponto futuro o doce e o sal vão se misturar” ou nos versos famosos de Jobim – abre as portas para o percurso do álbum. Começa com Água e segue em frente, em um curso próprio, cheio de cordas, pianos e vozes.  (Letícia Miranda)

Bola de Cristal

O passado que já passou e o futuro que não vejo se encontram em Bola de Cristal. Natural, portanto, que não haja tempo e espaço suficientes para defini-la. Talvez também não haja motivo. Melhor mesmo é saborear todos os detalhes da faixa ou se entregar ao inevitável desejo de mover o corpo – agora – e deixar que BaianaSystem descanse das definições onde merece: em sua indecifrável espaço-temporalidade.   (João Barreira)

Salve

Uma verdadeira celebração à espiritualidade presente nas culturas africana e baiana, no candomblé e no ijexá. Um pouco das raízes da banda são enaltecidas aqui, em uma música que serve muito bem como uma espécie de mantra e de reconhecimento ao seu eu interior. Neste sentido, ter as participações de Antonio Carlos & Jocafi e BNegão é como juntar os amigos para compartilhar da fé, da esperança, do amor e da liberdade. Tem muito a ver com todo o conceito que permeia o disco. (William Nunes)

Sulamericano

Então você aperta o play, como não quer nada, e os ouvidos encontram a faixa Sulamericano, com a participação de Manu Chao. Os efeitos de antemão já indicam a respiração ofegante e, sem perceber, teu corpo contra ataca, traçando os planos, legitimando o pertencimento a uma América Latina que, mesmo com a justiça cega e suas veias abertas, segue plural e com esperança do verbo esperançar. Afinal, o futuro não demora. (Rômulo Mendes)

Sonar

O contrabaixo ameaça, em seguida já é preenchido por toda sonoridade: Sonar detecta a atmosfera intergalática e solar do disco. Russo Passapusso, Curumim e Edgar conseguem levar o ouvinte a uma viagem astral, sem esquecer da característica de cada um. Termino a canção só reafirmando que, na próxima vida, também quero ser uma luz de led para espalhar luz sobre a face da Terra. (Rômulo Mendes)

Melô do Centro da Terra

Como toda história há momentos de cisão, mas também de encontro. Seguindo um fluxo narrativo os elementos se encontram – seja pela sonoridade construída entre berimbau e guitarra ou o enlace entre Terra e Mar – proporcionando uma recursividade tanto sonora quanto literária. Originalmente composta para trilha sonora do filme “Trampolim do Forte”, o mantra cantado por Lourimbau nos coloca entre a firmeza e a liquidez, entre o fundo e o centro da Terra. A faixa marcar o fim do lado água do disco e evidencia a trajetória do grupo que em 10 anos de existência vem assinando a própria história. (Letícia Miranda)

Navio

De proporções transatlânticas, a primeira música do lado Fogo traz uma batucada comedida para acompanhar os pedais de guitarra. Há força e há melancolia em cada batida nesta que é a faixa mais longa de todo o disco, resumindo em si muitas das características mais marcantes da obra com seu aspecto de cântico e a evocação da ancestralidade. É muito provavelmente como BaianaSystem será lembrada para sempre. (André Felipe de Medeiros)

Redoma

Redoma pode estar no lado “fogo” do disco, mas foi buscar na água a ligação com o lado orgânico tão bem explorado pela banda. Enquanto a parte lírica remete a jangada e vento, o instrumental mescla um eletrônico pesado com lata, zabumba e coros femininos, uma cortesia do grupo Samba de Lata de Tijuaçú. João Meirelles, integrante do Baiana desde 2012, assina a composição com Passapusso e a co-produção da faixa com Ganjaman. (Nathália Pandeló)

Saci

Uma das faixas que mais exemplificam o que é a essência de BaianaSystem. É uma mistura de sons e ritmos alucinantes, com elementos eletrônicos, do funk carioca, da guitarra baiana, do batuque e, como se não fosse suficiente, com críticas sociais no meio da letra. Lembra daquelas imagens que vimos nos últimos anos de multidões dançando ao som do grupo? Saci com certeza vai colocar todo mundo para pular. E se o papo é de racista ou machista, dedo médio, flow. (William Nunes)

Sambaqui

Em um disco bastante verborrágico, Sambaqui se destaca por ser uma das letras mais curtas de O Futuro Não Demora. A mistura de guitarra com uma percussão feroz são o fio condutor da faixa, enquanto a repetição dos versos transforma a música em uma espécie de mantra, repetido ao longo dos seus 1:19 – a mais curta do trabalho. Se por um lado a “chuva de canção” não torna a parte lírica memorável, BaianaSystem capitaliza em uma das suas maiores forças: a potência percussiva. (Nathália Pandeló)

Arapuca

Entre o trap e o repente, Russo comprime muita letra em pouco tempo em um daqueles casos que você percebe seus ouvidos se abrindo com mais atenção para não perder nenhum detalhe. É uma faixa que se esquiva em sua leveza e contra-ataca com uma lírica que utiliza cada consoante como um elemento de percussividade. Em uma ambientação sonora carregada de elementos, o carisma do vocal dá a impressão de ser um dos momentos mais orgânicos do álbum. (André Felipe de Medeiros)

CertoPeloCertoh

Cantada pelo rapper baiano Vandal, CertoPeloCertoh talvez seja o momento mais agressivo do disco e desfoque um pouco a suingada já costumaz da banda. Nenhuma linha é desperdiçada: fuck the police e um grito cantado por um artista preto, que pode ser encarado como um canto contrário, no que diz respeito a falar de uma terra baiana, sem apelo midiático, que tem uma periferia sem o amparo público, no qual o certo pelo certo é sobreviver. (Rômulo Mendes)

Fogo

A faixa é hipnotizante, como de fato o fogo é. O começo soa como um mantra, uma repetição, um déjà vu ou “o futuro na memória”, onde não há distinção entre o novo e o já conhecido. Engraçado me vir a sensação de já ter escutado algo parecido com Fogo. Deve ser porque, como explica a própria música: “aconteceu com você, aconteceu comigo”, “o fogo que queima em você também queima comigo”. Manifestando em som o que temos em comum, BaianaSystem é única e universal. (João Barreira)

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