Entrevista: Vivendo do Ócio

Entre críticas à tradicional família brasileira, o tribunal da Internet, o sistema política e filosofias, Vivendo do Ócio chega a 2020 com um disco cheio, cinco anos após Selva Mundo. Algumas músicas já tinham sido lançadas como os singles, como Il Tempo, Muito e Cê Pode. Agora, elas foram somadas a mais sete inéditas, nascendo assim seu quarto álbum, Vivendo do Ócio.

A lírica bem trabalhada, construída com assuntos sem clichês, se alia à sonoridade bem brasileira – característica da identidade da banda -, acrescentando instrumentos, elementos e referências para além do rock. O registro trás participações de Luiz Galvão (Novos Baianos) e seu filho Lahiri Galvão, Fábio Trummer (Banda Eddie) e Levi Siqueira (Cristo Bomba). 

Por e-mail, o baterista Dieguito Reis e o vocalista e guitarrista Jajá Cardoso conversaram com o Música Pavê, sobre a história das letras, visão de mundo e sonoridade da banda.

Música Pavê: Já se passaram cinco anos desde o último disco, e muita coisa mudou nesse tempo. Como vocês enxergam esses últimos anos do Brasil e do mundo?

Dieguito Reis: Estamos vivendo um momento muito delicado em que, mais do que nunca, precisamos aprender a nos relacionar melhor com nós mesmos e com o próximo. O universo está em constante transformação e o sistema que estamos vivendo nos impede de perceber essas mudanças. Precisamos estar conectados para entender e tomar as decisões. A cada dia, fica mais claro que boa parte dos governantes não têm capacidade de decidir nada, que eles não estão conectados com os avisos da natureza e nem com o povo. Não governam para maioria, governam para uma parcela que valoriza muito mais o mercado do que a vida. Nosso maior medo é passar por isso tudo e não aprender nada. Então, precisamos estar atentos, unidos e fortes, só assim vamos entender o nosso real valor pra bater de frente com tudo o que seja contra a vida, contra a natureza e contra o povo.

MP: E dentro da banda, quais foram as transformações que aconteceram nesse meio tempo entre os discos?

Jajá Cardoso: Muita coisa mudou desde o último lançamento. Todo mundo está cuidando dos seus projetos pessoais, sendo que metade da banda voltou a morar em Salvador – Davide e Luca, no caso. Mas, apesar dessas mudanças, que são completamente normais depois de tantos anos de banda, continuamos focados em evoluir nosso som. Nunca paramos de compor e continuamos a focar em produzir as músicas em conjunto. Aapesar da distância, conseguimos produzir e conseguimos os resultados que esperávamos para esse novo trabalho.

MP: Li que algumas músicas já tinham sido em partes feitas, mas não tinham saído nos outros discos. Além das faixas fragmentadas, teve essa questão do grupo estar dividido geograficamente. Como foi produzir esse disco dessa forma?

Jajá: Luca e Davide vinham para São Paulo passar temporadas – pra fazer shows, inclusive. E a gente aproveitava esse tempo para produzir as músicas junto a Gabriel Zander e Thiago Guerra. Criamos as pré-produções e depois íamos refinando e gravando novas ideias a distância.

MP :Vocês já tiveram referências de poemas, livros, como O Ócio Criativo, de Domenico de Masi. No processo de composição atual do disco, vocês tiveram novas influências para além da música?

Dieguito: As primeiras linhas da música O Amor Passa No Teste, parceria com o mestre Galvão e seu filho Lahiri, nasceu depois de uma entrevista que vi do André Abujamra para a TV Cultura, na qual ele falava sobre o quanto ele amava fazer trilha sonora. Esse amor estava nítido nos seus olhos e inspirou alguns versos da música. Como na Vivendo do Ócio os quatro membros da banda escrevem, costumamos pegar referências de todos os lados possíveis, desde livros, filmes e documentários a sonhos, conversas, acontecimentos. Ta tudo aí! A gente só vai montando o quebra cabeça.

MP: Algumas músicas de trabalhos anteriores nasceram de sonhos, como Prisma. Alguma deste novo disco veio com essa inspiração?

Jajá: Sim, eu tenho uma relação muito profunda com os sonhos e consigo lembrar de muitos detalhes. No caso desse disco, eu sonhei com Fábio Trummer cantando repetidamente: “Essas casas todas iguais… Essas casas todas iguais…”. Então, nada mais justo do que ter convidado o próprio para escrever comigo essa canção, que intitulamos Paredes Vazias.

MP: Quais artistas e bandas vocês têm acompanhado ultimamente?

Dieguito: Música é o que nos move e, quando o assunto é influência, Vivendo Do Ócio vira um caldeirão. Todos da banda ouvem um pouco de tudo e essa diversidade de ritmos acaba influenciando muito nas composições. Davide, por exemplo, é o nosso lado mais roqueiro da banda. Eu gosto muito de música brasileira e de Neo soul, Rap e R&B. Jajá gosta muito de jazz, country e música brasileira, enquanto Luca, mais de Punk e Indie. Nessa mistura toda, os artistas que acabaram se destacando ultimamente nas nossas playlists foram Anderson Paak, St. Paul and Broken Bones, Warpaint, Black Alien, Death (a banda punk), Miles Davis, Les Ya Toupas Du Zaire, Arcade Fire e Tom Zé, sempre.

MP: Sobre lançar um álbum durante uma pandemia, como vocês vão trabalhar sua divulgação nessa circunstâncias?

Jajá: A situação mundial alterou todos os nossos planos. Metade da turnê já estava marcada e foi tudo adiado. Então estamos trabalhando com o que temos disponível, que é a Internet. Além da divulgação necessária nas redes sociais, vamos lançar materiais de vídeo que estão no acervo, incluindo um longa metragem em que atuamos em 2011 na Itália, Vive Le Rock, que chegou a estrear no Brasil no Festival In-Edit e em vários festivais de cinema na Europa. Além do mais, as lives são uma boa forma de manter o público ainda mais próximo.

MP: Qual a relação que vocês têm com o mundo online?

Jajá: Eu gosto muito de tecnologia e games, mas não tenho uma conexão muito forte com as redes sociais. Eu até tento (risos), mas não é muito minha praia, sabe? Não tenho aquele pensamento tão moderno de postar as coisas do meu dia-a-dia ou entrar em debates, enfim, tem coisas que eu até deveria publicar, mas, por não ter a mente muito voltada pra isso, penso depois que passa com um pouco de frustração: “Poxa, era pra eu ter feito um stories” (risos). Já no caso da Vivendo do Ócio, eu e Davide nos aplicamos, fazemos o que tem que ser feito, mas temos Luca e Dieguito que são mais conectados e dão um bom up nas redes da banda.

MP: Como tem sido a quarentena de vocês, como vocês tem usado esse tempo?

Jajá: Tenho focado em praticar piano e desenhar. Eu sou ilustrador e tenho feito mais artes para mim mesmo, tinha tempo que não exercitava isso. Tento manter minha mente focada em coisas prazerosas, principalmente ficando afastado das redes sociais, que, infelizmente, tem muita notícia ruim. Só entro para fazer o necessário. Não que eu queira “esquecer” o que está acontecendo, mas não vai me ajudar em nada ficar recebendo informações que não vão ser psicologicamente positivas. Então passo muito tempo no estúdio, tocando bateria também. Jogo vídeo game e amo cozinhar. Então tô ampliando meu repertório de receitas.

MP: Querem deixar algum recado para as outras pessoas que estão na quarentena?

Jajá: Se cuidem e sigam as ordens da OMS. Só saiam de casa se for de extrema necessidade e cuidem da saúde mental e física. Busquem fazer coisas que te fazem bem para não dar espaço para ansiedade.

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